Opinião

A “iniciativa de paz” na Ucrânia proposta pela Arábia Saudita tende ao fracasso

01/08/2023
Spanish People's Party candidate Alberto Nunez Feijoo and Spain's Prime Minister and Socialist candidate Pedro Sanchez talk before a televised debate ahead of snap election in Madrid, Spain, July 10, 2023. REUTERS/Juan Medina

Qualquer iniciativa unilateral será inócua, escreve o dirigente do PCdoB José Reinado Carvalho em reflexão que orienta a ação de solidariedade e luta pela paz dos filiados e dirigentes da legenda.

Por José Reinaldo Carvalho (*)
A Arábia Saudita anunciou que vai realizar uma reunião nos dias 5 e 6 de agosto para discutir a guerra na Ucrânia sem a presença de representantes do governo russo. Para o encontro, que transcorrerá na cidade de Jidá, o país árabe e a Ucrânia convidaram 30 países, incluindo Brasil, Índia, Indonésia, Egito, Chile e Zâmbia. A notícia de que a Arábia Saudita sediará uma cúpula para a paz na Ucrânia, seria à primeira vista, sob uma mirada superficial, uma proposta promissora e carregada de boas intenções. Mas os países nela envolvidos podem perder as ilusões antes mesmo que seus diplomatas arrumem as malas, quando constatarem que, como parece, o objetivo é aproximar países do sul global das posições imperialistas e nada pacifistas dos Estados Unidos e da Europa. As circunstâncias e os atores envolvidos mostram que a iniciativa está eivada de vícios de origem e tem tudo para não dar certo.

Primeiramente, é importante ressaltar que a Arábia Saudita convoca a reunião em comum acordo com a Ucrânia. Na verdade, é um encontro de interesse direto desta. Em segundo lugar, a Arábia Saudita não tem credenciais de mediadora de conflitos internacionais. A falta de experiência diplomática prévia pode prejudicar a eficácia da Arábia Saudita como mediadora imparcial, comprometendo a confiança das partes envolvidas e dificultando o avanço nas negociações. E a associação com a Ucrânia liminarmente evidencia que se trata de um jogo de cartas marcadas.

Além disso, o fato de a cúpula visar aproximar países do sul global das posições dos Estados Unidos e da União Europeia suscita dúvidas sobre a neutralidade da iniciativa. A Ucrânia já se encontra em uma situação geopolítica delicada, com tensões entre a Rússia e as nações ocidentais. Ao incluir o alinhamento com potências estrangeiras como objetivo, a cúpula será percebida como mais um cenário para uma encenação política, em vez de uma genuína busca pela paz.

Outro ponto a se considerar é a ausência de representantes oficiais da Rússia nessa cúpula. A Rússia é uma das partes centrais do conflito na Ucrânia e a sua participação é essencial para qualquer esforço de mediação significativo. Sem a presença da Rússia, a cúpula será vista como uma tentativa unilateral de influenciar a situação, o que provavelmente levará ao fracasso das negociações.

A crítica à iniciativa saudita não significa uma renúncia aos esforços de atores da comunidade internacional pela paz. Permanece na ordem do dia o empenho por um cessar-fogo que abra caminho para a paz. O presidente brasileiro foi um dos primeiros líderes mundiais a apontar essa necessidade, sendo por esta razão acusado de aliança com a Rússia. É preciso considerar que um país tão relevante como a China lançou em fevereiro uma proposta de 12 pontos para favorecer uma solução política para o conflito. Ao invés de tomar a proposta como um ponto de partida para as negociações, as potências imperialistas ocidentais a ignoraram e até hoje persistem no caminho das sanções econômicas contra a Rússia e no fornecimento de armas para a Ucrânia. O mundo ainda aguarda ansioso por uma convergência objetiva que tome a sério o fim do conflito. Durante a reunião entre a Rússia e países africanos na semana passada, foram fortes os apelos nessa direção.

Em diferentes ocasiões, desde que desencadeou a Operação MIlitar Especial, em 24 de fevereiro do ano passado, a Rússia afirma estar disposta a negociações, dando ênfase, porém, à necessidade de completar a missão que se propôs – neutralizar a ameaça de guerra das potências ocidentais, para o que é indispensável desmilitarizar a Ucrânia e torná-la um país neutro. Igualmente, a Rússia persegue intensamente seu plano de libertar a região do Donbass, o que ainda exige um ciclópico esforço militar, principalmente agora no quadro da contraofensiva ucraniana.

(*) Jornalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB e secrerário-geral do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz

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