Opinião
A inevitável polarização e os conflitos políticos
Por José Reinaldo Carvalho (*)
Até o dia 7 de outubro sempre se poderá dizer que é muito cedo para fazer prognósticos, que fatos novos podem sobrevir e alterar o quadro apontado pelas pesquisas. Efetivamente, a incerteza seguirá e, caso haja segundo turno, também durante três longas semanas mais .
A situação politica é instável, a campanha eleitoral desenvolve-se no contexto de gravíssima crise política, anomia governamental, conflitos entre poderes constitucionais, falência econômica, degradação social e ameaças de golpe militar.
Mas é insofismável que algumas tendências se consolidam inexoravelmente. Contorná-las ou contrapor-se a elas é tão inútil quanto pretender que o sol não se levante amanhã.
A primeira destas tendências é a polarização entre as forças retrógradas, neoliberais , antidemocráticas e antinacionais, de um lado, e o Brasil democrático, patriótico, popular e progressista, de outro. A única novidade é a convergência das primeiras em torno da candidatura do capitão fascista e não do ex-governador de São Paulo.
Deu-nos a explicação ninguém menos que o ex-presidente do partido tucano, Tasso Jereissati, hoje à frente do Instituto Teotônio Vilela, em entrevista ao Estadão. Disse que os tucanos colecionam um “conjunto de erros memoráveis” desde a eleição da ex-presidente Dilma Rousseff e ainda pagarão um preço por isso. “O desgaste do PSDB começa a partir dos episódios da gravação do Aécio. Começou ali e continuou. Como nós não tomamos as medidas necessárias naquele cenário, era previsível que o desgaste do PSDB iria perdurar e teria consequências graves nas eleições”, declarou. Ele destaca ainda o erro do PSDB de “votar contra princípios básicos nossos, sobretudo na economia, só para ser contra o PT”. Jereissati afirma também que o maior de todos os erros foi entrar no governo Temer.
Foi outro político da direita que se encarregou de explicar por que no outro polo da contenda estão o PT e seus aliados, reforçados com a candidatura ascendente de Fernando Haddad como substituto do presidente Lula. Embora sem se arrepender de ter sido um dos principais articuladores das forças golpistas que derrubaram o governo legítimo e democrático da presidenta Dilma Rousseff, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, avaliou que o impeachment de Dilma Rousseff fez bem ao Partido dos Trabalhadores. “O PT voltou a ser um ator político relevante”, declarou Maia em entrevista ao UOL, atribuindo o fato ao fracasso do governo Temer, do qual ele foi fiador, cúmplice e beneficiário.
As explicações e “autocríticas” de Jereissati e Maia fazem soar mais uma vez o dobre de finados de forças políticas que, sendo de fato direitistas, procuraram no ambiente de confusão política que grassa no país há anos, passar por centristas. Tendo fracassado em sua mensagem e com o afundamento do governo Temer, esses políticos e partidos ficaram sem bandeira, sem discurso, desgastaram-se como polo aglutinador do que quer que fosse e sem capacidade de liderança. Cederam espaço à direita pura e dura, para cuja candidatura migram agora os votos do PSDB e do mal chamado Centrão.
Esta polarização não é um raio em céu azul, nem fruto de alguma conspiração movida a partir de um cárcere em Curitiba. É fenômeno que vinha em desenvolvimento latente mas avassalador, pois corresponde a fenômenos profundos arraigados na sociedade brasileira. Só não viu quem não quis ou quem estava interessado em difundir a prédica falsa de que o ciclo lulista estava esgotado, que a polarização seria entre o capitão e o ex-governador de São Paulo e o destino da esquerda seria a defunção numa aliança polarizada pelo … Centrão. Desde o desfecho do golpe estes apologistas do centrismo fizeram inócuos chamamentos a esta união, a começar pela estapafúrdia proposta de que a presidenta Dilma renunciasse “para evitar o pior”, e a culminar com o arranjo de uma candidatura que no fundo servisse de antagonista à esquerda consequente.
Tudo isso naufragou e, embora não se possa tomar as pesquisas desta semana como definitivas, é óbvio que a liderança de Lula se tornou ainda maior e as forças que se aglutinaram em torno dele é que passaram a dar o tom da batalha. Ora, no desenvolvimento e desfecho do golpe de 2016 já era este o cenário que se delineava. O campo democrático popular se afirmou com nitidez e ficou patente quem era quem. Não vale a pena agora exaurir o leitor com a lista de candidatos e legendas que comandaram a operação do impeachment …
Concomitantemente com a polarização entre o progressismo e a direita, afirma-se outra tendência objetiva. Doravante, a campanha eleitoral e o ulterior quadro político se desenvolverão em meio a elevado grau de pressões, ameaças e conflitos.
Com o vertiginoso crescimento da chapa Haddad-Manuela, o capital financeiro põe à mesa suas cartas, constrange, chantageia e pede para que se repita o mantra da preservação do tripé macroeconômico. Por seu turno, o difuso partido da Lava Jato faz alarido sobre o “indulto” a Lula. E, desde o “forte apache” e o Clube Militar soa o rufar de tambores do golpismo.
A polarização que se afigura e os embates a ela inerentes são o espelho do Brasil contemporâneo, da sua encruzilhada histórica, dos seus impasses políticos abissais, das suas lancinantes contradições sociais, do triste e deprimente declive nacional. Será através desta polarização, percorrendo ínvios e arriscados caminhos que surgirão os conflitos e se travarão as lutas populares.
Momentaneamente, sua expressão eleitoral é a disputa entre Haddad-Manuela e Bolsonaro. Há outras contendas entrelaçadas, algo que também não deveria surpreender porque é um corolário do golpe de 2016.
O impeachment foi apenas o começo de uma ofensiva brutal das classes dominantes reacionárias, suas instituições estatais, midiáticas e partidos contra as aspirações e primeiras conquistas políticas e sociais do povo brasileiro. Entre 2003 e 2015, durante os governos de Lula e Dilma, estávamos apenas no começo, tomando as primeiras iniciativas para construir o Brasil democrático e popular.
As classes dominantes, igualmente, apenas davam os primeiros passos pelas mãos de Cunha, Temer, Maia, Alckmin et caterva, para abrir um novo ciclo conservador e entreguista. Nada mais pedagógico para compreender a manifestação política da luta de classes.
Do ponto de vista das forças de esquerda, progressistas e populares, concentrar toda a energia e inteligência política na conquista da vitória eleitoral da chapa Haddad-Manuela é o modo consequente de fazer esta luta. Depois, vencida esta batalha, com o programa de mudanças nas mãos, pôr à prova a capacidade de unir e mobilizar o povo brasileiro para aplacar a ameaça fascista, governar e dar passos seguros na construção do Brasil democrático e popular .
(*) Jornalista, editor do Resistência e diretor do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz