Opinião
A direita, mais uma vez, vence eleições em Israel
Por Lejeune Mirham (*)
Convocadas antecipadamente, no último dia 9 de abril, ocorreram eleições parlamentares em Israel. Existem aspectos particulares e mesmo peculiares que fazem destas eleições – com seus resultados previsíveis – um fato que pode e irá, seguramente, ter grande repercussão na vida política do Oriente Médio árabe. Ainda que as apurações não tenham ainda finalizadas (estavam 97% concluídas) e não se pode afirmar de forma definitiva que Netanyahu formará novamente um gabinete como primeiro Ministro, quero apresentar ao debate alguns dados, informações e sua análise do que foi a 21ª eleição legislativa do parlamento de Israel.
As peculiaridades das eleições israelenses
Como sabemos, Israel tem sistema de governo parlamentarista, ou seja, o líder do partido político que fizer maioria, ainda que relativa no parlamento – chamado Knesset – toma a iniciativa das conversações para formar uma maioria absoluta (50% mais um deputado, o que equivale a 61 deputados em um parlamento de 120 cadeiras).
Apuradas praticamente cem por cento das urnas, Benjamin Netanyahú, mais conhecido como Bibi, atual primeiro Ministro dos 12 que governaram Israel em 71 anos, fez 35 cadeiras com 29%, mas a sua coligação de extrema direita, direitista e sionista elegeu 65 deputados, o que lhe dá margem tranquila para constituir governo. O general e candidato da oposição, Benny Gantz, que fundou um partido político apenas para concorrer às eleições, chamado Azul e Branco, reconheceu a derrota. Quero deixar alguns dados e opiniões registrados a seguir:
1. Bipartidarismo – Apesar de terem concorrido nas eleições 15 partidos, quatro deles não conseguiram ultrapassar as cláusulas de barreiras e ficarão sem representação parlamentar (Gesher, Maguen, Nova Direita e Zehut). Os outros onze partidos elegeram bancadas que variaram de quatro a 35 deputados (ver Tabela 1). Mas, é preciso observar que em 71 anos da existência do Estado de Israel – a ser completado no próximo dia 15 de maio – apenas 12 pessoas governaram o país (uma só mulher). E o Partido Trabalhista Israelense (conhecido como Labor de feições socialdemocrata) teve sete primeiro Ministros (ver Tabela 2) e o Likud, do atual PM Netanyahú fez cinco deles.
Tabela 1 – Deputados eleitos por partidos e percentuais
Partido | 2015 | 2019 | % em 2019 |
Likud | 30 | 35 | 29% |
Azul e Branco | Não existia | 35 | 29% |
Judeus Unidos pela Torá | 6 | 8 | 6,7% |
Shas | 7 | 8 | 6,7% |
Hadash Talal | Sem informação | 6 | 5% |
Labor | 18 | 6 | 4,2% |
União dos Partidos de Direita | Não existia | 5 | 4,2% |
Yisrael Beitenu | 6 | 5 | 4,2% |
Kulanu | 10 | 4 | 3,3% |
Meretz | 5 | 4 | 3,3% |
Ra’am Balad | Sem informação | 4 | 3,3% |
Totais | 120 | 100,00% |
Fonte: https://www.kan.org.il/radio/program.aspx?progId=1158.
A seguir, publico uma tabela que mostrará o nome dos primeiros ministros de Israel, bem como o período que governaram, período de sua vida, partido a que pertenceram e a orientação política de cada um.
Tabela 2 – Primeiros Ministros e outros dados
Nome | Vida | Governo | Partido | Orientação |
David Ben Gurion | 1886-1973 | 1948-1954 | Mapai/Labor | Centro-esquerda |
Moshe Sharett | 1894-1965 | 1954-1955 | Mapai/Labor | Centro-esquerda |
Levi Eshkol (1) | 1895-1969 | 1963-1969 | Mapai/Labor (2) | Centro-esquerda |
Golda Meir | 1898-1978 | 1969-1974 | Mapai/Labor | Centro-esquerda |
Yitzhak Rabin (3) | 1922-1995 | 1974-1977 | Mapai/Labor | Centro-esquerda |
Menachem Beguin (4) | 1913-1992 | 1977-1983 | Likud | Direita |
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeiro-ministro_de_Israel
1. Sob o seu governo ocorreu a chamada Guerra dos Seis Dias (junho de 1967).
2. Em janeiro de 1966 o MAPAI (Partido dos Trabalhadores da Terra de Israel) passa a se chamar Partido Trabalhista de Israel – PTI (Labor).
3. Sob seu governo em 1993 foi assinado o chamado acordo de paz de Oslo sob os auspícios dos EUA na administração Bill Clinton.
4. Sob o seu governo o Sinai foi devolvido ao Egito em 1982 sob os auspícios dos EUA na gestão Jimmy Carter, assinado em 1979.
5. Em 1982, quando ministro da Defesa de Israel, o Líbano é ocupado e ocorre o Massacre de Sabra e Shatila em setembro desse ano.
6. Sharon funda o Kadima, que se pretendia de centro em 2005, sendo dissolvido em 2015.
7. Netanyahu volta ao poder em 2009, permanecendo até os dias atuais.
Por esse quadro vemos que os trabalhistas tiveram sete dos 12 primeiros ministros e os cinco restantes são do Likud, de direita. Vê-se que prevalece em Israel um sistema bipartidário muito parecido com o que ocorre nos EUA. Dois partidos formam governos com partidos menores, satélites, que os ajudam a compor maioria no parlamento.
2. Israel não é um regime democrático – Isso porque a população árabe é muito discriminada, sendo que trabalhadores recebem até 50% menos que os israelenses para desempenhar a mesma função. Tecnicamente, esse país está em guerra com a Síria e o Líbano, pois ocupa porções territoriais árabes fruto de guerras anteriores e não devolvidas até agora. Mas, fundamentalmente, Israel não pratica a laicidade do Estado, tendo se tornado um estado judeu por lei aprovada em julho de 2018. Dessa forma, os muçulmanos poderão ser considerados “cidadãos de segunda classe”.
3. A direita segue sendo forte em Israel – Estas eleições têm em sua peculiaridade o fato que a direita cresceu. Mesmo os 29% de votos dados ao candidato da oposição, o general Benny Grantz, que a imprensa insiste em chamar de “centro“ são votos do campo conservador, pois ele mesmo declarou em várias entrevistas que em aspectos que dizem respeito à segurança de Israel e trato com os palestinos ele é assumidamente de direita. Eu diria que – grosso modo – a direita hoje tería de 75% a 85% dos totais de votos contra uns 15% a 25% da esquerda.
3. Abstenção eleitoral – Como na maioria dos países, Israel adota o voto facultativo. Nestas eleições, de 8,8 milhões de habitantes do país, 6,3 milhões tinham direito a votar (o que mostra o envelhecimento da população). A abstenção vem crescendo mostrando também um desalento com a política. Em 2013 a abstenção foi de 28,2%, passando em 2015 para 33,4%. Nestas eleições de 2019 atingiram 35,6%, ou seja, um em cada três eleitores não foi votar. Em torno de quatro milhões compareceram.
4. Longevidade política de Bibi – Apesar de todas as acusações que pesam sobre Netanyahú sobre corrupção, em processos que se arrastam há anos, ele tem conseguido sucessivamente se reeleger primeiro Ministro. É o mais longevo PM – dez anos – de forma seguida, como também o que mais tempo governou o país (somados todos seus governos).
5. Partidos religiosos – Israel tem dois partidos religiosos e ambos ultraortodoxos. São eles o Shas que representam os judeus safarades (originário da península Ibérica) e o Judaísmo Unido da Torá que representam os judeus que imigraram da Europa Central e Oriental (especialmente Rússia), conhecidos por ashkenazi. Estes partidos, com um eleitorado cativo, cresceram de 13 para 15 vagas no Knesset.
À guisa de conclusões
O cenário mundial é de grande crescimento das forças de direita sendo que em alguns lugares até de extrema direita, como é o caso do Brasil governado por um fascista. Em um momento de tensionamento em função da possiblidade de invasão da Venezuela por forças estadunidenses e a prisão de Julien Assange na Inglaterra, a vitória de Bibi em Israel se soma a essa corrente que ganhou força desde a eleição de Trump em 2016 nos Estados unidos, reforçada pela vitória do fascismo no Brasil.
A eleição de Bibi não se deveu tanto ao seu programa de governo – mais do mesmo – mas fundamentalmente pela questão que a população via e continua vendo nele a perspectiva da segurança do ponto de vista, claro, dos israelenses. Isso aponta para um cenário cada dia mais difícil para o povo palestino que vive a mais longa ocupação por potência estrangeira desde o século XX.
O tema da paz praticamente não foi discutido na campanha eleitoral. Não se falou na campanha inteira em “voltar a negociação de paz com os palestinos”. O que também aponta no horizonte uma maior dificuldade para que os palestinos possam vir a ter seu estado soberano, com fronteiras definidas e como membro pleno da ONU (hoje eles são apenas observadores com status igual ao do Vaticano, sem direito a voto, ainda que possam participar plenamente de todas as comissões).
Ainda que tenha havido um pequeno crescimento da votação e do número de cadeiras dos partidos árabes, passando de 10 para 13 deputados, isso não significa dizer que houve um crescimento da esquerda. Até porque, declaradamente de esquerda além dos dois partidos árabes, temos apenas o Meretz que elegeu apenas quatro deputados (perdeu uma cadeira com relação à 2015).
A chamada socialdemocracia ou a centro-esquerda em Israel também perdeu espaço. De uma bancada de 18 deputados trabalhistas em 2015, nestas eleições eles foram reduzidos a apenas um terço disso, elegendo apenas seis deputados. Muito provavelmente, perderam votos para esse partido novo do general Benny Gantz, chamado Azul e Branco, que elegeu uma bancada robusta de 35 deputados. O chamado centro político, que vinha funcionando pelo partido Kadima fundado por Sharon em 2005, praticamente acabou em 2015, não tendo concorrido nestas eleições. Outro centro político vem sendo ocupado, muito provavelmente pelos apoiadores do general e egressos da socialdemocracia.
Não vemos com clareza uma possibilidade, ainda que remota, de uma estabilidade política. Netanyahú – como Bolsonaro aqui no Brasil – é a própria crise em si. Não só pelos escândalos de corrupção, mas fundamentalmente pela sua concepção política de não reconhecer o Estado da Palestina. As prisões de Israel abrigam mais de cinco mil presos políticos palestinos, cujo “crime” sempre foi de lutar pelas suas terras.
É possível que o governo sionista cristão de Donald Trump passe a se mexer para acelerar as coisas no mundo árabe e com relação à Israel e aos palestinos. Pessoalmente, torço para que as partes voltem à mesa de negociação. Mas, sinceramente, mesmo sendo um eterno otimista, estou muito pessimista no caso da paz entre palestinos e israelenses.
(*) Sociólogo, Professor (aposentado), Escritor e Analista Internacional. Foi professor de Sociologia e Métodos e Técnicas de Pesquisa da UNIMEP e presidente da Federação Nacional dos Sociólogos – Brasil