Opinião
A apoteose de Lula em Paris
Lula defendeu a igualdade, a paz e o desenvolvimento, como pilares de nova ordem mundial, escreve o dirigente comunista José Reinaldo Carvalho
Por José Reinaldo Carvalho (*) – Lula fez o seu mais importante discurso sobre temas internacionais desde que assumiu pela primeira vez protagonismo em eventos globais. Na Cúpula sobre o Novo Pacto Financeiro Global, Lula foi assertivo e enfático ao abordar questões cruciais do mundo contemporâneo. Denunciou a desigualdade social e entre as nações, apontou o caráter excludente e opressivo das instituições que conformam desde o imediato pós-guerra a ordem econômica e política internacional, questionou os mecanismos de poder, estigmatizou os acordos comerciais vazados em cláusulas coercitivas e apontou a obsolescência dos principais mecanismos financeiros, comerciais e diplomáticos (FMI, Banco Mundial, OMC e ONU).
Reconhecendo a relevância do tema ambiental e acolhendo iniciativas internacionais voltadas para a proteção da floresta amazônica, afirmou entretanto ser uma “brincadeira” a abordagem de tais temas desvinculada da discussão sobre a desigualdade. A questão climática, embora seja de extrema importância, não pode ser abordada isoladamente. Falou em Paris o Lula raiz, hoje mais curtido e temperado pelas agruras dos embates sociais e portanto mais experiente, quando ressaltou que a desigualdade salarial, racial, de gênero, educação e saúde são questões intrinsecamente relacionadas ao problema global da disparidade de riqueza. Ele argumentou que o mundo está se tornando cada vez mais desigual, com a concentração de riqueza nas mãos de poucos enquanto a pobreza afeta um número crescente de pessoas. Desigualdade social e desigualdade nos níveis de desenvolvimento entre as nações como dois aspectos indissociáveis. Com propriedade, o presidente brasileiro alertou que, se não houver uma discussão prioritária sobre a desigualdade e se não forem tomadas medidas efetivas, o debate sobre a questão climática será inócuo.
A postulação de Lula está em linha com as preocupações e aspirações da esmagadora maioria da população mundial e como tal corresponde às inquietações de boa parte dos estadistas de países que lutam por sua verdadeira independência mas encontram entraves de todo tipo para atender aos reclamos de sua gente. Lula falou como um dos mais destacados líderes do Sul Global, ao advertir os governantes dos países ricos para que tomem em consideração os aspectos sociais e econômicos da desigualdade, a fim de criar soluções abrangentes e sustentáveis para os desafios enfrentados pela humanidade. Nesse sentido, seu discurso foi convergente com o do presidente cubano Miguel Díaz-Canel, que se pronunciou no evento convocado pelo presidente francês na condição de presidente do Grupo 77 mais China, bloco que reúne 134 dos 193 Estados-membros da ONU. Díaz-Canel deu voz ao Sul ao denunciar o injusto ordenamento internacional que prejudica seu desenvolvimento, apontou as consequências nefastas do atual ordenamento econômico e financeiro internacional injusto, antidemocrático, especulativo e excludente, que recaem sobre as nações em desenvolvimento.
O sentido principal das assertivas de Lula sobre a desigualdade mundial é a luta pelo desenvolvimento. A pobreza, a fome, as chagas sociais, a falta de acesso a serviços básicos que acometem os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento têm tudo a ver com os mecanismos de dominação do capitalismo monopolista e financeiro e ao neocolonialismo intrínseco ao tipo de globalização sob o controle das grandes potências capitalistas.
O discurso de Lula sobre a desigualdade mundial tem implicações relevantes para as futuras agendas internacionais, como as cúpulas do Brics, G20 e a Assembleia Geral da ONU. Esses fóruns reúnem líderes de países emergentes e desenvolvidos, proporcionando uma oportunidade crucial para abordar questões globais e buscar soluções conjuntas.
Essas declarações de Lula destacam a importância de colocar a desigualdade como uma questão de destaque nas agendas internacionais. Essas afirmações terão repercussão nas futuras cúpulas do Brics, G20 e Assembleia Geral da ONU, em que os líderes e governos serão instados a adotar medidas mais abrangentes e coordenadas para enfrentar a desigualdade em todas as suas dimensões, promovendo um desenvolvimento mais inclusivo e equitativo em escala global. O discurso pela igualdade e desenvolvimentista de Lula converge também com os esforços pela paz, o multilateralismo, a multipolaridade e a luta pela democratização das relações internacionais, que também só serão possíveis com o soerguimento de novas instituições.
As declarações de Lula sobre a desigualdade mundial fazem lembrar a histórica Conferência de Bandung de 1955 e a luta dos países em desenvolvimento por um novo ordenamento econômico e político mundial. A Conferência de Bandung, realizada na Indonésia, reuniu líderes de países recém-independentes da Ásia e da África, buscando promover a cooperação e a solidariedade entre nações que lutavam contra o colonialismo e o imperialismo.Na época, os líderes presentes na Conferência de Bandung destacaram a necessidade de um mundo mais justo, livre de exploração e desigualdade. Essa reunião histórica deu origem ao Movimento dos Não Alinhados.
O contexto político de hoje é diferente e não está no horizonte a convocação de uma conferência semelhante. As formas que a luta pelo desenvolvimento tomará ainda não estão configuradas. Mas as declarações de Lula, quase sete décadas depois da Conferência de Bandung, refletem a continuidade dessa luta dos países em desenvolvimento por um novo ordenamento econômico e político mundial.
(*) Jornalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Navional do PCdoB e secrerário-geral do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povvos e Luta pela Paz