Venezuela

20 anos da Revolução Bolivariana: multidão toma as ruas de Caracas em apoio a Maduro

04/02/2019

Por Roberto Santana, no Diálogos do Sul

No dia 02 de fevereiro de 2019 completou-se 20 anos da Revolução Bolivariana na Venezuela. Foi nesta mesma data, em 1999, que Hugo Chávez tomou posse para seu primeiro mandato presidencial, mudando radicalmente a história do país e da América Latina. A Revolução Bolivariana foi a última revolução do século XX e a primeira do século XXI. A partir de então, as riquezas da Venezuela, especialmente o petróleo, passaram a ser divididas com toda a população, atendendo às necessidades do povo, como educação, saúde, habitação, previdência, etc. Experimentos socialistas, como as comunas (territórios de produção de bens e serviços cooperativados) passaram a dividir espaço na economia com empresas públicas e privadas. O Estado retomou setores estratégicos, como energia e telecomunicações, e impulsionou o projeto de integração latino-americana e de diplomacia multipolar, com ênfase nas relações Sul-Sul, mais adequadas à realidade mundial do novo século, quebrando o domínio imperialista norte-americano no país.

Chávez promoveu uma verdadeira revolução democrática, ao inaugurar mecanismos de participação direta da população nas decisões políticas, desde a aprovação da atual Constituição, ainda em 1999, via referendo, até a decisão de como e onde gastar o orçamento público nas obras e serviços necessários em bairros e favelas. As assembleias de vizinhos e conselhos comunais se tornaram órgãos deliberativos sobre políticas locais, recebendo e manejando diretamente verbas públicas, sem a necessidade de passar pelas burocracias do poder, desfazendo redes clientelistas e incorporando a população nas decisões públicas, em uma verdadeira democratização do poder. A comunicação também foi socializada, com as iniciativas comunitárias recebendo forte incentivo, quebrando o monopólio midiático dos grandes meios e oferecendo ao cidadão venezuelano uma real pluralidade midiática em termos político-ideológicos.

Todo esse processo é continuado pelo atual presidente Nicolás Maduro, que recebeu o apoio de uma multidão neste sábado, na comemoração de 20 anos da Revolução e de demonstração contra a tentativa de Golpe de Estado que vem sendo promovida pelos Estados Unidos desde o início desde janeiro. A maré vermelha que tomou as ruas de Caracas foi mais uma das centenas de vezes em que o chavismo demonstrou sua incrível capacidade de mobilização popular, fruto da organização e politização da população. Ao mesmo tempo, os intentos norte-americanos de rachar as Forças Armadas e provocar uma guerra civil no país (plano macabro e irresponsável) não surtiram, até o momento, nenhum efeito, e mesmo os países da região que se comportam como colônias, obedecendo cegamente as ordens de Washington, como o Brasil, não parecem estar dispostos a uma aventura bélica contra os militares venezuelanos, os mais bem equipados da América Latina, graças aos convênios com a Rússia, acrescentados de 2 milhões de civis treinados em armas, nas chamadas “milícias bolivarianas” (sem nenhuma ligação com as máfias criminosas que dominam boa parte do Rio de Janeiro).

Se a divisão das Forças Armadas venezuelanas não ocorrer, os Estados Unidos devem optar pela infiltração de mercenários naquele país, para causar caos e atentados terroristas. A agressividade do governo de Donald Trump se dá pela constatação de que a oposição de direita a Maduro não possui a menor capacidade de mobilização social, não conseguindo promover manifestações que abalem as fundações do poder; nem sequer estão unidas, com diversas divisões em seu seio, entre aqueles que concordam e não concordam com as táticas de abstencionismo eleitoral e de apoio à invasão de seupróprio país. Alguns agrupamentos da direita venezuelana parecem estar colocando a mão na consciência de que se recusar a participar de eleições e apoiar a agressão de uma potência estrangeira contra sua própria nação não é a coisa mais inteligente a fazer se o objetivo é angariar apoio contra um governo que mantém firme controle sobre as instituições do Estado.

Uma possível agressão militar à Venezuela mexerá com os brios nacionalistas de sua população, que são latentes. Isso promoverá maior coesão dos militares, dos civis armados (milícias bolivarianas) e do povo como um todo, cerrando fileiras na defesa do país contra o agressor estrangeiro. Em Estado de Guerra, qualquer movimentação de simpatia com o inimigo e de recusa na defesa da Pátria é considerado ato de traição. Essas devem ser as contas feitas nesse momento pela oposição mais lúcida a Maduro. De parte do governo, a aposta na mobilização permanente do povo (como no ato do último sábado) e na união cívico-militar como elemento de dissuasão têm se mostrado eficiente, ao deixar claro que uma guerra civil no país seria uma situação catastrófica não só para a Venezuela, mas para toda a América Latina (lembrando que o Brasil possui fronteira com o país na região amazônica), quiçá mundial, já que pode ocasionar uma forte alta do preço do petróleo.

Um sopro de esperança ocorrerá no próximo dia 7, quando se reunirão em Montevidéu, um grupo de países para propor uma mesa de diálogos de paz na Venezuela, a qual o Presidente Maduro já indicou que participará. Impulsionada por México e Uruguai, a iniciativa tem o respaldo da ONU e do Papa Francisco, e até mesmo contará com representantes da União Europeia. A depender dos encaminhamentos poderemos ter um duplo isolamento: primeiro, dos Estados Unidos e dos governos coloniais latino-americanos, como o brasileiro, que serão alijados de uma saída pacífica para a crise venezuelana. A segunda, o isolamento do setor terrorista da direita venezuelana, que pode ser traída por outros agrupamentos direitistas que aceitem as negociações em Montevidéu como forma de manterem sua viabilidade político-eleitoral perante à população de seu país que, seja a favor ou contra o governo, não deseja guerra, nem invasão estrangeira.

Seria inteligente o Brasil se unir à essa iniciativa, desistindo da posição transloucada realizada até o momento pelo chanceler Ernesto Araújo de apoiar um conflito militar em nossa fronteira amazônica, retornando à posição sã que sempre caracterizou a chancelaria brasileira ao longo da história. Esta costuma ser implacável com os arrogantes e bajuladores.

*Roberto Santana é historiador e professor de história, com graduação e mestrado pela UERJ, doutorando em Políticas Públicas pela mesma instituição. Secretário Executivo da REGGEN (Rede de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável) da UNESCO. Autor do livro “Coronéis e empresários: da esperança da transição democrática à catástrofe neoliberal” (Multifoco, 2014).

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