Opinião

Os dias de fúria de Trump

14/02/2025

Como em seu primeiro mandato, Trump mantém um estilo próprio, intempestivo, imprevisível e de diplomacia bilateral de força

Por José Reinaldo Carvalho – Em seu segundo mandato presidencial, iniciado há menos de um mês, Donald Trump manifesta uma espécie de fúria. Dá declarações bombásticas com retórica agressiva, faz gestos histriônicos, defende conceitos reacionários, emite ordens executivas antidemocráticas e afrontosas à soberania nacional de outros países e ao direito internacional.

Como em seu primeiro mandato, Trump mantém um estilo próprio, intempestivo e imprevisível, de diplomacia bilateral direta, uma “diplomacia” de força menoscabando os organismos multilaterais, usando a comunicação direta e pública, via redes sociais para pressionar outros países e líderes, incluindo os aliados tradicionais da “América”. Trump adotou uma postura abertamente hostil às instituições multilaterais, buscando reforçar o unilateralismo dos EUA. Esse comportamento se materializou na retirada do país de organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Conselho de Direitos Humanos da ONU, sob a justificativa de que essas entidades não defendiam os interesses norte-americanos. O desprezo pelas agências da ONU reflete a recusa em aceitar normas internacionais que limitem a capacidade dos EUA de agir conforme sua conveniência imperialista.

No afã de “tornar a América grande de novo”, demonstra a decisão de entrar em conflito com outras nações e infunde terror na humanidade, temerosa do que pode resultar de sua simulada e coreografada insanidade.

Mas o que se esconde por trás das aparências? Quais são os fatores que conduzem à atual fase da situação política internacional? O mundo contemporâneo é marcado por um conjunto de fatores estruturais e sistêmicos inerentes à crise do capitalismo, pelo declínio do imperialismo estadunidense e ascensão de novas potências que disputam presença no tabuleiro global. A emergência de um novo arranjo geopolítico multipolar, que se manifesta por meio do fortalecimento de países como China, Rússia, Índia, outras nações do Sul Global e articulações de nações tais como o BRICS, a OCX, a CELAC, inviabiliza o exercício da hegemonia exclusiva norte-americana.

Neste contexto, a chegada de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos acentuou a ofensiva imperialista, que busca conter esse declínio por meio de uma política agressiva e reacionária. O ocupante da Casa Branca veio para implementar uma estratégia de confrontação aberta com forças progressistas e potências emergentes, exercendo uma política externa pautada na força, em relações bilaterais assimétricas e na ingerência sobre nações soberanas.

A retórica de “Tornar a América Grande Novamente” reflete os interesses de poderosos grupos do capital monopolista-financeiro, que veem no unilateralismo e na força a única forma de garantir a perpetuação da supremacia dos EUA. A política de perseguir a todo custo a primazia e excepcionalidade dos interesses dos Estados Unidos e a obsessão por impor sua liderança no mundo em cada palavra e gesto do ocupante da Casa Branca tem sido reafirmada com ênfase, incluindo a ambição de apropriar-se de um país vizinho, o Canadá, controlar a Groenlândia e o Canal do Panamá e a estratégia de recuperar a pujança econômica por meio da imposição de tarifas. Nesse contexto, o México e países centro-americanos se sentem ameaçados pela virulência da política de segurança das fronteiras para coibir a imigração ilegal. Por outro lado, a imposição de sanções econômicas e a tentativa de subordinação de aliados refletem a tentativa de barrar o avanço de nações que defendem sua soberania e um modelo de relações internacionais baseado no direito internacional e no multilateralismo.

O governo Trump não esconde o seu objetivo de conter a China, o que implica tomar medidas para frear o impetuoso desenvolvimento e a realização de progressos cada vez maiores na modernização socialista, objetivos a que a China liderada pelo Partido Comunista jamais renunciará. Tudo indica que a guerra econômica contra a China será um dos pilares da política econômica de Trump, marcada por tarifas unilaterais, restrições tecnológicas e tentativas de desestabilização da economia do país rival. Tudo indica também que, malgrado a instabilidade que pode provocar na economia global, essa política tende a fracassar.

A economia global é altamente interconectada, e os EUA e a China são dois dos maiores parceiros comerciais do mundo. A imposição de tarifas e barreiras comerciais afeta não apenas a China, mas também as empresas e consumidores americanos, que dependem de produtos e componentes chineses. Muitas cadeias de suprimentos globais são integradas, o que significa que as tarifas sobre produtos chineses aumentam os custos para empresas americanas que dependem desses insumos.

A China possui uma economia diversificada e um mercado interno robusto, o que a torna menos dependente das exportações para os EUA. Além disso, o governo chinês tem capacidade para implementar medidas de estímulo econômico e políticas de apoio às empresas afetadas pelas tarifas. A China também buscou diversificar seus parceiros comerciais, aumentando as exportações para outros países.

As tarifas impostas pelos EUA resultarão em custos mais altos para consumidores e empresas americanas, especialmente em setores como agricultura, manufatura e tecnologia. Isso levou a aumentos de preços e redução da competitividade de produtos americanos.

A China tem um potente arsenal retaliatório que pode afetar a economia dos EUA em diferentes setores.

É autoengano supor que com a guerra comercial os EUA possam reduzir o déficit comercial dos EUA com a China. Muitos produtos chineses são essenciais e não têm substitutos imediatos, tornando difícil para os EUA reduzir sua dependência.

O objetivo do novo mandato de Trump é exercer o imperialismo ainda mais exacerbado, buscando reafirmar a primazia dos interesses dos EUA e garantir a perpetuação de sua influência global. Seu discurso ultranacionalista visa, na realidade, recuperar o papel dos EUA de superpotência única a hegemonizar a economia e a política mundial, o que só é possível com uma deriva conservadora e uma política externa agressiva.

Mas a emergência da multipolaridade, impulsionada pelo fortalecimento de potências como a China, representa um desafio estrutural à ordem imperialista tradicional. A resistência ao domínio estadunidense continua sendo alvo de ataques e tentativas de contenção, demonstrando que a luta pela soberania das nações e pelo desenvolvimento independente segue sendo um dos principais eixos da conjuntura global.

No Oriente Médio, a política de Trump se afigura como um apoio total aos genocidas expansionistas israelenses, exacerbado nos últimos dias pela indecorosa proposta de limpeza étnica da Palestina. O apoio irrestrito ao governo israelense e a marginalização das reivindicações palestinas mostram a continuidade da lógica imperialista de subjugar povos e nações em benefício de aliados estratégicos. Para exercer o domínio da região em cumplicidade com Israel, Trump mantém uma política de hostilidade em face do Irã, mas ainda são incipientes as indicações de como agirá e terá que enfrentar o desafio de incrementar as relações de Israel com alguns regimes reacionários árabes num contexto em que estes, ainda que passivamente, tomam distância do genocídio contra os palestinos e na nova situação regional, onde é insofismável a presença e influência da China, fiadora de importante pacto entre Irã e Arábia Saudita, e do pertencimento destes no BRICS, cada vez mais credenciado como forte expressão dos interesses do Sul Global.

Quanto à Rússia, é visível que a linha política de Trump é predominantemente pragmática. Tudo dependerá, porém, dos termos e do ritmo das negociações que estão por ser inauguradas sobre o conflito na Ucrânia. Os termos altissonantes usados por ele sobre o papel das duas nações no passado e no presente, ao mesmo tempo que soam demagógicos, denotam a intenção de jogar a cartada russa visando ao isolamento do inimigo principal.

No plano interno, Trump implementa medidas antissociais e antidemocráticas, aprofundando desigualdades e promovendo uma agenda ultraconservadora, o que vai despertar contradições e desencadear conflitos no âmbito da sociedade norte-americana.

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