Opinião
O significado político da guerra Israel X crianças palestinas
Por Jesus Cardoso e Mariana Schlickmann (*)
O conflito na Palestina, chamado pelo jornalista Pepe Escobar de Guerra Israel X Crianças Árabes, tem um significado geopolítico importante. Ele, junto com a Operação Especial Russa na Ucrânia, compõe o jogo de ações e reações que fazem parte do fim a ordem unipolar do mundo e a emergência de uma ordem multipolar.
Esse mundo multipolar que vem se consolidando, ao mesmo tempo em que o imperialismo ocidental vem enfraquecendo, é liderado por Rússia e China. A Rússia com sua preponderância militar, e a China com a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), também conhecida como Novas Rotas da Seda. Essa gigantesca rede de conectividade e infraestrutura foi lançada em 2013, completando uma década este ano.
O imperialismo ocidental levou 10 longos anos para descer do seu imaginário pedestal de superioridade, abrir os olhos e compreender que suas colônias estavam escapando de suas mãos e aderindo ao BRI. Por isso, Joe Biden lançou na reunião do G20 deste ano a proposta de um novo corredor logístico multimodal que ligaria a Índia à Europa, passando por Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Israel.
As derrotas sofridas pelo imperialismo ocidental têm sido tão grandes (Afeganistão e Ucrânia), que tal projeto foi apresentado como um dos principais feitos da política externa estadunidense dos últimos tempos.
Um outro feito importante foram os Acordos de Abraão, articulados pelo presidente Donald Trump, que tinham o propósito de normalizar as relações entre Israel e o mundo muçulmano, em especial a aproximação entre a entidade sionista e a Arábia Saudita, criando um novo Oriente Médio.
Foi justamente esse novo Oriente Médio que Benjamin Netanyahu, conhecido como Bibi, apresentou na Assembleia Geral da ONU em setembro. Se em 2022 ele participou da Assembleia com o intuito de indicar o perigo do programa nuclear iraniano, este ano ele foi anunciar uma nova era de paz e prosperidade entre Israel e seus vizinhos, com a conveniência de isolar os adversários geopolíticos centrais, Irã, Rússia e China. Bibi ainda buscou amarrar definitivamente a Índia na estratégia de contenção chinesa, antagonizando os dois países.
Entretanto, neste mapa faltou negociar com um termo ausente: os palestinos. A Resistência Nacional Palestina em Gaza, liderada pelo Hamas, compreendeu com precisão que tal movimento significava o fim do sonho de um Estado soberano, e a normalização da limpeza étnica na Palestina iniciada pelos sionistas desde os anos 1930.
A mídia corporativa ocidental procura apresentar o 7 de outubro como um movimento de um grupo sanguinário contrário à paz no Oriente Médio, e desse modo esconde, como bem denunciou Antonio Guterres, Secretário Geral da ONU, que tal ação militar não nasce do vazio. Ela é fruto de 56 anos de uma asfixiante ocupação do país por Israel.
Há muitas análises por aí contando as vitórias do Hamas ou de Israel. Porém, isso não é um vídeogame, é a vida real, e quem perdeu até o momento foi o povo palestino, que teve suas vidas e lares dizimados. Há um mês Israel vem bombardeando e destruindo a Faixa de Gaza, sem dó, sem respeito às leis de guerra e ou minimamente direitos humanos. As tentativas de cessar fogo falharam miseravelmente.
Contudo, é importante destacar que a entidade sionista foi atacada de uma forma inédita. Pela primeira vez alguém atacou Israel e matou centenas de soldados sionistas, pegando-os de surpresa e passando por cima da Forças de Defesa de Israel, IDF, na sua sigla em inglês, e seu sistema de vigilância liderado pelo Mossad. Nunca mais os colonos se sentirão tranquilos em Israel, e muitos pegaram o aeroporto para fugir do país.
Já os EUA destruíram o que levaram décadas construindo, a normalização da relação com os árabes. O dia 7 de outubro explodiu os Acordos de Abraão e colocou na agenda mundial a causa palestina, mobilizando milhões de pessoas, em especial no mundo muçulmano. As consequências são imprevisíveis, particularmente para regimes colaboracionistas com os do Egito e Jordânia.
Também é importante lembrar que Israel vem passando nos últimos anos por conflitos internos e instabilidade política. O governo de Netanyahu já era precário e estava em posição delicada internamente. Somando-se o desafio de equilibrar a política interna e a relação belicosa com os vizinhos, sua existência é insustentável.
Esses desdobramentos do conflito são fundamentais para uma virada de jogo no Oriente Médio, e em um futuro próximo, para uma articulação e ação do Eixo da Resistência, que poderá mudar todo o panorama na região.
A brutalidade da reação Sionista, com a cumplicidade de todo o imperialismo ocidental, na tentativa de restaurar seu antigo status quo, tornou visível aos olhos do mundo a centenária prática genocida da dominação imperialista. E isso é um acontecimento importantíssimo.
Uma tradução do discurso de 03 de novembro de Hassan Nasrallah do Secretário Geral do Hezbollah, colocou uma pergunta, apontada por Pepe Escobar: superarão os muçulmanos, tal como os chineses, seu século de humilhação? Como bem indicou a TV Al Mayadeen em espanhol, Gaza é a pedra angular do mundo multipolar, nela estão as bases que poderão produzir uma derrota estratégica do imperialismo.
Fontes:
Al Mayadeen. ¿Por qué Palestina es piedra angular en la batalla por un mundo multipolar? https://www.youtube.com/watch?v=233wKzRGXrA&ab_channel=AlMayadeenEspa%C3%B1ol
José Arbex. URGENTE! Ataque do Hamas muda o jogo no Oriente Médio, com Conde & Arbex | Podcast do Conde. https://www.youtube.com/watch?v=iHaNOq2xTww&t=4s&ab_channel=TVGGN
Pepe Escobar. Irã e Rússia preparam uma armadilha ocidental na Palestina + Pepe Café Ep.2. https://sakerlatam.org/ira-e-russia-preparam-uma-armadilha-ocidental-na-palestina-pepe-cafe-ep-2/
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(*) Editores do Mundo Multipolar