Geopolítica
O Império Americano do Ocidente alinha suas tropas para a batalha
A Cúpula abriu um “novo capítulo” na história da Aliança, com base na agenda “Otan 2030”. O “elo transatlântico” entre os Estados Unidos e a Europa é fortalecido em todos os níveis – político, militar, econômico, tecnológico, espacial e outros
Por Manlio Dinucci (*)
Em 14 de Junho realizou-se na sua sede em Bruxelas a Cúpula da Otan: o Conselho do Atlântico Norte no mais alto nível de chefes de Estado e de Governo. Foi formalmente presidido pelo Secretário-Geral Jens Stoltenberg, e de facto pelo presidente dos Estados Unidos, Joseph Biden, que veio à Europa para convocar os aliados ao conflito global contra a Rússia e a China.
A Cúpula da Otan foi precedida e preparada por duas iniciativas políticas que tiveram Biden como protagonista – a assinatura da Nova Carta Atlântica e o G7 – e será seguida do encontro de cúpula entre o presidente Biden o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, no dia 16, em Genebra, em cujo desfecho já está anunciado que Biden se recusa a realizar, como de costume, uma entrevista coletiva com Putin.
A Nova Carta Atlântica, assinada em 10 de junho em Londres pelo presidente dos Estados Unidos e pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, é um documento político significativo ao qual a mídia local deu pouca importância. A histórica Carta Atlântica – assinada pelo presidente dos Estados Unidos Roosevelt e pelo primeiro-ministro britânico Churchill, em agosto de 1941, dois meses após a Alemanha nazista invadir a União Soviética – estabeleceu os valores sobre os quais se basearia a futura ordem mundial, garantidos pelas “grandes democracias”, sobretudo a renúncia ao uso da força, a autodeterminação dos povos e a igualdade de direitos no acesso aos recursos. Depois que a história mostrou como esses valores foram aplicados, a Carta Atlântica “revitalizada” agora reafirma o compromisso de “defender nossos valores democráticos contra aqueles que procuram miná-los”. Para isso, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha garantem aos aliados que sempre poderão contar com “os nossos dissuasores nucleares” e que “a Otan continuará a ser uma aliança nuclear”.
A Cúpula do G7, realizada na Cornualha de 11 a 13 de junho, exorta a Rússia a “pôr fim ao seu comportamento desestabilizador e às suas atividades malignas, incluindo a interferência nos sistemas democráticos de outros países”, e acusa a China de “práticas comerciais que minam o funcionamento justo e transparente da economia global ”. Com essas e outras acusações (formuladas nas próprias palavras de Washington), as potências europeias do G7 – Grã-Bretanha, Alemanha, França e Itália, que são ao mesmo tempo as principais potências europeias da Otan – já se alinharam com os Estados Unidos antes da própria Cúpula da Otan.
Esta foi aberta com a declaração de que “nosso relacionamento com a Rússia está em seu nível mais baixo desde o fim da Guerra Fria: isso se deve às ações agressivas da Rússia” e que “o fortalecimento militar da China, sua influência crescente e seu comportamento coercitivo colocam desafios à nossa segurança”. Uma verdadeira declaração de guerra que, virando a realidade de cabeça para baixo, não deixa espaço para negociações que amenizem as tensões.
A Cúpula abriu um “novo capítulo” na história da Aliança, com base na agenda “Otan 2030”. O “elo transatlântico” entre os Estados Unidos e a Europa é fortalecido em todos os níveis – político, militar, econômico, tecnológico, espacial e outros – com uma estratégia que se estende em escala global, da América do Norte e do Sul à Europa, Ásia e África. Nesse contexto, os EUA em breve implantarão novas bombas nucleares e novos mísseis nucleares de médio alcance na Europa contra a Rússia e na Ásia contra a China.
Daí a decisão da Cúpula de aumentar ainda mais os gastos militares: os Estados Unidos, cujas despesas chegam a quase 70% do total dos 30 países da Otan, pressionam os aliados europeus a aumentá-los. A Itália, desde 2015, aumentou seus gastos anuais em 10 bilhões de dólares, elevando-os em 2021 (segundo dados da Otan) para cerca de 30 bilhões de dólares, o quinto em ordem de magnitude entre os 30 países da Otan, mas o nível que deve atingir ultrapassa os 40 bilhões de dólares anualmente.
Ao mesmo tempo, reforça-se o papel do Conselho do Atlântico Norte, órgão político da Aliança que, segundo as regras da Otan, decide não por maioria mas sempre “por unanimidade e de mútuo acordo”, ou seja, de acordo com o que Washington decidiu. Trata-se de um novo enfraquecimento dos parlamentos europeus, em particular do italiano, já privado de verdadeiros poderes de decisão em política externa e militar, dado que 21 dos 27 países da União Europeia pertencem à Otan.
No entanto, nem todos os países europeus estão no mesmo nível: Grã-Bretanha, França e Alemanha negociam com os Estados Unidos com base em seus próprios interesses, enquanto a Itália concorda com as decisões de Washington contra seus próprios interesses. Contrastes econômicos (por exemplo, aquele entre a Alemanha e os EUA sobre o gasoduto Stream Nord, no entanto, ficam em segundo plano em relação ao interesse comum mais elevado: garantir que o Ocidente mantenha seu domínio em um mundo em surjam ou ressurjam novos sujeitos estatais e sociais.
(*) Jornalista e geógrafo, colunista de Il Manifesto