Opinião

O “gato golpista” e o golpe escondido com o rabo-de-fora

25/05/2016

O STF aceitou, conforme foi noticiado na mídia, uma ação questionando a Presidente Dilma Rousseff sobre as suas afirmações de que no Brasil se desenvolve um golpe. As perguntas foram colocadas por deputados do PSDB, DEM e PP, com o propósito de intimidação da Presidente, insinuando que nas suas declarações em defesa da democracia Dilma estaria incorrendo em crime de “calúnia, difamação ou injúria” sobre terceiros, nomeadamente, sobre órgãos de soberania (Câmara, Congresso, STF), acentuando tratar-se até de crime previsto no código penal.

Por Alexandre Branco Weffort

Colocando na cabeça a “auréola da inocência”, com ar de ingenuidade virginal, os deputados signatários desfiam seis questões:

(1) A Interpelada ratifica as afirmações – proferidas em distintos eventos – de que há um golpe em curso no Brasil? (2) Quais atos compõem o golpe denunciado pela Interpelada? (3) Quem são os responsáveis pelo citado golpe? (4) Que instituições atentam contra seu mandato, de modo a realizar um golpe de estado? (5) É parte desse golpe a aprovação, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, da instauração de processo contra a Interpelada, por crime de responsabilidade, nos termos do parecer da Comissão Especial à Denúncia por Crime de Responsabilidade 1/2015, dos Srs. Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaina Conceição Paschoal? (6) Se estamos na iminência de um golpe, quais as medidas que a Interpelada, na condição de Chefe de Governo e Chefe de Estado, pretende tomar para resguardar a República?

Comecemos pela última: considerando o momento em que se processa a aceitação da ação pelo STF, a questão (6) – como resguardar a República – não pode agora ser respondida por Dilma, visto a Presidente estar suspensa e as suas competências serem assumidas pelo presidente interino. E que resposta dará Temer em face das gravações de Romero Jucá, agora divulgadas (até) pela grande mídia?

Já a questão acerca da peça composta pelos juristas Bicudo, Júnior e Paschoal, (5) suscita duas abordagens: por um lado, da peça jurídica em apreço, que será de ordem processual e técnica, competência que cabe agora ao Senado dirimir (em desempenho judicial, sob a direção do presidente do STF, Lewandowski). Por outro, importará analisar no plano técnico-jurídico os comportamentos relacionados com o processo de aprovação no Congresso, bem como os atos antecedentes dos proponentes. Em face a boa norma administrativa, o modo tumultuado como decorreu a sessão de votação no Congresso deveria ter sido assumido como motivo impeditivo suficiente à tomada de decisão, sendo que aquele modo tumultuoso decorreu também do comportamento que os autores da peça também produziram publicamente, nos dias que antecederam o ato.

A questão (4), sobre quem atenta contra o mandato presidencial, devia ser levantada, no plano jurídico, desde já pela PGR, contra terceiros não identificados (mas que, tal e qual o gato, se escondem com o “rabo-de-fora”, onde a gravação da conversa de Romero Jucá revela-se absolutamente esclarecedora). O caso assume já contornos de novela de baixo gabarito, sendo cabível considerar o seu esclarecimento enquanto matéria de investigação policial judicial competente e urgente. A esse respeito, as notícias veiculadas pela Folha de São Paulo nos dias 23 e 25 de maio corrente, relacionam diretamente o processo de impeachment com o propósito de “deter avanço da Lava Jato”.

Considerando o formalismo da ação, sem esquecer o verniz posto na linguagem, convirá lembrar que a questão está mal colocada de princípio: se há golpe, em hipótese (como assume a própria ação no STF, solicitando esclarecimentos), não caberá à vítima (Dilma), mas ao Estado de Direito, encontrar os autores do ato que se designa por baixo do termo genérico “golpe”. O mesmo se pode dizer da questão sobre quem serão os responsáveis pelo golpe (3), havendo ainda que distinguir entre responsáveis atuantes (desde logo, vendo onde os atos foram cometidos, a começar pelo passado dia 17 de abril), os mandantes (normalmente, escondidos sob o manto na neutralidade) e os responsáveis políticos. A distinção será por vezes difícil, como se constata à evidência nas gravações de Romero Jucá referidas pela mídia – agora ampliadas pelas conversas do mesmo interlocutor com o presidente do Senado, Renan Calheiros – onde a degenerescência da casta política dominante fica claramente exposta.

A questão (2), que visa a elucidação dos atos, está feita de forma capciosa, pretendendo colocar os eventuais autores do “golpe” na condição de “vítima”. A interpelação pode ser entendida entre um passo de judicialização do confronto político e uma ação jurídica que visa apenas o desgaste, tanto de Dilma como do próprio STF, no fundo, uma ação que poderia ser encarada juridicamente como “litigância de má fé”. Esta é uma questão que deve ser equacionada por todos aqueles que têm como missão resguardar a República.

Numa leitura mais rigorosa, as palavras de Romero Jucá – onde o dolo em relação ao golpe encontra-se desde já assumido – reproduzidas pela mídia colocam expressamente em questão a isenção de membros do STF, algo que este órgão de soberania não poderá deixar de procurar esclarecer por via da competente investigação judicial. A pergunta que agora surge no espaço público é: quem deve promover a investigação a um ministro do STF, havendo indícios de falta de isenção?

Chegando a este passo, constata-se que o “gato golpista”, mesmo beneficiando de omissão quando está sob a mira dos poderes judiciais e sendo investigado (?), procura condenar a Nação brasileira a um retrocesso económico, cultural e social, apenas para poder continuar a agir impune, contando com o silêncio ou a ingenuidade cúmplice de quem deveria, por consciência ou função, conhecer e agir sobre a realidade existente.

Mas, em meio da crise, podemos ver também como a sociedade brasileira se mobiliza, vencendo até o imobilismo de alguns, no sentido de construir uma base ampla de defesa da democracia.

Alexandre Branco Weffort

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