Opinião
Nova reação conservadora e contenção da difusão: um estudo da dinâmica global pós-crise de 2008
Esse artigo visa a analisar as causas e consequências da “nova reação conservadora” dos países centrais após a crise econômica de 2008.
Por Klei Medeiros*, artigo originalmente publicado na Revista Oikos (Revista Brasileira de Economia Política Internacional da UFRJ)
Na primeira parte, apresenta-se o longo processo que levou à ascensão de potências médias semiperiféricas, desde a Guerra Fria. Se em um primeiro momento estes países absorviam benefícios seletivos ofertados pela superpotência norte-americana, em troca do alinhamento a esta e do balancing em relação à União Soviética, no pós-Guerra Fria as potências médias buscam absorver recursos derivados da lógica difusora do sistema capitalista e, ao mesmo tempo, institucionalizar a Cooperação Sul-Sul e a multipolaridade como alternativa à ordem liberal unipolar centrada nos Estados Unidos e Europa (hipótese do Concerto Semiperiférico). Uma semiperiferia unida seria um elemento desestabilizador do sistema, já que tradicionalmente esta compete pela absorção de benefícios seletivos ofertados pelos países centrais em prol de um local privilegiado dentro do sistema, abandonando os custos de manter uma coalizão contra-hegemônica. Diante essa interpretação, o que aqui denominamos “nova reação conservadora” dos países centrais estaria vinculada, por um lado, a uma tentativa de evitar a difusão econômica em direção a novos polos semiperiféricos e, ao mesmo tempo, utilizar da supremacia militar para retomar poder, de modo a compensar a crise de legitimidade e a dificuldade da hegemonia norte-ocidental em gerenciar o sistema através de meios não-coercitivos.
No sistema mundial capitalista formado após o século XVI, poderes emergentes sempre existiram em momentos de declínio de uma hegemonia. No longo processo de declínio da hegemonia global britânica, por exemplo, a dissonância entre liquidez financeira, produção e mercado consumidor disponível estimulou que países semiperiféricos passassem a absorver processos de difusão econômica do centro ou a rivalizar com mercados da hegemonia através de modelos alternativos, como a via prussiana ou o socialismo. Na primeira metade do século XX, havia quatro potências semiperiféricas emergentes capazes de rivalizar com a hegemonia britânica: EUA, Alemanha, Rússia/União Soviética e Japão. Apesar disso, o reordenamento internacional se deu através da aliança entre velhas e novas potências, durante a Segunda Guerra Mundial. Não houve, portanto, um concerto entre as potências emergentes da época para modificar o status quo da hegemonia britânica, havendo na verdade o buckpassing (1) do mesmo modelo de governança econômica para os Estados Unidos, com pequenas modificações.
Novamente, durante a Guerra Fria, embora China e Índia parecessem em um primeiro momento indicar que iriam atuar em conjunto com a URSS para fazer frente à hegemonia norte-americana, a China foi utilizada pelos EUA nos anos 1970 como polo balanceador da URSS, através da Doutrina Nixon-Kissinger da tripolaridade (LITWAK, 1984), ganhando em troca uma vaga no Conselho de Segurança no lugar de Taiwan e o direito à tecnologia nuclear. Paralelamente, além de instrumentos diplomáticos para evitar uma coalizão de emergentes, tanto no caso da hegemonia britânica quanto no caso da hegemonia norte-americana, foram utilizados instrumentos econômicos unilaterais nas fases de declínio (o protecionismo e o manejo da moeda no caso britânico dos anos 1930 e o choque dos juros e a pressão pela liberalização do Terceiro Mundo no caso norte-americano da década de 1970).
Os momentos de declínio, assim sendo, caracterizam-se por uma reação conservadora no plano estratégico, ideacional e político e, no plano econômico, uma tentativa de conter o processo de difusão inerente ao sistema capitalista. A disparidade entre a superioridade bélica do poder hegemônico e a sua dificuldade em manter a hegemonia a partir de instrumentos não-militares (dadas a crise moral, econômica e ideacional) levam a uma reação caracterizada pelo uso da força militar como forma de compensar a capacidade de diálogo e convencimento, conjuntamente a ações unilaterais no plano econômico que reforcem a centralização de recursos para a manutenção da hegemonia. Paralelamente, adotam-se estratégias no sentido de “dividir para dominar”, impedindo a formação de alianças e relações bilaterais estratégicas entre potências médias. O único instrumento diplomático disponível nesses casos é a oferta de benefícios seletivos a potências desafiantes, para que abandonem qualquer pretensão contra-hegemônica e se associem à hegemonia e a sua proposta de ordem global.
Desse modo, neste artigo será apresentada uma interpretação da “nova reação conservadora” dos países centrais após a crise econômica de 2008, ligada à atuação da OTAN na Primavera Árabe, da crise na Ucrânia e na Síria e a disputa geoeconômica com as potências médias semiperiféricas (sobretudo os BRICS) por mercados em zonas periféricas (o que aqui denominamos “contenção da difusão”). Para tanto, na primeira seção, analisa-se o longo processo de formação de potências semiperiféricas médias (PSMs) (2) durante a Pax Americana, discutindo as especificidades e dilemas destes países a partir da hipótese do Concerto Semiperiférico: uma situação em que as PSMs, ao invés de competirem entre si, estariam promovendo interdependência e afinidades de interesses em prol de um projeto alternativo de hegemonia ou pós-hegemonia.
Dialeticamente, são apresentadas diante desse cenário as evidências empíricas de uma nova reação conservadora e de um processo de contenção da difusão econômica, levado a cabo pelos EUA e potências centrais, sobretudo após a crise de 2008. Essa reação estaria associada a uma tentativa de controle da difusão econômica e, consequentemente, a uma retomada da capacidade estatal no centro, de modo a evitar que a tendência à multipolaridade desestabilize a ordem ocidental liberal, sobretudo no caso de haver uma oposição unificada das PSMs a esta ordem.
A ascensão da semiperiferia no século XXI: polos independentes ou concertação mútua?
A emergência de novos polos de poder econômico (PSMs) e militar na virada do século XX para o século XXI despertou interesse de acadêmicos das Relações Internacionais e da Economia Política Internacional ao colocar em discussão um provável processo de desconcentração de poder da hegemonia norte-americana, levando a um questionamento do mundo unipolar e a uma crescente teorização a respeito da multipolaridade. Após 2008, com a criação do BRICS, o que parecia ser um processo difuso de surgimento de polos regionais que não se conectavam entre si, gradativamente levou a discussões em torno de um projeto comum da semiperiferia em prol da multipolaridade. Tais abordagens ora identificam os desafios à concertação mútua em função da heterogeneidade de interesses dos membros do bloco, ora apresentam o potencial de transformação da ordem internacional a partir do balanceamento soft por parte dos emergentes (PAUL, 2005; PAPE, 2005; BROOKS & WOHLFORTH, 2005; HURRELL et al., 2009). Algumas abordagens recentes destacam inclusive a conjunção de interesses entre os BRICS em temas securitátios internacionais após 2008 (ABDENUR, 2016). Assim, aqui apresenta-se inicialmente o processo histórico que conduziu à ascensão das PSMs (ainda durante a Guerra Fria) e, em seguida, se destacam os elementos de convergência entre os vários polos em torno de um projeto comum e os possíveis desafios que se colocam para as potências centrais e para a hegemonia norte-americana advindos disto.
O processo de ascensão de potências semiperiféricas médias na transição da Guerra Fria para o mundo unipolar
Se a década de 1990 parecia representar a consolidação e o ápice de um consenso unipolar (KRAUTHAMMER, 1991; HELD, 1995; FUKUYAMA, 1992), ao mesmo tempo ela deu origem a um processo de esgotamento em função da ampliação das críticas à globalização assimétrica, ao neoliberalismo e ao Consenso de Washington (STIGLITZ, 2002; 2003). A emergência da China e a discussão em torno do Consenso de Pequim na década de 2000 reforçaram as preocupações da periferia com a recuperação do papel indutor do Estado em relação ao desenvolvimento e, no âmbito externo, a uma atuação menos submissa e mais altiva (RAMO, 2004; DIRLIK, 2006). Essa mudança se processou, sobretudo, pelo protagonismo da Ásia na economia mundial e pelas expectativas em relação ao potencial dos países emergentes na África e América Latina, após a estabilização econômica e a redução da dívida externa em diversos países periféricos.
Embora os Estados Unidos se consolidem como superpotência militar no pós-Guerra Fria, seu papel na estrutura econômica global desde 1945 se modificou profundamente. No imediato Pós-Segunda-Guerra, os EUA respondiam por mais da metade da produção industrial mundial e se consolidaram como os maiores credores globais (VISENTINI, 1990). A partir da década de 1980, sua participação no PIB global cai constantemente até atingir menos de 20% em 2008 (FERNANDES, GARCIA & CRUZ, 2015) e sua dívida pública passa a ser financiada pelos demais países, sobretudo pelas PSM’s, como China, Índia e Brasil, principais compradores de títulos norte-americanos. Esse processo se deu paralelamente a uma reação econômica dos EUA com o aumento abrupto da taxa de juros em 1979, o que permitiu captação de investimento externo para a manutenção dos gastos militares em um contexto decisivo da Guerra Fria. Motivada pelo choque do petróleo, essa reação dos EUA trouxe profundas consequências para países da periferia em geral e para polos rivais dos EUA, como a União Soviética – que não conseguiu manter os gastos militares na década de 1980 – e o Japão – que após sucessivas tentativas de recuperar a taxa de lucro privada, sucumbiu a bolhas especulativas entre 1990 e 1992 (ARRIGHI, 1997; 2008; WALLERSTEIN, 1995).
Sendo assim, a estratégia de política econômica norte-americana, aliada ao financiamento de sua dívida pública por parte das PSMs, contribuiu para a construção do mundo uni-multipolar, superando a rivalidade bipolar da Guerra Fria e inaugurando uma fase em que a disputa central se dá em torno do controle dos processos de difusão de poder global. Ou seja, ao mesmo tempo em que se consolidou em termos de poder militar, teve de aceitar as mudanças nos processos de difusão econômica em direção a novos polos e as consequências advindas disto em termos estratégicos. O desafio central da hegemonia no pós-Guerra Fria passa a ser, portanto, o de manejar adequadamente a quantidade de poder e riqueza que deve ser repassada às outras potências, de modo a evitar a sobrecarga de tarefas e atividades na governança global e uma projeção de poder excessiva que traga riscos à estabilidade hegemônica. A dificuldade nesse manejo reside no fato de que, ao “repassar responsabilidades”, o hegemon corre o risco de dar origem a uma frente de resistência que o ameace.
Embora os EUA tenham se recuperado do declínio relativo da década de 1970, a partir da ofensiva econômica e da reação conservadora dos anos 1980 e 1990, alguns processos iniciados naquela década – como a derrota na Guerra do Vietnã e o reconhecimento da multipolaridade a partir da desconcentração do poder em direção à China para contrabalancear a União Soviética – teriam implicações para a sua capacidade de manutenção da hegemonia na década de 2000. A China se reergue a partir de décadas de taxas de crescimento econômico altas, do projeto de construção da Nova Rota da Seda e da criação da OCX; ao mesmo tempo, a Índia executa com sucesso os testes nucleares no final dos anos 1990 e a Rússia retoma um projeto de grande potência a partir da ascensão ao poder de Vladimir Putin, com respostas sucessivas à expansão da OTAN em direção ao Leste.
Essa transformação na percepção do sistema mundial se refletiu na mudança de atitude e da tomada de decisão de diversas PSMs em relação à política externa, com uma visão otimista em relação à multipolaridade e aos benefícios que ela implicaria. Até mesmo países como o Brasil e a África do Sul já possuíam pretensões de potência regional durante a década de 1980, inclusive com o desenvolvimento de programas nucleares, desmontados ao longo dos anos 1990. No século XXI, tanto Brasil quanto África do Sul retomam o protagonismo regional com projeção global, a partir do processo de integração na América do Sul liderado pelo Brasil (UNASUL e IIRSA) (3) e com a luta contra o apartheid pela África do Sul e a construção da integração regional na África Austral (4). O Brasil retoma seu programa nuclear no ano de 2008 em parceria com a França.
Mas não é apenas no âmbito estratégico que se processam esses fenômenos. Um dos motores fundamentais da percepção de um sistema mundial multipolar é o adensamento crescente do Comércio Sul-Sul e a diversificação de parcerias e relações econômicas globais na periferia (5) (PAUTASSO, 2011). A Rodada de Desenvolvimento de Doha coloca em xeque a estrutura dos regimes internacionais e das exigências de liberalização por parte dos países centrais, retomando o espírito contestador da periferia quando esta exigiu uma Nova Ordem Econômica Internacional na década de 1970 (PEREIRA & MEDEIROS, 2015). Ao contrário da Rodada Uruguai da OMC dos anos 1980, na década de 2000 há uma forte resistência por parte dos países periféricos na liberalização do comércio, resultado da proliferação de lideranças políticas que contestam o Consenso de Washington e suas premissas neoliberais. Ao mesmo tempo, retomou-se a defesa da liberalização agrícola como forma de superar as desigualdades econômicas internacionais. No âmbito acadêmico-intelectual, aumentaram as críticas ao papel do FMI e do Banco Mundial nas economias periféricas e passou-se a defender cada vez mais a necessidade de proteção da indústria infante nos países periféricos para se desenvolver, realimentando alguns princípios do desenvolvimentismo dos anos 1950 a 1970 (CHANG, 2001; 2003; 2008; STIGLITZ, 2003; 2007). A retomada da Cooperação Sul-Sul (CSS) no século XXI, nesse sentido, estaria atrelada profundamente às mudanças na economia global processadas nas últimas décadas e à ascensão da semiperiferia:
na atualidade, a lógica que leva os emergentes e outros PRMs (6) a intensificar a CSS é a de promover sua inserção internacional por meio da geração de mecanismos de diálogo político e empowerment econômico. Este processo foi impulsionado pelos fluxos financeiros e investimentos entre países em desenvolvimento – que se multiplicaram por três desde 1998 e representam hoje 30 % do total mundial – e pelo comércio Sul-Sul que se duplicou nos últimos vinte anos e representa na atualidade perto de 40% das trocas mundiais (AYLLÓN, 2014, p. 80-81).
A condição econômica da periferia, alavancada pelo crescimento de países semiperiféricos, como os BRICS, acarretaria em uma perspectiva de Cooperação Sul-Sul diferenciada, em que pela primeira vez se produzem alternativas e complementaridades econômicas, além do reforço nas possibilidades de cooperação nos âmbitos tecnológico, técnico, militar, securitário e energético. A presença de fortes lideranças nos BRICS, somada à vontade política para estreitar os laços com a periferia e promover capacidades institucionais são fundamentais para compreender a transformação no sistema mundial do século XXI. A cooperação técnica Sul-Sul, mais do que simples compartilhamento de experiências e práticas bem-sucedidas, possui um componente político fundamental, visto que contribui para o aprendizado mútuo, o alinhamento político e a construção de parcerias em prol do crescimento econômico, da inclusão social e do desenvolvimento conjunto, minimizando a desconfiança típica dos países periféricos em relação às supostas “pretensões imperialistas” (ou “subimperialistas”) dos países semiperiféricos.
Verifica-se, portanto, que mais do que uma ascensão independente, as PSMs possuem agora um projeto de governança próprio e um modelo de desenvolvimento que, mesmo que não implique em um desafio à ordem capitalista liberal, coloca-se como alternativa ao padrão homogêneo do Consenso de Washington e da visão cosmopolita euro-norte-americana centrada na difusão da democracia, direitos humanos e meio-ambiente como valores universais. Este projeto centra-se, em um primeiro momento, na Cooperação Sul-Sul como um modelo de relações internacionais e em seguida se consubstancia na formação de um bloco político entre os emergentes, com a formalização do grupo BRICS em 2008. Por conseguinte, a consolidação de práticas e alternativas próprias, mesmo que de modo não-institucionalizado, passou a ser reforçada com a possibilidade de um concerto formal unindo países com poder e interesse para promover uma ação coletiva em prol de um mundo menos desigual e mais justo e, ao mesmo tempo, projetando as potências médias periféricas como elemento importante da transformação sistêmica.
A hipótese do Concerto Semiperiférico e os desafios colocados à estratégia dos países centrais
Dentro de um sistema em que cada vez mais a unipolaridade é contestada, tanto os EUA quanto as PSMs obteriam vantagens na desconcentração do poder mundial: o primeiro por não suportar os custos econômicos, políticos, morais e psicológicos da manutenção da hegemonia e as segundas pela vontade de uma participação mais ativa na governança global, de um reforço de suas soberanias e autonomias nas regiões e de construção de um mundo pós-hegemônico (HURRELL, 2009; ARRIGHI & SILVER, 2001; ARRIGHI, 2008). Entretanto, da parte dos EUA (7), essa desconcentração de poder é desejada até um certo limite (garantindo a assimetria em favor do país).
Seja qual for a forma de atuação dos EUA, o fato é que as PSMs vêm se fortalecendo, cada uma por si e, ao mesmo tempo, buscando uma concertação, com a ampliação da cooperação entre Rússia e China através da OCX (e a inclusão recente da Índia no bloco) e através das inúmeras iniciativas em comum no âmbito dos BRICS (como a criação do Novo Banco de Desenvolvimento). Essa aparente mudança de atitude traria implicações para a estabilidade do sistema mundial, se considerarmos a definição de semiperiferia de Wallerstein (1979), que considera que esta desempenha a função de fornecer um elemento de estabilidade ao sistema-mundo ao garantir que os países centrais não enfrentem uma oposição unificada. Sendo assim, a disputa entre os países semiperiféricos – e não a cooperação entre si – seria a chave para a manutenção da hegemonia do Norte. Do mesmo modo, a noção de Kissinger (2012) sobre as experiências históricas em relação à triangulação e à pentarquia vão ao encontro desse argumento, defendendo ser fundamental para os EUA o manuseio das relações entre a semiperiferia, através de recompensas e punições (benefícios seletivos) e de uma diplomacia efetiva para evitar um concerto contra-hegemônico. Em uma análise de documentos oficiais sobre a posição dos EUA em relação aos BRICS, Schaefer & Poffenbarger (2014) demonstram que o Estado norte-americano considera os BRICS são um desafio real no longo prazo, sugerindo formas de lidar com isso através das mesmas estratégias diplomáticas mencionadas acima, ou seja, basicamente impedindo a formação de uma semiperiferia unida.
Mesmo sendo uma estratégia histórica das hegemonias, o gerenciamento da multipolaridade assimétrica parece estar cada vez mais complicado para os EUA. Em um mundo diverso, há cada vez mais resistência à homogeneização inerente à unipolaridade neoliberal e, portanto, a ideia de multipolaridade passa a soar como uma alternativa considerada mais adequada entre os países periféricos. Países como a China, por exemplo, têm coadunado de forma bem-sucedida interesses nacionais internos, desenvolvimento e promoção dos interesses externos através do pacifismo e do respeito aos princípios basilares da Cooperação Sul-Sul inaugurados em Bandung, o que amplia sua capacidade de liderança sobre a periferia (SAUTMAN & HAIRONG, 2006). Da mesma forma, Brasil, Índia, África do Sul e até a Rússia têm apostado no discurso em prol da Cooperação Sul-Sul e da multipolaridade como algo mais benéfico para os países menos desenvolvidos da periferia (PEREIRA & MEDEIROS, 2015).
De fato, se considerarmos a Cooperação Sul-Sul (CSS) de uma forma abrangente, incluindo, além do compartilhamento de técnicas e experiências, a dimensão política, econômica e ideacional, os países semiperiféricos têm cumprido papel fundamental. Uma das dificuldades enfrentadas para a consolidação da CSS a partir da década de 1970 foi justamente a dificuldade de coordenação da ação coletiva pela ausência de países que possuíssem poder e interesse em liderar a causa terceiro-mundista (AMIN, 2015; PEREIRA & MEDEIROS, 2015). Entretanto, essa situação se modificou e, na década de 1980, as discussões sobre Cooperação Sul-Sul nos fóruns internacionais passaram a destacar a necessidade de que determinados países-pivôs tomassem a dianteira do movimento, reconhecendo-se a disparidade de capacidades dentro da periferia, em consonância com a ampliação das discussões teórico-acadêmicas nas relações internacionais sobre o fenômeno das “posições intermediárias” no sistema mundial (AYLLÓN, 2014; ESTEVES et al., 2011). Na década de 2000, as PSMs (sobretudo os membros dos BRICS) passam a atuar como alavanca promotora e fortalecedora da Cooperação Sul-Sul, promovendo o resgate da identidade do Sul, desta vez sob a ideia de que a multipolaridade seria um meio para o desenvolvimento da periferia (em substituição à ideia de não-alinhamento das décadas iniciais do terceiro-mundismo). Assim sendo, a visão de estratégia coletiva da periferia passa a incluir um componente mais realista da situação dos países do Sul, reconhecendo-se as diferenças em termos de recursos e poder e aproveitando-se da barganha múltipla (multialinhamento) (KHANNA, 2008; KHANNA & MOHAN, 2006). Diferentemente do que se destaca no senso comum, existe um projeto de governança dos países intermediários, mesmo que com diferenças nas pretensões de poder e interesses entre estes (8).
Isso não significa que o momento atual da Cooperação Sul-Sul não incorra em contradições e dilemas: é justamente essa nova concepção da realidade do Sul que gera reações e críticas, tanto por parte dos países centrais, quanto por parte de países da periferia que competem com os BRICS no âmbito regional (como é o caso de alguns dos países do Next-Eleven (9), como o México e Argentina, na América Latina; o Egito e a Nigéria, na África; e a Indonésia, na Ásia). O caráter difuso da semiperiferia (dentro da ótica econômica) e dos “países intermediários” (na ótica política) ampliam a sua dimensão contraditória, suscitando críticas e desconfianças (LOURENÇO, 2005). Assim como para Wallerstein (1979), para Arrighi (1997), por exemplo, a semiperiferia teria o papel de “legitimação sistêmica”, ao demonstrar que é possível a existência de mobilidade dentro da divisão internacional do trabalho para países que fossem “capazes” ou “bem-comportados”. Já que essa imagem dos países semiperiféricos leva a desconfianças, estes têm buscado promover confiança mútua com países menos desenvolvidos, de modo a garantir legitimidade para seus projetos regionais e globais. Essa confiança tem sido promovida através de diversos mecanismos, como, por exemplo, através da integração regional e do transbordamento da produção nacional para o nível regional, da criação de mecanismos de segurança coletiva regional, da defesa de interesses de países periféricos em organizações internacionais, entre outros (10).
Mas essa dimensão política e ideacional da constituição de um “concerto semiperiférico” deriva e está associada a um processo conjunto de mudança nos padrões da economia internacional que se verifica desde os anos 1970. O fortalecimento da semiperiferia está profundamente ligado à absorção de funções econômicas que o dotam de capacidade estatal para promover o desenvolvimento e desenvolver poder militar. Nesse sentido, as PSMs tradicionalmente competem entre si para absorver os benefícios de uma nova divisão internacional do trabalho e da produção, podendo, no longo prazo, de acordo com Braudel (1985), ou se deslocarem para o centro ou retornarem à condição da periferia. Esse dilema da semiperiferia está profundamente enraizado em um componente sistêmico da economia internacional: a capacidade de produzir polarização e ao mesmo tempo difusão (11) (GILPIN, 1987). De acordo com essa abordagem, a situação global a partir da década de 1980, mas sobretudo nos anos 2000-2010, se assemelharia ao período em que houve transição sistêmica da Pax Britannica para a Pax Americana, em que empréstimos internacionais e investimentos externos acentuariam a industrialização em direção às zonas periféricas, estagnando as economias centrais e proporcionando maior difusão do que polarização. Nesses períodos, a pressão competitiva tende a produzir protecionismo nos países centrais de modo a deter e desacelerar a ascensão dos novos polos de riqueza (12).
Portanto, somado à ideia de balanceamento soft, que se refere ao uso de mecanismos políticos e ideacionais para contrapor a hegemonia atual, a difusão econômica serviria como o combustível que daria suporte a essa pretensão das PSMs. Diante dessa realidade, dado que as PSMs só exercem sua função de legitimação sistêmica quando disputam entre si por uma posição privilegiada no grupo das grandes potências (a partir do “efeito-demonstração” sobre os demais países), a criação do BRICS e a hipótese de uma semiperiferia unida no século XXI representaria um desafio à ordem internacional estabelecida, já que a estratégia histórica das hegemonias de cooptar potências emergentes e estimular a sua rivalidade mútua, impedindo uma oposição unificada, parece estar sendo dificultada.
Nova reação conservadora: aspectos e hipóteses (2008-2017)
Em momentos de declínio hegemônico, crise e transição, as evidências históricas sugerem que a hegemonia tenta utilizar de diversos instrumentos para conter a difusão de poder para novos polos emergentes: a) a via diplomática: reconhecendo a ascensão de uma nova potência e garantindo, através do buckpassing, o estabelecimento de um projeto comum e de laços estratégicos (caso da Grã-Bretanha em prol dos EUA e dos EUA em relação à China) e impedindo uma oposição unificada por parte dos polos rivais ao poder hegemônico; b) a via econômica: se baseia na utilização de mecanismos que garantam um controle da difusão econômica em relação a novos polos, negando o acesso destes a mercados periféricos e buscando recuperar a capacidade do estado hegemônico de absorver recursos para manter seu orçamento militar e seu status privilegiado na ordem econômica internacional (através de guerra econômica e medidas unilaterais, tais quais foram utilizadas pelos EUA nos anos 1970) e; c) a via estratégica: se baseia, de modo geral, em atuar de modo a impedir que os polos emergentes se unam contra a hegemonia, através da negação ao surgimento de novos projetos de poder e governança, impedindo o domínio de pontos geográficos estratégicos e impedindo uma aliança militar contra-hegemônica.
A transição para o mundo multipolar e a nova reação conservadora (2008-2015)
O ano de 2008 é chave para entender a transição da unipolaridade para a multipolaridade (mesmo que assimétrica) e para o início da nova reação conservadora. Neste ano, além da crise financeira que atingiu sobretudo os países centrais, a Guerra da Geórgia colocou a disputa entre Rússia e Estados Unidos novamente em discussão, sendo para diversos analistas uma demonstração dos limites da unipolaridade norte-americana, dada a firme reação russa e a instalação de zonas de proteção em torno da Abecásia e da Ossétia do Sul ao final do conflito. Nos anos 2000, a insistência dos EUA na independência de Kosovo, a busca de acordos com nações vizinhas (Polônia, República Tcheca e Ucrânia) para instalar mísseis balísticos de defesa e o encorajamento de democracias-clientes no Cáucaso e no Leste Europeu, demonstravam que os norte-americanos buscavam desafiar a Rússia no seu próprio “quintal” (QUALL, 2011, p.1). Apesar dessa tendência de expansão, essa situação também implica na ideia desenvolvida por neorrealistas como Waltz (2000), que consideram a unipolaridade como a configuração de poder mundial menos durável, dado que: I) o hegêmona deterá inúmeras tarefas que, ao longo dos anos, servirão para enfraquecê-lo e; II) o poder unipolar, mesmo que se comporte de forma moderada, passará a ser questionado pelos demais Estados, os quais tenderão a contrabalanceá-lo, gerando alterações na balança de poder (13). Sendo assim, como aponta George Friedman, “[a] invasão da Geórgia pela Rússia não alterou a balança de poder na Eurásia. Simplesmente anunciou que a balança de poder já havia sido alterada” (FRIEDMAN, 2008, s/p).
Essa situação simbólica em termos de segurança e poder é acompanhada, em 2008, pela mudança nos mecanismos de gerenciamento da crise econômica nos países centrais. O G-20 financeiro, por exemplo – criado em 1999 por iniciativa do G-7 com o objetivo de promover troca de experiências entre países avançados e emergentes (de forma que estes pudessem aprender com as “melhores práticas” das economias avançadas) -, com a crise financeira internacional de 2008 e o aumento do peso dos emergentes na economia mundial, ascendeu de mero foro de ministros das finanças e presidentes dos Bancos Centrais para o centro do processo decisório internacional em termos econômicos, eclipsando a importância do G-8 (SOARES DE LIMA, 2010; FLEMES, 2010; GALVÃO, 2012; KIRTON et al, 2008). Em março de 2009, alguns meses após a Cúpula de Washington, deliberou-se a transformação do FSF em Conselho de Estabilidade Financeira (FSB), com a inclusão de todos os membros do G-20, além da Espanha (14). De importância mais relevante, também logrou-se a revisão geral das cotas de participação no FMI, com uma transferência de pelo menos 5% para países dinâmicos de mercado emergente, que passaram a representar 40% das cotas totais (BRASIL, 2009b). Diante disto, os BRICS passaram a possuir poder de veto no âmbito do NAB (New Arrangements to Borrow).
Nesse sentido, o ano de 2008 marca, no âmbito econômico e político-securitário, uma virada na forma de governança com contestações à unipolaridade e a aceleração do processo de desconcentração do poder do centro econômico mundial para novas regiões que passariam a deter mais voz nas discussões econômicas globais (15). A perda de espaço de países da OCDE (sobretudo Europa) na África, por exemplo, tem gerado reações de variadas formas que, a partir de 2008, parecem ter se aprofundado. De acordo com Visentini (2013), a presença das potências emergentes passou despercebida dos europeus e norte-americanos até a crise financeira de 2008, quando as potências centrais passaram a retomar influência em novos espaços e a contrapor os novos atores, especialmente a China. Seguiu-se a isso uma ofensiva diplomático-militar e uma securitização do continente com a reativação da IV Frota no Atlântico Sul, a criação do AFRICOM (Comando África), a militarização do Saara sob o pretexto da ameaça terrorista e as intervenções franco-britânicas no Norte da África no contexto da Primavera Árabe. Paralelamente a isso, ampliou-se a guerra de propaganda através de uma intensa produção jornalística e acadêmica destinada a acusar os BRICS como “novos imperialistas”, que teriam apenas interesse em explorar os africanos e levar a cabo uma “nova partilha” da África (VISENTINI, 2013).
Esse novo cenário alimenta a hipótese de que há uma tentativa de controle do processo de difusão dos pontos nodais do sistema pelas potências centrais, preocupadas com a perda de controle e hegemonia sobre a estrutura do sistema. Se na crise dos anos 1970, a dívida externa na periferia se transformou em instrumento para o FMI e Banco Mundial minar o Estado desenvolvimentista e amarrar a América Latina e África aos países centrais, a crise de 2008 implicou em uma nova forma de reação por parte dos EUA e Europa: ampliou-se a disputa econômica com as novas potências emergentes em espaços anteriormente “esquecidos”, como África e América Latina, implicando em uma securitização destas regiões e, paralelamente, passou-se a atuar no Oriente Médio como pivô para controlar a Ásia e evitar o projeto eurasiano, a Nova Rota da Seda e o Cinturão de Prosperidade Chinês. A expansão da OTAN para Leste e o controle do Mar do Sul se tornaram meios de fechar o cerco contra Rússia e China e isolá-las de qualquer tentativa de expandir seus projetos econômicos e securitários.
Essa nova reação conservadora dos EUA conta com diferentes mecanismos e práticas, dentro de uma perspectiva de dominação de espectro total, através da guerra psicológica, cibernética, de propaganda, diplomacia predatória, financiamento de agitadores, infiltrados e ONG’s no intuito de provocar a desestabilização de regimes não-amigáveis aos seus interesses com o mínimo custo e derramamento de sangue. Mesmo com todas as dificuldades em documentar essas ações, Samuel Pinheiro Guimarães (2014), em prefácio do livro A Segunda Guerra Fria, destaca as evidências apresentadas por Moniz Bandeira (2014) de que:
as revoltas da Primavera Árabe não foram nem espontâneas e ainda muito menos democráticas, mas que nelas tiveram papel fundamental os EUA, na promoção da agitação e da subversão, por meio do envio de armas e de pessoal, direta ou indiretamente, através do Qatar e da Arábia Saudita.
Sua estratégia de ação começa com a atuação de forças especiais para intervenção encoberta, com o treinamento de agentes provocadores infiltrados que organizam manifestações pacíficas, com base nas instruções do Professor Gene Sharp Da Ditadura à Democracia, que foi traduzido para 24 idiomas e distribuído pela CIA e pelas fundações e ONGs, que levam à reação dos governos, que são acusados de excessos na repressão dessas manifestações e de violação dos direitos humanos de sua população, o que passa a justificar rebelião armada, financiada e equipada do exterior e, eventualmente, a intervenção humanitária (GUIMARÃES, 2014, p. 25).
As intervenções no Oriente Médio, desde a doutrina Brzezinski na década de 1980, vinculariam a justificativa do terrorismo ao interesse estratégico de controlar o “cinturão verde” da influência russa, evitando que esta tivesse acesso às águas quentes do Golfo Pérsico e dos campos de petróleo do Oriente Médio, contendo o poder terrestre da Heartland ao domínio naval e evitando que a União Soviética (posteriormente Rússia) tivesse acesso ao Estreito de Ormuz, por onde escoa a maior parte do petróleo mundial (MONIZ BANDEIRA, 2014). Atualmente, a região adquire fundamental importância para a China, como país demandante de petróleo, para manter o nível de crescimento econômico acelerado. Mesmo que a Guerra ao Terrorismo não sirva como elemento aglutinador por parte das grandes potências, tal qual havia sido a contenção ao comunismo na Guerra Fria, a tentativa individual dos Estados Unidos de controlar a “área pivô” está associada a uma percepção de alteração na balança de poder em direção à Eurásia e o medo do isolamento internacional em relação ao renascimento asiático. A estratégia de regime change, aliada ao uso da guerra não-convencional (16) foram fundamentais para a derrubada do regime de Gadaffi na Líbia (país que vinha desenvolvendo tecnologia nuclear e uma forte parceria com o Irã) e nas estratégias de atuação contra Bashar Al-Assad, na Síria.
Mesmo que essas técnicas e objetivos tenham sido usadas há tempos pelos EUA, elas se ampliam a partir de 2008, em meio à crise econômico-financeira e o surgimento efetivo dos BRICS como organização internacional. O pretexto da diluição das fronteiras nacionais, o aumento das ameaças paraestatais e o pretexto da “responsabilidade de proteger” a população civil foram utilizados na Líbia, desestabilizando completamente o país, com auxílio da OTAN, da França e da Grã-Bretanha, mas com a abstenção de Rússia e China no CSNU. Em 2009, a OTAN buscou extrapolar o seu escopo e jurisdição a partir do New Strategic Concept para 2020, permitindo que a organização atue em qualquer parte além do Atlântico Norte (OTAN, 2010), algo rejeitado de forma contundente pelo Brasil (17).
Em 2012, com a escalada do conflito na Síria, o Ocidente tentou obter uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para intervir militarmente no país (tal como na Líbia). Dessa vez, porém, Rússia e China vetaram tal resolução, com a abstenção do Brasil, Índia, África do Sul e Líbano. Mesmo assim, a intervenção foi feita. Mais do que conter o Estado Islâmico, o interesse dos países ocidentais na Síria envolve a supressão das bases navais russas no Porto de Tartus e a tentativa de cortar as vias de suprimento militar para o Hezbollah, conter o avanço da China sobre as fontes de petróleo, isolar e estrangular o Irã, mudando o equilíbrio de forças no Oriente Médio e assegurar o pleno domínio sobre o Mediterrâneo (MONIZ BANDEIRA, 2014). O gradual fortalecimento do Estado Islâmico contribuiu para ampliar a disputa e a instabilidade na região, justificando a intervenção dos EUA, Grã-Bretanha e França, bem como da Rússia, esta com a intenção de garantir a sobrevivência do regime de Bashar Al-Assad. Em 2014, na Ucrânia, a disputa passou a envolver interesses dos mais diversos, como o fornecimento de energia para a Europa e a estratégica região da Crimeia. Tanto na Líbia e na Síria, quanto na Ucrânia, os BRICS defenderam posições e soluções semelhantes para os conflitos, indicando uma afinidade do bloco também em relação a questões securitárias internacionais (ABDENUR, 2016; KECK, 2014).
Todos estes fenômenos entrelaçados indicam que há claramente uma disputa de interesses geopolíticos e estratégicos através de uma reação conservadora euro-americana após a crise econômica mundial de 2008 e uma tentativa de limitar a influência das PSMs em diversas regiões do globo (18) (19).
O gradual abandono da ordem liberal e o (re)desenho da reação conservadora (2015-?)
Até o fim do Governo Obama, no âmbito econômico, a saída para retomar o crescimento econômico e o protagonismo dos países centrais se deu a partir da lenta negociação de mega-acordos comerciais como o Tratado Transpacífico (TTP) e o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), ambos firmados sob negociações sigilosas. O Tratado Transpacífico pretendia incluir Canadá, Japão, Austrália e países da Aliança do Pacífico da América do Sul, deixando de fora tanto a China quanto o Brasil e o MERCOSUL. Já a Parceria Transatlântica (20) está sendo negociada sob os mesmos moldes, também em sigilo, mas documentos vazados revelaram a intenção de levar a cabo medidas polêmicas, como impedir que os governos europeus limitem e regulamentem os serviços bancários e propostas para que empresas interponham recursos contra o governo no caso de violações de seus interesses (MAES, 2014). Essas iniciativas pareciam ser fruto de uma tentativa de se impor frente à crise econômica de 2008, que ainda afeta os EUA e a Europa, além de fortalecer os laços transatlânticos em um momento em que se desenvolve a Nova Rota da Seda e o projeto de integração eurasiana, baseados no poder terrestre. O TTP e o TTIP, juntos, uniriam União Europeia aos EUA e este ao Sudeste Asiático e Japão, deixando de fora tanto Rússia e China, quanto Brasil e África do Sul (que em 2016 já firmaram um acordo de comércio preferencial entre o MERCOSUL e SACU – South Africa Custom Union).
Até 2016, a via econômica e a manutenção da ordem liberal do pós-Guerra Fria ainda eram considerados mecanismos importantes para os países centrais restabelecerem o crescimento econômico do mundo capitalista ocidental e supostamente preservarem a democracia e os direitos humanos. Enquanto na década de 1990 a maioria dos países centrais interpretava a globalização como uma oportunidade a ser aproveitada pelos Estados nacionais a partir da abertura econômica, da integração para resolver problemas transnacionais e do correto manejo da penetração dos diversos fluxos internacionais (capital, mão-de-obra, comunicações, etc.), a partir da segunda metade dos anos 2010 se proliferou nos países centrais a estratégia inversa a esta: o Estado deve proteger os seus cidadãos das ameaças advindas da inserção internacional e resgatar o bem-estar e a harmonia interna, buscando soluções próprias para as demandas de seus nacionais. Isso se manifestou a partir do desejo dos europeus de maior controle sobre os fluxos migratórios, tanto por razões econômicas (“os migrantes estão roubando nossos empregos”) quanto por questões securitárias (a possibilidade de entrada de terroristas em seus territórios). Trata-se de uma evidência do desvio do princípio do livre-comércio internacional, cujos críticos sempre destacavam a dissonância entre a liberdade e a facilidade do deslocamento dos fluxos de capital e, por outro lado, a dificuldade da mão-de-obra em se mover para países com melhores oportunidades trabalhistas. Ora, se se defende a livre circulação dos fatores de produção no nível global, por que a mão-de-obra não pode se deslocar livremente também, de forma a maximizar seus ganhos econômicos, em “contrato livre” com empregadores? A globalização, antes vista como uma oportunidade, passa a ser abandonada quando os próprios fluxos e regimes internacionais ameaçam prejudicar os interesses das grandes potências. A mudança econômica internacional em direção à Ásia e o aumento de ameaças transnacionais passaram a fortalecer o sentimento nacionalista anti-globalização nos Estados que antes o apoiavam (EUA e países europeus).
Da mesma forma como Reagan e Thatcher impulsionaram uma ideologia neoconservadora nos anos 1980, baseada na promoção do Estado Mínimo internamente, no aumento do orçamento militar e no resgate da Guerra Fria a partir da defesa da difusão da democracia para o Leste Europeu, os EUA de Donald Trump e a Grã-Bretanha de Theresa May acionam um novo modelo para Estados capitalistas centrais: combate ao terrorismo e controle dos fluxos migratórios, desmonte de direitos trabalhistas e do bem-estar social de modo a recuperar o emprego em seus países e, no âmbito externo, militarização e abandono de regimes internacionais e de toda forma de integração econômica com outros países. Em termos ideológicos, propriamente, o forte apelo do viés conservador sobre a população pobre resgata um processo comum dos anos 1930, descrito por Gramsci como o desvio do foco de atenção dos problemas econômicos dos trabalhadores da luta de classes em favor da ideia de união nacional contra ameaças estrangeiras. Essa noção de harmonia de interesses entre classes no interior dos Estados resgata o sentimento nacionalista e o otimismo e coloca o estrangeiro como inimigo, e não “o sistema econômico” e as políticas neoliberais. Tal visão legitima o aumento do orçamento militar, a ideia do governo como protetor da segurança dos cidadãos nacionais em relação às ameaças estrangeiras e evita a proliferação de reações sociais motivadas por questões de classe, o que reforça o aspecto conservador desse movimento. Somado a isso, o conservadorismo também se vincula ao caráter violento da ação externa dos países centrais para controlar a difusão de poder em direção às PSMs.
O abandono gradual da ordem liberal internacional também se dá a partir da descrença na ONU e no seu Conselho de Segurança, da defesa do princípio da soberania em detrimento da responsabilidade de proteger e da garantia dos direitos humanos, da primazia do bilateralismo sobre o multilateralismo e da confusão e relativização do conceito de democracia como um modelo único. Historicamente, sabe-se que nos momentos em que isto acontece, abre-se espaço para a reconfiguração do poder global, para o surgimento de novos arranjos de governança, projetos de desenvolvimento e a difusão de novas ideologias que ameaçam a ordem estabelecida anteriormente.
Conclusões: conjecturas sobre a nova reação conservadora no longo prazo
A análise dos exemplos históricos em que a hegemonia se depara com um grupo de potenciais polos emergentes rivais revela que a estratégia pode variar em estilo e forma, mas tradicionalmente inclui entre seus componentes evitar a existência de uma coalizão contra-hegemônica, através da oferta de bens seletivos a alguma(s) da(s) potências emergentes, quebrando com o balanceamento extra-coalizão realizado pelos potenciais competidores. Fazendo isso, se transforma a semiperiferia em elemento legitimador do sistema, através do “efeito-demonstração”, ou seja, tornando explícito aos demais atores de que é possível alcançar um status privilegiado dentro do sistema através de um comportamento adequado. Paralelamente a isso, no nível econômico, tomam-se medidas unilaterais que garantam uma retomada dos movimentos de capitais e recursos em direção aos países centrais, sustentando a absorção de recursos para fins militares e assim evitando uma difusão econômica excessiva que possa resultar em um desequilíbrio de poder em favor dos emergentes. Nesse sentido, a reação conservadora significa uso extensivo do poder e de meios autoritários e unilaterais para resgatar a condição hegemônica e a contenção da difusão significa o uso de instrumentos econômicos unilaterais (guerra econômica) para evitar que a difusão econômica empodere países semiperiféricos e para garantir a concentração de poder em um grupo seleto de Estados que tenham o monopólio das grandes decisões estratégicas e econômicas globais.
Mais do que uma especulação, tais possíveis cursos de ação são colocados por Schaefer & Poffenbarger (2014) a partir da análise de documentos oficiais e discursos do Departamento de Estado norte-americano. Sugere-se que os EUA veem o BRICS no curto prazo como inofensivo, mas no longo prazo como um desafio e até uma ameaça. Neste estudo, os autores ainda sugerem as seguintes recomendações aos EUA para evitar que os BRICS se tornem uma ameaça: 1) adotar postura multilateral para evitar que os BRICS convirjam suas políticas e objetivos; quanto mais unilateralmente os EUA agir, mais se abrirá caminho para os BRICS afinarem interesses e atuarem em bloco; 2) nunca negociar em bloco com os BRICS e desenvolver relações bilaterais com cada um dos membros individualmente, pois, desse modo, se realça a desigualdade de poder em favor dos EUA e se permite o desenvolvimento de relações diplomáticas “simplificadas”; 3) minimizar a influência dos BRICS sobre os países menos desenvolvidos, negando o acesso a zonas periféricas, tradicionalmente dominadas pelos países hegemônicos centrais; 4) evitar a institucionalização e fortalecimento da coesão entre os membros e, por fim, mas não menos importante; 5) evitar um fortalecimento de relações bilaterais estratégicas entre China e Rússia e China e Índia.
Os autores ainda ressaltam que “durante a Guerra Fria, a habilidade dos EUA de afastar a República Popular da China da União Soviética gerou grandes dividendos, e a prevenção de laços profundos entre Pequim e Moscou deveriam continuar como algo de interesse chave para os Estados Unidos” (SCHAEFER & POFFENBARGER, p.118, 2014). Sendo assim, ainda se considera uma estratégia importante de reação ao desafio contra-hegemônico a lógica do “dividir para dominar”, ou simplesmente, evitar oposição unificada a partir da cooptação de determinadas potências médias semiperiféricas que, ao se alinharem com o centro, absorvem benefícios seletivos, mas abandonam a liderança da ação contra-hegemônica, alterando a balança de poder em favor novamente do poder estabelecido. Em suma, afastar a China da Rússia e a China da Índia, ou mesmo cada um dos BRICS entre si, é o ponto-chave para evitar o declínio do Norte/Ocidente.
O desafio das PSMs é, portanto, encontrar mecanismos que promovam a institucionalização dos BRICS e evitem defecções que possam surgir a partir da lógica tradicional de disputa (e não cooperação) entre as PSMs, derivadas de mudanças governamentais ou do interesse em absorver benefícios seletivos ofertados pelas potências centrais.
Por outro lado, se ignorarmos a Hipótese do Concerto Semiperiférico, é possível inferir destes fenômenos outra conclusão: a de que os processos econômicos de difusão estão resultando em um reordenamento das alianças globais com a probabilidade de uma maior competição intra-BRICS e a utilização destas divergências por parte dos EUA como forma de garantir um prolongamento de sua condição hegemônica. Nessa linha de raciocínio, a cooperação entre as PSMs seria apenas um indício de que, na verdade, estes países encontram-se em rota de colisão e por isso querem fortalecer sua sincronia. Assim, poderão novamente servir como peça de xadrez no jogo geopolítico da superpotência.
Uma evidência de que já se estão aprofundando as divergências entre os BRICS é a nuclearização da Coreia do Norte, que coloca a China em oposição à Rússia e permite uma aproximação desta com os EUA e, por outro lado, a volta das tensões na fronteira sino-indiana no ano de 2017, reacendendo a histórica rivalidade entre China e Índia. Essas questões adiariam a institucionalização dos BRICS e da OCX e de uma possível aliança militar, enquanto os EUA desenvolvem ferramentas que lhe permitam retomar o domínio econômico e militar em zonas periféricas e recuperar a hegemonia perdida nos anos 2000 e 2010. Além disso, a fragilização das relações intra-BRICS forneceria os ingredientes necessários para uma retomada do protagonismo dos EUA nos temas de governança global (econômica e politicamente), demonstrando a dificuldade que as PSMs têm de chegar em um consenso sobre novas formas de gerenciar crises políticas, securitárias e econômicas. Possivelmente, o desequilíbrio na balança de poder na Ásia também poderia se tornar justificativa para uma intervenção dos EUA na região, favorecendo um dos lados no conflito (como a Índia, por exemplo) e repassando poder e responsabilidades de forma a evitar a formação de uma aliança que reordene o equilíbrio de poder militar e econômico global e prejudique a manutenção da hegemonia norte-americana.
* Professor de Relações Internacionais (PUC-Minas), Doutorando em Relações Internacionais PPG San Tiago Dantas (UNESP-Unicamp-PUCSP) e Mestre em Ciência Política (UFRGS). Email de contato: kleimedeiros@gmail.com
Notas
[1] Buckpassing, nas relações internacionais, refere-se a uma estratégia de repassar responsabilidades a atores com capacidade e interesse em arcar parcialmente com os custos da manutenção da hegemonia, auferindo, com isso, ganhos em troca do papel privilegiado no sistema.
[2] Para fins didáticos, aqui se utilizará o conceito de “potências médias semiperiféricas” ou eventualmente “potências emergentes” para se referir a Estados que possuam poder relativo considerável (em termos militares, estratégicos e de recursos) e, ao mesmo tempo, exercem papel intermediário em termos econômicos no sistema mundial capitalista (com expressão participação no PIB global, mas com características socioeconômicas de países periféricos). Tal abstração analítica será útil para superar abordagens que utilizam apenas elementos econômicos (como as teorias dos sistemas mundiais) ou apenas elementos militares (como boa parte do realismo) para se referir aos processos de transformação das relações internacionais.
[3] Na década de 2000, o Brasil retomou a tradição globalista da política externa, participando mais ativamente das decisões globais e ao mesmo tempo recuperando o programa nuclear a partir de 2008, centrado na proteção da Amazônia Azul e do Atlântico Sul. Paralelamente, o Brasil promoveu a Cooperação Sul-Sul na área social em consonância com o processo interno de diminuição da desigualdade, da fome e da pobreza levado a cabo durante o Governo Lula, algo que possui forte influência em países da periferia, contribuindo para a ampliação da sua liderança no Eixo Sul-Sul (MADEIRA, HELLMANN & MEDEIROS, 2011). Essas transformações eram associadas a uma mudança na atitude de grande parte dos países sul-americanos em relação à ingerência política e econômica de Washington na região e à tentativa de fomentar a integração política centrada no autogerenciamento dos conflitos e problemas regionais e na manutenção da democracia, sob a liderança brasileira na UNASUL (SERBIN, 2009).
[4] Os países africanos, por sua vez, cada vez mais adquiriram condições de barganhar, atuar de forma independente e se inserir internacionalmente como um continente que possui um grande peso político nas organizações internacionais (devido à grande quantidade de Estados, somando mais de 50 no total), abundância de recursos minerais, energéticos e matérias-primas (VISENTINI, 2013). A África também readquire importância como rota entre o Oceano Atlântico e Índico e como fonte de suprimentos (sobretudo petróleo) alternativa em relação ao Oriente Médio, por ser mais estável e pacífica.
[5] Segundo Diego Pautasso (2011) demonstra, a interação comercial no âmbito sul-sul aumentou de forma significativa entre 1990 e 2010, alavancada pelo aumento da interdependência comercial entre países semiperiféricos e periféricos: “em apenas duas décadas (1990-2010), a fatia do comércio da China com os países periféricos saltou de 15% para 32%; o da Índia, de 25% para 57%; o do Brasil, de 28% para 51%; e o da África do Sul, de 12% para 45%. Isso não evidencia apenas o aumento do comércio dos países emergentes, mas a construção de novas direções para os fluxos comerciais no âmbito Sul-Sul. Parte dessas mudanças devem-se, de um lado, ao fato de os países centrais terem ampliado o protecionismo e o comércio intrabloco (União Europeia), bem como apresentando desempenho econômico-comercial pouco dinâmico ou pontilhado de crises; de outro, em razão de os países periféricos revelarem dinamismo comercial superior, favorecidos pela valorização das commodities, assim como pelo aprofundamento dos processos de integração regionais que se desenvolveram na África, na América Latina e na Ásia” (PAUTASSO, 2011, p. 56).
[6] Países de Renda Média.
[7] Além disso, não há consenso dentro dos EUA sobre a doutrina de política externa e de segurança do país, que oscila entre dois tipos ideais: 1) de um lado, a Doutrina Nixon, que remonta à Doutrina Monroe e possui como princípios a negação do Império Americano, a liderança pelo exemplo, a cooperação com os Novos Países Industrializados (NICs) e a construção do século do Pacífico em parceria estreita com a China (MANTOVANI, 2006; MARTINS, 2012) e; 2) de outro lado, as doutrinas neoconservadoras de Ronald Reagan e, posteriormente, de George Bush, nos anos 2000, caracterizadas pela recuperação do Destino Manifesto e pela ideia de dominação civilizatória baseada na crença de que o povo dos EUA é excepcional e está destinado a guiar o mundo, sendo reinterpretada atualmente a partir das ideias de Boyd sobre guerra moral baseada na promoção do caos constante e ininterrupto (OSINGA, 2005; MARTINS, 2012).
[8] Essa percepção é reforçada a partir de 2008, com o desenvolvimento de projetos estratégicos conjuntos por parte dos BRICS, como, por exemplo: a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS (contrapondo-se à hegemonia do Sistema Bretton Woods), a parceria para a criação do BRICS Cable (uma rede submarina de 34.000 km de fibra óptica ligando Vladivostok, na Rússia, à Fortaleza, no Brasil) (LOPES, 2013) e, ultimamente, as pretensões em passar a utilizar moedas próprias dos BRICS em transações internacionais, o que teria impactos sobre a hegemonia do dólar. Além disso, os BRICS também teriam fundamental importância na defesa de um novo paradigma de desenvolvimento para o longo prazo, baseada na Declaração do Rio e na Agenda para o século XXI (MEDEIROS, 2016) e já surgiram propostas de estabelecer livre-comércio entre os seus membros (BECARD, BARROS-PLATIAU & OLIVEIRA, 2015).
[9] Next-Eleven é denominação dada por um relatório da Goldman Sachs para o grupo de países que possuem potencial econômico para figurar entre as maiores economias do mundo junto com os BRICS. O critério de avaliação para a escolha dos países, porém, é controverso e inclui como um dos indicadores “políticas de abertura ao comércio e investimento externos” e “maturidade política” (GOLDMAN SACHS, 2007).
[10] Diferentemente do período da Guerra Fria, em que o Movimento dos Não-Alinhados e o G-77 não conseguia articular um projeto comum – pela enorme quantidade de países-membros, pela heterogeneidade entre eles e pela falta de capacidade material e de poder por parte das potências médias – no pós-Guerra Fria o surgimento do coalizões com poucos membros, mas ligando diretamente a semiperiferia, permite a superação dos dilemas da ação coletiva tradicionais enfrentados pelas coalizões entre a periferia, além de uma articulação que promove a institucionalização interna e uma postura exógeno-ofensiva em prol da reordenação das estruturas globais.
[11] Para Gilpin (1987, p. 94) o desenvolvimento desigual possui como características tanto o efeito de polarização do capital, da indústria e das atividades econômicas no centro quanto o efeito de difusão da riqueza e das atividades do centro para a periferia, criando o que ele chama de novos “pontos nodais” no sistema.
[12] Com a tendência de redução das taxas de lucro e das taxas de crescimento do produto nacional nos países do centro, no processo de difusão, alguns países da periferia experimentariam as chamadas “vantagens do atraso” (GERSCHENKRON, 1962), ou seja, iniciariam sua industrialização utilizando as técnicas e as lições mais eficientes provenientes das economias centrais. Essa noção implica, porém, que nem todos os países periféricos podem desfrutar das vantagens da industrialização, em função da competição das estruturas estatais periféricas pelo capital circulante, dando origem à semiperiferia. A semiperiferia se caracterizaria, logo, pela capacidade política em prover as condições para o desenvolvimento industrial e tecnológico e ao mesmo tempo proteger a indústria infante da concorrência com os demais países (GERSCHENKRON, 1962; GILPIN, 1987). Por fim, quando essa difusão começa a proporcionar uma maior distribuição de poder e riqueza em direção à periferia e à semiperiferia, os países centrais reagem, através do protecionismo (na abordagem clássica) ou, segundo a abordagem de Chang (2003), através do protecionismo no centro e da negação do protecionismo aos países em desenvolvimento, pressionando pela liberalização de setores aos quais possuem maior vantagem comparativa (por exemplo: liberalização de serviços, controle da propriedade intelectual, etc.).
[13] Ideia semelhante também é defendida por Samuel Hungtington (1999), que deduz que a superpotência norte-americana seria desafiada em pouco tempo por uma “cooperação contra-hegemônica” que se formaria como reação ao mundo unipolar e em virtude dos EUA passarem a atuar de maneira unilateral e desrespeitando regimes e instituições internacionais.
[14] No mesmo contexto, também foram ampliados de forma a incluir a participação de economias emergentes o Comitê de Supervisão Bancária de Basiléia (BCBS), além da Organização Internacional de Comissões de Valores Mobiliários (IOSCO) e do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (IASB), que abrangem, respectivamente, reguladores na área de mercado de capitais e especialistas em padrões de contabilidade. Essas conquistas significam a oportunidade de países emergentes participarem de forma ativa na elaboração de regras, padrões e políticas de cuja concepção estavam excluídos. Na esteira da Cúpula de Londres, em 2009, onde se acordou um pacote de estímulo de 1,1 trilhão de dólares para a superação da crise, o presidente Lula anunciou que o Brasil emprestaria recursos ao Fundo Monetário Internacional como parte da ação coletiva de aumento dos meios disponíveis à instituição (BRASIL, 2009a). No mesmo ano, na Cúpula de Pittsburg, os quatro BRICs registrariam a promessa de contribuir com mais de US$ 500 bilhões no Novo Arranjo para Empréstimos (New Arrengements to Borrow – NAB) do FMI, representando mais de 15% do total disponível naquele arranjo, o que lhes asseguraria uma maior influência na administração do mecanismo.
[15] A própria Cooperação Sul-Sul passa a adquirir maior protagonismo e a confiança dos países do Sul contrasta com o pessimismo euro-americano diante da crise. Segundo Ayllón (2014), citando Boutros-Ghali, em meados dos anos 2000 aumenta o interesse dos países do Norte pela Cooperação Sul-Sul por quatro fatores: 1) pelo sentimento de “ameaça do Sul” nos países desenvolvidos, ou seja, pela ampliação da capacidade de alguns países em desenvolvimento “nos mercados nacionais, regionais e globais quanto a oportunidades de investimento”; 2) pelo reconhecimento da Cooperação Sul-Sul como uma modalidade importante de cooperação internacional por parte dos países da OCDE; 3) pelo desconhecimento e desinteresse sobre a Cooperação Sul-Sul nos centros de pesquisa de países desenvolvidos até meados da década de 2000 e, por fim, e mais importante; 4) pela crescente preocupação entre os doadores acerca dos “efeitos perturbadores e da pressão competitiva que a penetração dos ‘doadores emergentes’ em regiões como a África poderia gerar na aplicação de princípios e indicadores acordados na agenda de eficácia” (AYLLÓN, 2014, p.75). Percebe-se, portanto, que esses fatores estão diretamente relacionados não apenas ao fenômeno da Cooperação Sul-Sul, entendido de uma forma ampla, mas também ao fato de determinados países (os emergentes) estarem se destacando nesse processo, em termos econômicos e ideacionais.
[16] Na Primavera Árabe, a guerra não-convencional seria estimulada pela presença de ONGs como a National Endowment for Democracy (criada a partir da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA na década de 1980) fazendo “o que a CIA vinha fazendo há décadas de forma incoberta e assim, esperançosamente, eliminar o estigma associado com as suas atividades encobertas”, através do apoio a jornalistas e independent media, atividades de apoio a organizações da sociedade civil (MONIZ BANDEIRA, 2014, p. 238).
[17] Por iniciativa de Portugal, se solicita a OTAN que se faça uma referência explícita ao Atlântico Sul, à África e ao Magreb no novo documento, devido às “relações privilegiadas” de Portugal com a África, o Mediterrâneo e em particular o Brasil (SEABRA, 2010). Ainda em 2009, forças aéreas e navais britânicas realizaram exercícios de guerra nas Ilhas Malvinas, simulando uma invasão de forças argentinas na região, em um momento em que se começou prospecção de petróleo e gás em torno do arquipélago, com previsão de reservas no valor de 60 bilhões de barris (BUSINESS NEWS, 2009). Essas iniciativas a partir de 2008 foram acompanhadas da reativação do programa nuclear brasileiro, com a intenção de construir quatro submarinos, sendo um deles um submarino nuclear, em parceria com a França.
[18] Tal cenário também pode ser associado ao período em que a Alemanha, no contexto de sua ascensão em meio à via prussiana (final do século XIX e início do século XX), possuía forte potencial econômico e tentava ampliar parcerias com regiões periféricas, como América Latina e África, mas esbarrava na falta de projeção estratégica em termos marítimos e na dificuldade de se colocar como alternativa à dependência dessas regiões às tradicionais potências europeias e aos EUA.
[19] Segundo Visentini (2015, p.164-7), em O Caótico Século XXI, esta reação seria uma espécie de Guerra de Posições em função da crise econômica nos países da OCDE, tendo diversos estágios: 1) a escalada militar no Norte da África e a Primavera Árabe; 2) a projeção de poder ocidental para a África em função da inserção das potências emergentes no continente; 3) o crescimento das tensões na Ásia Oriental, equilibrada relativamente pela China; 4) o conflito na Ucrânia envolvendo a Rússia de Vladmir Putin e; 5) a fragilização das empresas internacionalizadas (privadas e públicas) do Brasil por denúncias de corrupção. Esses fenômenos, por sua vez, estariam ligados a uma disputa geoeconômica e ao realinhamento geopolítico global, que tem se dado de forma pacífica por parte das novas potências emergentes, mas com uma reação militar ofensiva por parte das potências norte-ocidentais (VISENTINI, 2015).
[20] Estudos independentes têm demonstrado que o tratado pode gerar forte desemprego na Europa, aumento do déficit público e redução dos salários como forma de garantir um aumento de renda alavancado pelo capital e pelo lucro. As Nações Unidas se manifestaram em relação ao tratado, afirmando que ele viola os direitos humanos e entrega o poder às multinacionais (CAPALDO, 2014; THE GUARDIAN, 2015).
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