China
Notas sobre o 13º Plano Quinquenal
Em geral, as notícias sobre a China, publicadas na mídia ocidental, continuam idênticas àquelas de mais de três décadas atrás, quando aquele país deu início às reformas de desenvolvimento econômico, social e político em seu sistema socialista. “Planos não cumpridos”, “estatais ineficazes”, “reformas incompletas”, “dados duvidosos” etc etc, ainda são comentários correntes em grande parte dos jornais, revistas e demais mídias ocidentais, a exemplo do que escreveu o Wall Street Journal sobre as metas do 13º Plano Quinquenal chinês.
Por Wladimir Pomar*
Para o jornalão do sistema financeiro norte-americano, mesmo aqueles que apoiam a China se “sentem frustrados pela inação política, levando muitos a duvidar quão seriamente as autoridades consideram as verdadeiras reformas”. Ou seja, após 35 anos de reformas, através das quais a China saltou de país subdesenvolvido à segunda potência econômica mundial, com perspectiva de ultrapassar os Estados Unidos nos próximos 10 a 20 anos, o Wall Street Journal ainda clama por “verdadeiras reformas”. Provavelmente, a “terapia de choque” que foi aplicada na Rússia e na Europa Oriental, nos anos 1980 e 1990, e levou seus países ao colapso.
A China seguiu outro caminho: o da abertura ao exterior e das reformas passo a passo, com base em múltiplas experimentações, combinando a abertura ao mercado com o planejamento macroeconômico e com forte participação do Estado. Suas estatais se tornaram instrumentos importantes de competição no próprio mercado, desempenhando papel orientador para a efetivação dos planos quinquenais de desenvolvimento do país.
Entre 1980 e 2000 foram quatro planos quinquenais, que tiveram como eixos a industrialização voltada para as exportações, a autossuficiência de alimentos agrícolas, e a redução substancial da miséria e da pobreza através de um enriquecimento desigual e em ondas. Em 2000, o Produto Interno Bruto de 1980 havia sido multiplicado por quatro, a China havia se tornado a principal “fábrica do mundo”, e mais de 500 milhões de pessoas, das 700 milhões que viviam abaixo da linha da pobreza em 1978, haviam sido retiradas da miséria.
No período posterior ao ano 2000, em virtude das crises financeiras capitalistas do final dos anos 1990 e, posteriormente, de 2008 em diante, em virtude da crise capitalista sistêmica dos países avançados, os planos quinquenais chineses sofreram uma inflexão importante. Passaram a se esforçar para reduzir o ritmo de crescimento de sua economia, de 10% para 7% ao ano, redirecionar sua produção principalmente para o mercado e para o consumo interno, estender a infraestrutura e a industrialização a todo o território, e universalizar os serviços públicos para as áreas rurais.
No entanto, apenas entre 2011 e 2015, durante o 12º Plano, a China finalmente conseguiu reduzir o crescimento anual da economia para cerca de 7%. Apesar dessa redução no ritmo de crescimento, o PIB per capita se elevou a 7.800 dólares, a produção agrícola alcançou 650 milhões de toneladas, e a tendência de urbanização foi reforçada, com a população das cidades chegando a 55% da população total.
É com base nessas e noutras modificações da sociedade chinesa que o 13º Plano Quinquenal (2016-2020) pretende reforçar ainda mais a demanda doméstica, o consumo e a inovação, sem necessidade de altos investimentos. Esses objetivos demandam uma série de medidas políticas, econômicas, sociais, científicas e tecnológicas.
Por exemplo, do ponto de vista político, durante o 13º Plano deverá ocorrer melhoria na governança do Estado, maior democratização da sociedade, revigoramento na obediência às leis, elevação da credibilidade do judiciário, e proteção efetiva dos direitos humanos e dos direitos de propriedade. O que vai exigir maior reforma dos recursos humanos, de modo a tornar ainda mais profissional a estrutura de conhecimento das lideranças e reduzir a ocorrência de casos de corrupção.
Essas medidas políticas devem refletir-se em todos os demais campos. Na economia deve intensificar-se a competição nos setores de monopólio nacional. Isto é, nos setores de eletricidade, telecomunicações, transportes, petróleo, gás natural, e serviços públicos, a competição deve romper as tendências burocráticas monopolistas e exigir maior eficiência das empresas estatais na competição entre si e com as empresas privadas.
Também na economia, ao assegurar o direito de uso das terras pelos lavradores, inclusive daqueles que moram nas cidades, isso pode acelerar o processo de transformação das aldeias em vilas urbanas, a elevação do estilo profissional dos camponeses, a proteção das terras de cultivo, e o aumento da produção agrícola. Paralelamente, a intensificação da reforma fiscal pode estabilizar os gastos governamentais e acelerar a reforma financeira para melhorar o sistema monetário e de ações.
Nas ciências e tecnologias, o 13º Plano pretende incrementar a autonomia das universidades e institutos de pesquisa, dando maior liberdade aos líderes de projetos para adotarem decisões estratégicas, inclusive na administração do pessoal e da área financeira. Isso tem em vista expandir a ciber-economia e a internet, aumentar a velocidade da rede, reduzir as tarifas, estimular o desenvolvimento da inovação nas indústrias, comércio, cadeias de suprimento e logística do setor, promover a construção cultural online, e estabelecer sistemas inovadores para fazer com que as universidades alcancem os padrões internacionais mais elevados.
Em relação ao meio ambiente, o 13º Plano pretende promover a produção limpa e verde, e criar um sistema industrial de baixo consumo de carbono. Isto, através de: finança verde e fundos de desenvolvimentos verdes; introdução do sistema de avaliação dos funcionários tendo em conta a proteção do meio ambiente; promoção dos veículos que utilizem novas energias; melhoria do nível de industrialização dos veículos elétricos; implementação de sistema de gestão explícita dos recursos hídricos; estabelecimento de um sistema de monitoramento dos aquíferos subterrâneos; construção de um sistema de monitoramento online do meio ambiente; e plano de proteção das florestas, banimento da exploração comercial da madeira, e aumento das áreas florestadas.
Paralelamente, durante o 13º Plano, a China pretende desenvolver um novo método de urbanização, focando nas moradias e na melhoria do sistema de registro residencial, e estimulando a existência de mais canais financeiros para combater a pobreza. Ainda na área social, deve ser estimulada a cooperação entre as escolas e as empresas, de modo a treinar os operários especializados e elevar seus salários. Além disso, deve ser universalizado o sistema de seguro social para dar cobertura a todos os chineses legalmente residentes no país e reduzir os valores das taxas a um nível razoável.
Os fundos de pensão devem ser reajustados, de modo que os canais de investimento sejam aumentados e os retornos elevados. Ao mesmo tempo, a idade da aposentadoria deve ser progressivamente elevada, e o seguro de velhice e os planos de pensão corporativos e ocupacionais devem ser reajustados. Além disso, o programa de seguro de saúde suplementar para os desempregados e residentes urbanos com doenças graves deve ser totalmente implementado. Os aposentados hospitalizados que tiverem residência diferente dos locais onde trabalham passarão a ser reembolsados de seus custos pelo seguro básico de saúde.
A reforma hospitalar deve avançar cuidadosamente. O sistema utilizado para obter lucros deve ser vedado, ao mesmo tempo em que for estabelecido um sistema de pessoal e de remuneração apropriado para desenvolver o sistema de saúde. O que exige a otimização na distribuição dos recursos para a saúde, a melhoria do sistema básico de saúde, e o direcionamento dos recursos da saúde para os níveis de base rural e urbana. Além disso, como deve ser implementada a política de fertilidade que permite aos casais terem dois filhos, isso exigirá a melhoria dos sistemas de saúde reprodutiva, de cuidados das mulheres e crianças, de estatística sobre a população nacional, e de crédito social.
Em termos internacionais, durante o 13º Plano a China pretende aumentar sua participação nos mercados financeiros mundiais, introduzindo o yuan na cesta internacional de moedas conversíveis do FMI. Pretende, pois, fortalecer a coordenação macroeconômica internacional e desempenhar um papel ativo na regulação das novas áreas como a Internet, exploração profunda do mar, zonas polares e espaço cósmico.
Apesar disso, ela não tem a intenção de manipular sua taxa de câmbio para estimular as exportações. Acredita que o crescimento baseado nas exportações não é mais capaz de contribuir para o desenvolvimento, como foi nos anos anteriores, mas que pode crescer entre 6,5% e 7% ao ano com a melhoria da demanda doméstica, o consumo e a inovação, sem necessidade de estímulos exagerados.
No entanto, alerta para os desdobramentos da crise dos países capitalistas avançados, e de sua repercussão nos países em desenvolvimento, incluindo intervenções militares desastrosas, o 13º Plano da China também pretende acelerar a reforma de suas forças armadas, com o objetivo de estabelecer um moderno sistema militar de características chinesas até 2020, e estar preparado para surpresas indesejáveis.
* Jornalista, autor de diversos livros, entre os quais O Enigma chinês. Este texto foi concluído em 13/03/2016
Fonte: Revista Esquerda Petista