Opinião
Maia não!
Por José Reinaldo Carvalho (*)
Os aliados de Rodrigo Maia na campanha pelo terceiro mandato como presidente da Câmara dos Deputados lançam um falso dilema: Maia ou o isolamento da esquerda. Mas a esquerda se prepara para dizer: Maia não!
A disjuntiva da esquerda não é entre marcar posição, e permanecer “derrotada e isolada”, ou se compor com a aliança Maia-Bolsonaro para ganhar uns cargos na copa e cozinha da mesa da Câmara, em nome de manter a “influência política” e aparecer como fiadora da estabilidade política.
A questão de fundo para a esquerda não é a imposta pelos partidários de Maia, mas outra, com natureza bem distinta. A esquerda justificará seus 47 milhões de votos e a eleição de 136 deputados federais (PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL) como vetores da luta democrática e popular ou se dedicará a colaborar com o governo Bolsonaro e seus sequazes no parlamento?
Ou, por outra: a esquerda cumprirá seu desiderato de ser uma força de oposição e combate ou um fragmento marginalizado do espectro político a serviço da direita mais retrógrada, imolando-se no patíbulo do liquidacionismo?
Ora, são muitas as evidências de que sob o governo de extrema-direita não há remendos possíveis, no plano governativo, para a derrota eleitoral e política que a esquerda sofreu em 28 de outubro. A recuperação, que pode durar mais ou menos tempo a depender da evolução dos acontecimentos, não virá da capitulação ao inimigo.
Bolsonaro e sua aliança política não declararam uma guerra apenas retórica à esquerda quando prometeram seu extermínio. A guerra é para valer e comporta a formação pelas forças que apoiam o governo de um bloco parlamentar e social visando a exercer protagonismo político e o pleno poder real. Faz parte dessa estratégia a aliança com governadores reacionários e a formação de uma maioria parlamentar em cujo vértice estará, se eleito, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Este é o sentido da aliança do bolsonarismo, via PSL, com o presidente da Câmara, ávido pelo terceiro mandato, sua cota de poder.
É inócuo discutir se Maia é bolsonarista ou não. As circunstâncias jogam um nos braços do outro, no que, aliás se comprazem.
Diga-se entre parênteses que, mesmo que seja considerado como matéria vencida – o que a rigor não é – a eleição do filho de Cesar Maia, desde a primeira vez, foi funcional aos interesses da direita. Maia pertence à direita por cega convicção e fidelidade ideológica. É prócer de um dos grupos políticos que estão no núcleo do que há de mais reacionário na vida nacional desde a ditadura militar. O DEM de Rodrigo Maia sequer é uma transmutação da velha Arena e do PDS da ditadura militar, mas sua continuidade de puras cepa e linhagem.
A eleição para a Mesa da Câmara em 1º de fevereiro próximo não guarda qualquer relação com disputas mais antigas pelo controle do terceiro cargo hierárquico da República. Foi possível nos anos 1980 e 1990 encontrar justificativas plausíveis para apoiar a eleição à presidência da Câmara de políticos de centro-direita no quadro de um regime democrático, mesmo que polarizado por partidos conservadores. Era uma situação distinta em que se podiam concertar acordos pontuais para manter a ordem democrática.
Mas, desde abril de 2016 o Brasil está submetido a um regime golpista, agora ultradireitista. Nada justifica apoiar em 2019 uma candidatura alinhada ao regime da extrema-direita, mesmo que este tenha sido ungido pelas urnas, pela mentira, o engodo e a fraude.
A esquerda cometeria suicídio se aceitasse fazer o jogo subalterno de compor uma frente institucional destinada a ser a correia de transmissão do governo Bolsonaro para aplicar a agenda ultraliberal de massacre aos direitos do povo e liquidação da soberania nacional.
Rodrigo Maia não cumpriu nenhum compromisso com os avalistas da sua eleição e reeleição na Presidência da Câmara. Revelou-se mais radical do que Temer na execução da agenda do golpe. Hoje se apresenta como arauto da agenda neoliberal de Paulo Guedes e já se comprometeu com Bolsonaro em viabilizar no parlamento a agenda do seu governo de extrema-direita.
Seus acenos pedindo os votos dos partidos de esquerda são como queijo na ratoeira.
A derrota eleitoral sofrida pela esquerda não será contornada nem revertida por meio de acordos em que se submete a politiqueiros da direita. As opções atuais da esquerda excluem o apoio a Maia.
A acumulação de forças será prolongada. Dela fará parte a luta no parlamento. Mas se não for ativado o componente social da luta popular e mais ainda, se não houver lucidez programática, estratégica e tática, a esquerda perderá sua identidade e não terá forças para voltar a protagonizar a luta política e social dos trabalhadores e do povo brasileiro pelo resgate da democracia, dos direitos sociais e da soberania nacional.
(*) Jornalista, editor de Resistência, integrante do projeto Jornalistas pela Democracia