Opinião
José Reinaldo Carvalho: Relação entre EUA e China atinge novo nível de confronto
Washington reagiu com pânico à assertividade do novo chanceler chinês, escreve José Reinaldo Carvalho (*)
Um grande alarme soou no Departamento de Estado dos Estados Unidos nesta semana, com reverberação na mídia copiadora de releases do serviço de imprensa do país que em vão sonha com o restabelecimento da sua hegemonia exclusiva no mundo.
O motivo do pânico foi um pronunciamento do ministro chinês das Relações Exteriores, em coletiva de imprensa à margem da realização da sessão da Assembleia Nacional Popular, o órgão legislativo máximo do governo.
Qin disse na última terça-feira (7), que os Estados Unidos precisam mudar a atitude distorcida em relação à China, sob pena de suportar um confronto com o país socialista asiático. O chanceler chinês advertiu os EUA que não continuem a considerar a China como seu principal rival, o que leva o país imperialista do norte a executar uma estratégia econômica, diplomática e militar de contenção do desenvolvimento chinês e sua inserção no mundo como importante protagonista global. Leve-se em conta que a China considera seu desenvolvimento nacional e o exercício de uma política externa voltada para a promoção da paz e da prosperidade de todos um direito inalienável do povo chinês e deixa claro que é inaceitável qualquer ação dos Estados Unidos para impedir o exercício desse direito. A atuação do país socialista asiático no palco internacional exclui o expansionismo, a usurpação das riquezas dos demais países e o hegemonismo.
O apoio estadunidense ao separatismo de Taiwan é outra linha vermelha que os norte-americanos não deveriam transpor, avisa a liderança chinesa.
Os Estados Unidos se mostram irritados com a aliança da China com a Rússia e a sistemática recusa de Pequim de se juntar à política de sanções ocidentais a Moscou. Sistematicamente, os EUA cobram que a liderança chinesa condene a Operação Militar russa na Ucrânia e acusa a China de fornecer ajuda militar ao país governado por Vladimir Putin, algo que a China nega terminantemente, inclusive reiterando apelo ao diálogo e à solução política do conflito.
A pergunta que circula no mundo a partir dessas declarações é se a China mudou a sua política externa e a especulação dela derivada é se haverá confronto militar entre as duas maiores economias do mundo.
Desde os primeiros anos da construção da nova China, na sequência do triunfo da Revolução Popular liderada pelo Partido Comunista, o país elaborou uma política externa de paz, baseada em princípios de coexistência pacífica, partindo do pressuposto da salvaguarda da soberania nacional, integridade territorial, criação de um entorno geopolítico pacífico com os países vizinhos, estabelecimento de relações de amizade e apoio mútuo com os países em vias de desenvolvimento.
Com os Estados Unidos, desde as primeiras conversações bilaterais, em 1972, e posteriormente com o estabelecimento das relações diplomáticas, em 1979, predominou a coexistência pacífica.
A partir do momento em que a China passou a atuar como protagonista global com assertividade e intensificou seu relacionamento com a maioria esmagadora dos países e nos organismos multilaterais, processo que coincide com o declínio da superpotência americana, esta passou a hostilizar a China, percebendo nela uma ameaça à sua hegemonia.
A China passou a participar integralmente nas instituições internacionais e a promover uma ativa diplomacia multilateral em todos os campos. São exemplos a participação ativa da China na ONU, com todas as suas instâncias, inclusive no Conselho de Segurança, Assembleia Geral, Comissões, Agências e Missões de Paz; OMC (Organização Mundial de Comércio); ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático); APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico); Fórum de Boao (Fórum de cooperação econômica no âmbito asiático, aberto a outras regiões); Focac (Fórum de Cooperação China-África); Fórum China-Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos); OCX (Organização para a Cooperação de Xangai); Brics (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul); G-20 (Grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo);
Isto levou a China a tomar parte ativa na solução de problemas globais e regionais, no que se inclui a luta contra o terrorismo, as pandemias, a promoção dos direitos humanos, o controle de armas e os esforços pelo desarmamento nuclear, a solução de conflitos regionais, adesão e cumprimento das metas do milênio da ONU sobre o desenvolvimento humano, a adoção de normas e práticas para enfrentar as mudanças climáticas, o fomento ao desenvolvimento sustentável.
As relações internacionais da China incrementaram os vínculos de solidariedade e cooperação com países em desenvolvimento.
Para além disso, a China moderna desenvolve uma diplomacia multidimensional, abarcando setores como economia, cultura, educação, humanidades para promover a convergência de civilizações, assuntos militares, intercâmbios parlamentares, reações partidárias etc.
A China desenvolve uma diplomacia voltada para a construção de uma comunidade mundial de futuro compartilhado por toda a humanidade, em que aparecem como tarefas prioritárias manter a diplomacia de paz, a coexistência pacífica e a construção de uma ordem internacional justa em uma situação instável e carregada de ameaças. São políticas que se inscrevem na meta maior do Partido Comunista da China para a atual etapa do desenvolvimento nacional, que consiste em lutar pela realização do sonho chinês, a construção do bem-estar do povo chinês associado com o de todos os povos, a prosperidade comum.
O mundo está vivendo a fase de maior presença chinesa no mundo, na sua transformação em grande protagonista da ordem mundial, sua transformação em maior força econômica e comercial do mundo, grande investidor externo, grande destino de investimentos externos diretos, sua transformação em maior parceiro econômico e comercial de vários países. Uma fase de maior assertividade e de “multilateralismo verdadeiro”, em contraste com o propalado multilateralismo do imperialismo estadunidense, que não passa de retórica e de um estratagema para criar uma frente de países aliados na execução de uma política antichinesa.
A contenção estratégica da China é a essência da atual política externa dos Estados Unidos, no que as administrações de Trump e Biden se diferenciam apenas por suas nuances. Esta política se choca de modo antagônico com os interesses da China, pois constitui o pano de fundo da instrumentalização do separatismo em regiões como Tibet, Hong Kong, Xinjiang e sobretudo o estímulo à independência de Taiwan. Os EUA promovem o cerco militar à China, buscando interferir nas questões que envolvem o Mar do Sul da China e fomentando a militarização na região conhecida como Ásia-Pacífico, alimentando planos de criar uma espécie de Otan asiática.
Tudo isso ocorre em paralelo com a guerra comercial e a guerra tecnológica dos EUA contra a China.
A China tem uma percepção aguda dos problemas geopolíticos e conhece a natureza imperialista dos Estados Unidos. Está consciente de que a hegemonia dos Estados Unidos traz guerras, pilhagem e exploração. Por isso se prepara em todos os terrenos para qualquer nível de confrontação.
(*) Jornalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB e secretáio-geral do Cebrapaz