PCdoB

João Amazonas, líder comunista que faz falta

28/05/2018

Por José Reinaldo Carvalho (*)

Transcorreu no dia 27 de maio o 16º aniversário do falecimento do camarada João Amazonas. Quanta falta nos faz. Ele foi o líder político e o ideólogo do PCdoB por quase meio século, seu refundador, na ocasião em que ocorreu a divisão provocada pelo revisionismo e o oportunismo de direita entre 1958 e 1962.

Quando o PCdoB foi reorganizado, em 18 de fevereiro de 1962, sob a liderança coletiva formada por João Amazonas, Maurício Grabois, Carlos Danielli e Pedro Pomar, entre outros inolvidáveis dirigentes, desenvolvia-se intensa luta política e ideológica. Produzira-se no âmbito do Movimento Comunista Internacional uma cisão motivada pelo revisionismo krushevista, com suas teorias de conquista do socialismo através do caminho pacífico e da colaboração de classes.

No âmbito interno, o divisor de águas foi a publicação pelo Comitê Central do antigo PCB da Declaração de Março de 1958, que João Amazonas considerava a síntese de uma estratégia e tática de fundo oportunista.

A Declaração de Março superestimava as possibilidades de aliança dos trabalhadores e demais massas populares com a grande burguesia e os latifundiários, e defendia a criação de uma espécie de frente ampla que unisse toda a nação. Como se esta não estivesse já polarizada entre forças sociais antípodas. Tragicamente, o golpe militar de 1964, expressão política da aliança entre o imperialismo e a grande burguesia e os latifundiários, dissipou as últimas dúvidas a esse respeito. No debate da época, já ficara evidente o erro que consistia em separar artificialmente a questão nacional da questão de classe.

Cuidar do Partido e do seu caráter comunista 

Como poucos, João Amazonas compreendia o papel da organização partidária na luta política e dedicou o melhor dos seus esforços para forjar o PCdoB como organização de vanguarda estruturada, ligada às massas e independente. Um vivo organismo político e ideológico de classe para a luta política de classes.

Ao homenagear o camarada João Amazonas no 13º aniversário do seu falecimento, é necessário repisar a importância do cuidado com o Partido. Ele considerava, com base nas leituras que fizera de Lênin, e na própria experiência do movimento comunista internacional e da trajetória do PCdoB, que o partido comunista é o principal fator subjetivo da revolução socialista, porquanto é o fator que se relaciona com a consciência de classe e a teoria revolucionária.

Em debates internos e públicos sobre a dimensão dos acertos e erros de um partido político do proletariado, João Amazonas dizia que o Partido deve evitar os erros políticos, mas inadmissível mesmo era o desvio do caráter e da essência comunista. Inevitável conclusão: o pressuposto da existência do Partido Comunista e de suas vitórias políticas é a ideologia e a identidade comunista. A recíproca é verdadeira: o abandono da ideologia e da identidade comunista conduz inevitavelmente à bancarrota política do partido do proletariado.

A lembrança de tais conceitos vem a calhar num momento em que o Partido realizou seu 14º Congresso (novembro de 2017) e renovou parte da sua direção.

A deliberação sobre a composição dos órgãos dirigentes do Partido e a designação dos seus titulares não são atos de rotina, nem burocráticos. Como indica a experiência, trata-se de decisão ligada às lutas e atividades que o Partido desenvolve em todos os domínios.

O PCdoB pode orgulhar-se de que desde a legalização, há exatos 33 anos, alcançou e consolidou conquistas históricas em vários âmbitos. São conquistas na luta política, de massas, na batalha das ideias e no exercício do internacionalismo proletário. Um acervo de realizações que fez com que déssemos enormes passos adiante na construção de um partido comunista de quadros e de massas, dotado de estratégia e tática, programa e estatutos consoantes o espírito da época, com ampla ação política, institucional, eleitoral e de massas, portador de uma teoria de vanguarda – o marxismo-leninismo, o socialismo científico.

É porque pretendemos perseverar nesse caminho e construir uma força que integrará a vanguarda do processo de emancipação nacional e social de nosso povo e da luta pelo socialismo, que igualmente, com o indispensável espírito autocrítico que caracteriza uma força comunista, constatamos que o nosso Partido padece de um déficit ideológico, orgânico, político-eleitoral e na sua ligação com as massas trabalhadoras e populares. João Amazonas há tempos advertia para isto.

A força do Partido emana, ou deve emanar, da sinergia entre a justa linha política, o poder dos princípios ideológicos, a solidez da estrutura orgânica e a profundidade dos vínculos com o povo. E será tanto maior se os comunistas forem capazes de desatar as energias e a criatividade do povo em luta, em movimento, em imparável processo de elevação da consciência.

Um rico legado

Esta breve memória sobre o camarada João Amazonas não pode deixar de referir o aspecto principal da sua vida e obra. Nunca é demais lembrar seu papel de formulador político e teórico, como ideólogo marxista-leninista, agitador, propagandista e organizador do Partido.

Sob sua direção, os comunistas atravessaram o período mais difícil da existência do Partido, a ditadura militar (1964-1985), na mais estrita clandestinidade.

Amazonas viveu intensamente e enfrentou com sabedoria e audácia o período contrarrevolucionário de liquidação do socialismo na URSS e países do Leste europeu, em fins dos anos 1980, começos da década de 1990. Ajudou o Partido a extrair as lições daquela viragem histórica, que marcava a existência de profunda crise na teoria e na prática do movimento revolucionário e comunista. Comandou a autocrítica antidogmática, a partir do 8º Congresso (1992), sem cair no canto de sereia do oportunismo de direita nem do liquidacionismo.

O camarada João dirigiu a formulação de uma estratégia revolucionária, baseada nos princípios do marxismo-leninismo, e de uma tática ampla, combativa e flexível. Ensinou-nos que o Partido deve enraizar-se entre as massas, inserido no curso político, enfrentar os pequenos e grandes embates políticos do cotidiano e acumular forças revolucionariamente.

João fazia uma análise implacável sobre as classes dominantes brasileiras. Dizia, na redação do Programa Socialista aprovado na Conferência Nacional de 1995 e ratificado no 9º Congresso (1997): “O desenvolvimento deformado da economia nacional, o atraso, a subordinação aos monopólios estrangeiros e, em consequência, a crise econômica, política e social cada vez mais profunda são o resultado inevitável da direção e do comando do país pelas classes dominantes conservadoras. Constituídas pelos grandes proprietários de terra, pelos grupos monopolistas da burguesia, pelos banqueiros e especuladores financeiros, pelos que dominam os meios de comunicação de massa, todos eles, em conjunto, são os responsáveis diretos pela grave situação que vive o país. Gradativamente, separam-se da nação e juntam-se aos opressores e espoliadores estrangeiros. As instituições que os representam tornaram-se obsoletas e inservíveis à condução normal da vida política. Elitizam sempre mais o poder, restringindo a atividade democrática das correntes progressistas. A modernização que apregoam não exclui, mas pressupõe, a manutenção do sistema dependente sobre o qual foi construído todo o arcabouço do seu domínio”.

Percebendo que a luta democrática e patriótica pelo desenvolvimento, a soberania nacional, em defesa da nação ameaçada pela ofensiva conservadora e neoliberal, era a expressão concentrada da luta de classes, inseparável da luta pelo socialismo na fase peculiar que o Brasil vivia, Amazonas era taxativo em suas conclusões acerca da evolução desse combate. No mesmo documento, o Programa Socialista, dizia: “Tais classes não podem mudar o quadro da situação do capitalismo dependente e deformado. Sob a direção da burguesia e de seus parceiros, o Brasil não tem possibilidade de construir uma economia própria, de alcançar o progresso político, social e cultural característicos de um país verdadeiramente independente. Na encruzilhada histórica em que se encontra o Brasil, somente o socialismo científico, tendo por base a classe operária, os trabalhadores da cidade e do campo, os setores progressistas da sociedade, pode abrir um novo caminho de independência, liberdade, progresso, cultura e bem-estar para o povo, um futuro promissor à nossa Pátria”.

Amazonas tinha um agudo senso tático, fazia diuturnamente análise concreta da situação concreta. Por isso foi um dos pioneiros da candidatura de Lula em 1989, tendo-se destacado como um dos fundadores da Frente Brasil Popular.

Também diuturnamente, repetia o conselho de que em nenhuma circunstância nos afastássemos do curso real da vida política nem nos posicionássemos à margem da luta política principal em curso.

Vivemos um momento grave da vida nacional, em que faz falta a presença e a palavra prudente e lúcida de um líder como João Amazonas. Num momento em que é indispensável mobilizar as energias do povo brasileiro na luta pelas reformas estruturais democráticas, como passo para a revolução socialista, e em que a força de vanguarda precisa reafirmar sua essência e identidade, seus camaradas, seus militantes, seu Partido dizem presente ao saudoso camarada João.

(*) Jornalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB

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