Celac: Corrêa vai pra cima e Maduro propõe plano tático anti-crise

28/01/2016

Por Wevergton Brito Lima*

A 4ª reunião de Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), realizou-se nesta quarta-feira (27), na capital do Equador, Quito, e contou com a presença de todos os 33 Estados membros (que inclui todos os países da região menos Canadá e Estados Unidos).

A crise econômica foi o tema predominante. O presidente Nicolas Maduro propôs a criação de um plano tático anti-crise para a região.

“Se fomos capazes, em tempo de bonança, de forjar políticas sociais, agora que enfrentamos momentos difíceis o compromisso é maior no sentido de estimular nossas economias (…) Em tempos de crise, as comunidades, os vizinhos e as famílias se procuram para se ajudar, para se apoiar entre si (…). Chegou a hora, pois, de um plano de solidariedade, de complementaridade, de desenvolvimento compartilhado da América Latina e do Caribe”.

Apesar da relevância desta questão, outros assuntos compareceram com destaque durante a reunião, como o combate à fome e o apoio ao processo de paz entre o Governo colombiano e a Farc.

Mas a 4ª Cúpula, que marca o fim da presidência pró-tempore do Equador à frente do bloco e o início da gestão da República Dominicana, foi ao mesmo tempo palco de contundes declarações políticas.

O esperado embate entre a Argentina de Macri e a Venezuela de Maduro não aconteceu. O presidente argentino não compareceu por problemas médicos e a Argentina foi representada por sua vice-presidenta, Gabriela Michetti que, pelo menos em público, se absteve de críticas à Venezuela.

Já, Rafael Corrêa, presidente do Equador e condutor dos trabalhos, em seu discurso de abertura não se fez de rogado.

Na presença da direitista vice-presidenta argentina, recordou que o prédio onde estavam realizando a 4ª Cúpula leva o nome de Néstor Kirchner, “este grande argentino que, com junto com Hugo Chaves foi o impulsionador da integração dos nossos povos”, sem esquecer de citar mais adiante a ex-presidenta Cristina Kirchner.

Em seu rico e abrangente pronunciamento, Corrêa, ao saudar o processo de paz na Colômbia, salientou, no entanto, que “a paz não é só a ausência de guerra; a paz deve ser, sobretudo, presença, presença de justiça, dignidade, de oportunidade para todos”.

O presidente equatoriano defendeu, entre outros pontos, o fortalecimento da Celac como bloco e o fim da OEA. Perguntou Corrêa aos 33 chefes e representantes de estado presentes: “Por que temos que discutir nossos problemas em Washington? Como se pode sustentar a irracionalidade de que a sede da Organização dos Estados Americanos está em um país que promove um criminoso bloqueio à Cuba, bloqueio esse que viola abertamente a Carta Inter Americana fundacional da OEA?”

Já o presidente da Bolívia, Evo Morales, exortou os líderes da Celac a fortalecer a unidade entre os governos “anti-imperialistas e anticapitalistas” para libertar os povos do continente latino-americano e afirmou que “a Bolívia foi o último país na América do Sul. Agora, na Bolívia, não dominam mais os Estados Unidos nem o FMI (Fundo Monetário Internacional)”.

Representando Cuba, o primeiro vice presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, Miguel Díaz-Canel (Raul Castro não compareceu à 4ª Cúpula também por orientação médica), opinou pelo fortalecimento da Celac como instrumento fundamental de integração, e partiu em defesa da revolução bolivariana na Venezuela:

“Reiteramos nosso mais sólido apoio à República Bolivariana da Venezuela, vítima de uma complicada situação econômica internacional, agravada por uma prolongada guerra econômica, midiática e psicológica, e numerosas ações desestabilizadoras apoiadas e alentadas desde o exterior”.

O dirigente cubano exigiu ainda a “revogação da ordem executiva do presidente Obama, que declara a Venezuela uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos e a eliminação das sanções que têm sido aplicadas com esta alegação”.

Sobre o Brasil, disse o dirigente cubano: “Estendemos a Dilma Rousseff e ao povo brasileiro nossa solidariedade e apoio na batalha que enfrentam para defender as conquistas sociais e políticas dos últimos 13 anos”.

Dilma propõe unidade do bloco no combate à crise

A presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, participou da abertura do evento e em seu discurso afirmou, indo ao encontro do que disse Maduro, que “o Brasil não conseguirá restabelecer as suas condições sustentáveis de crescimento nesse novo contexto internacional, sem o crescimento dos demais países da América Latina. Sem que os demais países da América Latina tenham também condições de se recuperar”. Dilma propôs ainda aos países-membros uma ação de cooperação no combate ao vírus da zika e à microcefalia. Representando o país na sessão plenária, o Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, reiterou a defesa da unidade da Celac no enfrentamento à crise econômica global.

Ao final foram aprovadas cerca de 20 resoluções políticas, entre elas a exigência do fim do bloqueio comercial, financeiro e econômico a Cuba, a devolução aos cubanos do território de Guantánamo, o apoio ao processo de paz na Colômbia, o apoio à soberania da Argentina sobre as Ilhas Malvinas, um plano de ação para a Celac em 2016, um plano para erradicação da fome na região até 2025, entre outras.

Como todas as resoluções só são aprovadas por unanimidade – basta o voto de um país para barrar qualquer decisão – o caráter progressista dos documentos é revelador de que a ofensiva conservadora tem, no processo de integração regional em geral e na Celac em particular, um forte obstáculo a vencer. Tão forte que mesmo um governo abertamente neoliberal e conservador como o da Argentina, para não cair no isolamento, aprova algumas resoluções contrárias ao seu ideário. 

É por isso que a mídia hegemônica, como faz em todas as Cúpulas da Celac, diz que esta foi “esvaziada”. Na verdade, mal consegue esconder a nostalgia pelos “ velhos e bons tempos” da OEA, quando Cuba era excluída e predominava o espírito que Fidel Castro chamava – e Rafael Corrêa recordou agora – de “ministério das colônias”.  

 

* Jornalista, membro da Comissão de Política e Relações Internacionais do PCdoB

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