O que mofou no Brasil
Da oposição começam a aparecer ataques cada vez mais virulentos à presidenta Dilma Rousseff. O pré-candidato à Presidência da República Eduardo Campos desferiu na semana passada (4 de fevereiro), duros ataques à presidenta Dilma Rousseff, ao seu governo e ao sistema de alianças que tem assegurado a governabilidade no País, desde que se iniciou o novo ciclo progressista sob a direção do ex-presidente Lula, em 2003.
Por José Reinaldo Carvalho*
O governador pernambucano sabe o que diz, com a responsabilidade que tem de pretendente à chefia de Estado e de governo. Fez com legitimidade uma opção política e é natural que a leve às últimas consequências. Sente-se habilitado a desempenhar o papel de oposicionista e está em busca de um discurso que se coadune com sua nova condição. Não o julgamos nem o temos na alça de mira. Mas a invectiva merece resposta. Faço-o na condição de cidadão, militante e eleitor da Dilma. E de quem espera ansiosamente o começo da campanha eleitoral para ajudar a conquistar o coração e a mente de quantas pessoas eu tenha acesso, para que também se mobilizem para reelger a presidenta, tarefa que modestamente considero a mais importante da esquerda no ano de 2014.
No íntimo, o líder do PSB não pode negar – por isso rende homenagens a Lula e justifica seu apoio na primeira eleição de Dilma Rousseff – que ascendeu na carreira política haurindo os êxitos do governo do ex-presidente, primeiro como ministro, depois como governador de estado, beneficiário dos programas econômicos e sociais não só no período de 2003 a 2009, mas também durante o governo da presidenta Dilma. Até as pedras de cantaria do “Recife dos rios cortados de pontes, a Recife dos bairros e das fontes coloniais” – como dizem os inesquecíveis versos na eterna “Dora” de Caymmi – sabem que Pernambuco – como todo o Nordeste brasileiro – melhorou porque Lula e Dilma corretamente concentraram o melhor das suas atenções no combate às desigualdades regionais, investindo maciços recursos na região nordestina. Isto não nega os próprios méritos de Campos como gestor.
O líder socialista tem legitimidade para ser oposicionista. É de se esperar que no segundo turno das eleições presidenciais – pode ser que seu cacife não seja suficiente para levá-lo à disputa principal – mantenha seus compromissos históricos com as esquerdas, reveja posições e apoie – contra o candidato da direita neoliberal e conservadora – a reeleição da presidenta Dilma Rousseff.
Com ele, pois, o embate é político e de elevado nível, malgrado as suas alianças. O governador pernambucano candidata-se por uma coalizão integrada por sua própria agremiação política, o respeitável e histórico Partido Socialista Brasileiro, o Partido Popular Socialista, de origem anticomunista, linha auxiliar até ontem do PSDB e ainda hoje do ex-candidato derrotado José Serra, e a “Rede”, espécie de ONG das ONGs a serviço do imperialismo no Brasil, sob o disfarce do ambientalismo, coordenada pela camaleônica Marina Silva. Traz ainda na ilharga Jarbas Vasconcelos, virulento opositor dos governos Lula e Dilma.
Convém refletir sobre um dos ataques de Campos à presidenta Dilma. Referindo-se à aliança política que deu a vitória eleitoral primeiro a Lula, depois a Dilma, e assegura a governabilidade desta última, o pré-candidato socialista afirmou que o povo brasileiro “não tolera mais esse velho pacto político, que mofou, e não vai dar nada de novo e de bom”.
Creio que na declaração de Campos está o busílis dos problemas políticos do País. É válido discutir e deslindar a questão “o que mofou no Brasil”. Assim, dá-se um passo importante no equacionamento de problemas fundamentais da estratégia e da tática não só para atuar sobre a presente conjuntura, como para vislumbrar as perspectivas da revolução brasileira.
Na opinião do Partido Comunista do Brasil, constante do documento aprovado no 13º Congresso, realizado em novembro último, “a experiência demonstrou que as coalizões amplas e heterogêneas, decorrentes de uma realidade pluripartidária diversificada, são necessárias tanto às vitórias eleitorais quanto à governabilidade”. Os comunistas brasileiros avalizaram assim o pacto político vigente e consideraram que, sob a liderança, primeiramente de Lula e agora de Dilma, o Brasil avançou.
De acordo com as deliberações do congresso comunista, nos últimos 11 anos delineou-se “um novo tipo de desenvolvimento que vai fortalecendo o País com o resgate do papel do Estado, afirmação da soberania nacional, ampliação da democracia e crescimento econômico com progresso social”.
O documento vai ao núcleo da questão suscitada pelo governador Campos: “O governo progressista instaurou-se no âmbito de um Estado conservador, hostil ao povo, e ao qual o neoliberalismo havia depenado e garroteado para servir aos interesses da oligarquia financeira”.
Nesse quadro, os comunistas ressaltam o grande mérito dos governos de Lula e Dilma: “O cômputo geral desse período revela um caráter de governo marcado pelo compromisso com a democracia, a soberania nacional e os direitos do povo. Este caráter se comprova não só pelas realizações, mas também pelo fato de que os trabalhadores e o povo pobre são o alicerce de uma base social ampla que tem garantido as vitórias eleitorais indispensáveis à duração desse ciclo político”.
Donde se conclui que o governo Dilma e seu pacto político não mofaram, ao contrário. Em meio às adversidades, tomaram a iniciativa para inaugurar um novo ciclo político no País, com limitações, mas virtuoso.
Algo, porém, está efetivamente mofado no Brasil. Não só, mas também degenerado, corrompido, degradado, falido. E devemos dizê-lo, com todos os Erres e Efes, com vogais e consoantes claramente grafadas, a pontuação bem feita, as sílabas escandidas e os acentos diacríticos nos lugares certos, como, aliás, faz o nordestino, que é antes de tudo um forte, tem “a estranha mania de ter fé na vida” e exprime o que pensa, como nenhum outro povo, com sotaque açucarado, sonoridade e contundência. Gente provada nas adversidades, lutadora de sol a sol, costuma dizer, quando abate um inimigo, que “mata a cobra e mostra o pau”.
Faz tempo, não é de hoje, o que mofou, degenerou, faliu no Brasil foi o regime das classes dominantes – em todos os seus componentes – político, econômico, estratificações sociais – moldado em instituições também carcomidas – para cuja mudança urge uma revolução política e social tendo por base de classe os trabalhadoras e como força política dirigente a esquerda consequente, formada por comunistas, socialistas, trabalhistas, democratas, patriotas, o que inclui não apenas partidos políticos, mas também as organizações do movimento social e personalidades independentes.
Não havendo a correlação de forças propícia para um tal desenlace revolucionário aos impasses do Brasil, manda a sabedoria adquirida com a experiência histórica acumular forças, empenho no qual a unidade das referidas formações políticas é o primeiro imperativo. Esta consciência e este vislumbre tiveram João Amazonas, Lula e Miguel Arraes, no não tão distante 1989, quando fundaram a Frente Brasil Popular, concertação unitária que com outro nome e composição foi beneficiada posteriormente com a adesão de Leonel Brizola. A proposição do presidente do PCdoB, Renato Rabelo, de constituir uma frente de afinidades de esquerda é a continuação disso. A unidade continua sendo a grande bandeira da esperança.
*Jornalista, editor do Portal Vermelho, secretário nacional de Comunicação do Partido Comunista do Brasil