Oriente Médio
Israel sai da terceira eleição em meses com eleitorado dividido na direita e avanço dos democratas
Enquanto alguns tentam elucidar a sobrevivência de Benjamin Netanyahu na liderança de Israel e sua vitória eleitoral anunciada nesta terça-feira (3) —embora novamente pendente da capacidade de formar um governo, confirma-se o avanço histórico da Lista Conjunta de partidos de maioria palestina e de judeus democratas, de esquerda. Mas registra-se ainda outro resultado estrondoso: o declínio dos Trabalhistas, que foram por décadas o motor do sionismo, da colonização da Palestina
Por Moara Crivelente*, no Cebrapaz
Soldados israelenses votam em posto de controle militar na Cisjordânia ocupada, Palestina. Imagem das eleições de 2009, um mês depois da “Operação Chumbo Fundido” contra Gaza.
As eleições realizadas na segunda (2) em Israel foram pautadas pelos temas preponderantes no país, como a segurança e o “conflito” com os palestinos, mas também o assombro com a persistência do voto em um Netanyahu combalido, indiciado em processos por suborno, fraude e quebra de confiança. O premiê, que alguns chamam de “Rei Bibi”, está no cargo há uma década e já o havia exercido nos anos 1990, sempre com a missão de enterrar de vez o Estado da Palestina e alienar de forma esmagadora os cerca de 20% de palestinos entre a população de Israel. Entretanto, é retumbante o terceiro fracasso consecutivo de Netanyahu em conquistar uma maioria que lhe garantisse formar o governo, tarefa pela qual ainda deverá disputar.
Na conclusão da contagem dos votos, seu partido de extrema-direita, Likud, alcançava 36 lugares no Knesset, o Parlamento, contra os 33 garantidos por seu principal opositor, o partido de direita do ex-comandante do Exército Benny Gantz, Kahol Lavan (“Azul e Branco”, fundado em fevereiro de 2019) e os 15 da Lista Conjunta, hoje a terceira maior força, composta pela Frente Democrática de Paz e Igualdade (Hadash) —em que está o Partido Comunista de Israel (PCI), o Balad, Ta’al e Ra’am (Lista Árabe Unida). Em seguida colocaram-se o ultra-ortodoxo Shas, com nove assentos e, depois, a coligação Trabalhista-Gesher-Meretz, com sete, empatada com o partido do extremista Avigdor Lieberman, Yisrael Beiteinu (“Israel é Nosso Lar”) e o Judaísmo Torá Unida, perdendo apenas para a coligação de direita/extrema-direita Yamina entre os partidos Nova Direita, Lar Judeu e União Nacional, com seis assentos.
O bloco de direita com que Netanyahu pretende formar o governo tem 58 parlamentares, três a menos que o necessário. Apesar das especulações de que Netanyahu e Gantz poderiam negociar um acordo para que a terceira tentativa finalmente resulte num governo, segundo o Haaretz, em notícia desta quarta (4), Kahol Lavan e Trabalhista-Gesher-Meretz podem estar se unindo para promover lei que impeça Netanyahu, indiciado, de assumir o cargo. Mesmo assim, Gantz teria dificuldades em conseguir o aval necessário do presidente Reuven Rivlin (Likud) para formar um governo; a liderança da Lista Conjunta, que nas eleições passadas declarara apoiá-lo no intento —à exceção dos parlamentares do Balad— como forma de impedir a continuidade de Netanyahu, disse dias antes das eleições que não o apoiará agora, já que Gantz é cada vez mais uma “imitação” do atual premiê. Netanyahu, por sua vez, aposta na chance de governar com referência ao desgaste que a consequente quarta eleição causaria a quem tentar impedi-lo.
Em abril de 2019, as eleições previstas para novembro foram antecipadas devido à disputa na coalizão de governo centrada na promoção de uma nova lei que incluiria judeus ortodoxos na conscrição —sua exclusão da obrigatoriedade do serviço militar, que abrange praticamente todo o resto da população, é fundamental para o apoio dos (ultra-)ortodoxos. Ainda, no fim de 2018 Lieberman, então ministro da Defesa, também se retirou da coalizão de governo supostamente devido à trégua com o Hamas.
A eleição de setembro de 2019 foi a segunda em meses que não resultou num governo, mas serviu de exercício de análise de opinião em Israel e das expectativas internacionais. Apesar da gradual consolidação da Lista Conjunta como importante força eleitoral e do pontual decréscimo de votos no Likud —que crescera em 12 assentos em 2015 e em cinco em abril de 2019, mas perdeu seis em setembro e recuperou quatro nesta eleição— a divisão da maioria entre Likud e Kahol Lavan nas duas últimas eleições mostra que segue constante o apoio à direita e à extrema-direita. Além disso, com a adesão tanto de Gantz como de Netanyahu —que teve nesta uma grande oportunidade eleitoreira— ao plano/ultimato apresentado por Donald Trump como “acordo do século” para instaurar um Estado da Palestina estéril, fragmentado e sem soberania, a colonização da Palestina parece safa.
Esses eleitores não estão satisfeitos com o compromisso dos partidos de centro-esquerda que também defendem a colonização, de ares mais “humanizados” pela já fundamentalmente condicionada integração da população palestina e, eventualmente reconhecendo um reduzido, fragmentado e enclausurado Estado da Palestina, certa “cooperação”, inclusive devido à necessidade de mão-de-obra super explorada de palestinos sistematicamente espoliados e empobrecidos nas últimas sete décadas.
É por isso estrondosa a derrota do Trabalhista, hoje coligado com o novo Gesher, do centro liberal, fundado em 2018, e com o Meretz, mas em coligação com Hatnuah e o Movimento Verde entre 2014 e janeiro de 2019. O Trabalhista moveu por muito tempo o sionismo na Palestina. Não só liderou Israel por quase três décadas desde as primeiras eleições até 1977, quando foi substituído pelo Likud, como também pautou o movimento sionista —formado por correntes ideológicas como o aberrante “Marxismo sionista” de Ber Borochov e o Revisionismo de Ze’ev Jabotinsky, onde o Likud tem suas raízes, além de um “sionismo liberal” que alguns apresentam como “alternativa ao paradigma esquerda-direita”.
Por outro lado, é histórico o avanço da Lista Conjunta como força eleitoral. Formada em 2015 em meio aos conhecidos debates sobre frentes eleitorais e concessões advindas, a Lista aposta na unidade diante da gravidade da situação. O líder Ayman Odeh, da Hadash, citado pelo órgão do PCI, disse na terça (3): “Irmãos e irmãs, vocês criaram um dia histórico. Das primeiras eleições em 1949 até hoje, nós [público árabe em Israel] nunca havíamos recebido este nível de apoio e este número de lugares no Knesset,” considerando que a aliança “fortalece a esquerda e a alternativa árabe-judaica” e congratulando-se com os milhares de votos recebidos de judeus.
“Insto aos [militantes] de esquerda a não se desesperarem ou se fecharem em suas reflexões, mas a pensarem na parceria e a alternativa de princípios”, disse Odeh, enfatizando que o programa da Lista centra-se na paz e na democracia, na igualdade autêntica e na justiça social. Embora a própria participação eleitoral tenha estado sob discussão diante da possibilidade de normalização de um regime segregacionista —pelo que alguns defendem o boicote, ao se estabelecer como terceira força no Parlamento, a Lista Conjunta parece aumentar significativamente as chances de constranger o arbítrio e oferecer alternativa ao consistente respaldo à direita.
*Moara Crivelente é cientista política e diretora do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz)