Manlio Dinucci: Por trás dessas fotos de crianças

14/09/2015

Quando as crianças chegavam aos acampamentos de verão numa região arborizada em torno da cidade de Kíev, recebiam uma camiseta amarela em que estavam impressas duas silhuetas de crianças armadas com fuzil, com o emblema do Batalhão Azov decalcado sobre o das SS do Reich, e tendo ao fundo o “Sol Negro” do misticismo nazista.

Por Manlio Dinucci*

 

 

As crianças (incluindo as de 6 anos) e os adolescentes que frequentavam o acampamento em grupos de 30 a 40 – informa o jornal Kíev Post – “não brincaram de soldados, mas receberam um real treinamento militar por instrutores do Batalhão Azov”. Ou seja, pelos neonazistas que têm cometido atrocidades contra os civis ded nacionalidade russa na Ucrânia oriental.

Este e outros batalhões neonazistas fazem parte da Guarda Nacional ucraniana, que tem parceria com a Guarda Nacional da Califórnia e é treinada por instrutores estadunidenses e britânicos para conduzir “a operação antiterrorista” em Donbass. O acampamento de verão constitui a primeira etapa do recrutamento de soldados crianças, escreve Michel Chossudovsky em um artigo documentado ilustrado com fotos[1] (ver www.globalresearch.ca/ ). Além de atirar, ensina-se o ódio às crianças: “nós mataremos todos os russos”, jura um deles.

A foto de uma criança ucraniana cuja vida foi incendiada pelo “Sol Negro” nazista não é menos terrível que a da criança síria morta no Mediterrâneo.

Esta imagem, que segundo a fábula atualmente em curso, teria tocado o coração dos maiores representantes dos mesmos governos responsáveis por guerras e dos consecutivos terremotos sociais provocados nas últimas décadas pela estratégia dos Estados Unidos e da Otan. Guerras e embargos ao Iraque, à Iugoslávia, ao Afeganistão, à Palestina, à Líbia, à Síria e à Ucrânia provocaram a morte de milhões de crianças (meio milhão assassinadas por dez anos de embargo contra o Iraque). Suas fotos não foram divulgadas pelos grandes meios de comunicação.

E se acrescentam às pequenas vítimas as crianças educadas a odiar e a matar por movimentos como o Isis e os batalhões neonazistas ucranianos, para cuja formação contribuíram de maneira determinante os Estados Unidos e as potências europeias para desmontar por dentro Estados inteiros. Conta-se que o governo britânico decidiu acolher 15 mil refugiados porque ficou emocionado pela foto do pequeno menino sírio morto. Ao mesmo tempo, esse mesmo governo anunciou que pretende obter sinal verde do parlamento para realizar uma ação militar “contra o regime mau de Assad e contra o Isis”. E o ministro (italiano) das relações exteriores Gentiloni anunciou que, em face do drama dos refugiados, vai começar a segunda fase da missão EuNavForMed “contra os traficantes de seres humanos”, cujo objetivo final na realidade é a ocupação militar das zonas costeiras líbias estrategicamente e economicamente mais importantes.

O êxodo dos refugiados para a Europa provocado pelas guerras está, assim, sendo utilizado para fins estratégicos: por Washington para pôr sob pressão os países europeus reforçando a influência estadunidense na Europa utilizada como primeira linha de combate contra a Rússia e base de lançamento das operações militares dos Estados Unidos e da Otan no Oriente Médio e no Norte da África; pelas maiores capitais europeias para preparar a opinião pública para outras guerras vendidas como “operações humanitárias de paz”. Sem a consciência política das causas reais e das soluções possíveis desse êxodo, pode-se instrumentalizar até mesmo o apoio humanitário que numerosos cidadãos europeus dão aos refugiados e igualmente pode-se utilizar os próprios refugiados como massa de manobra e face dos países de onde provêm.

E outras crianças morrerão, quase todas sem foto.

1 – http://www.globalresearch.ca/military-training-for-young-children-at-ukraines-neo-nazi-summer-camp-recruitment-of-ukraines-child-soldiers-financed-by-us-nonlethal-military-aid/5472801

Fonte: Il Manifesto. Traduzido do francês pelo Blog da Resistência.

* Jornalista, geógrafo e cientista político. Escreve regularmente no jornal italiano Il Manifesto

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