Albano Nunes: Síria

20/09/2015

O drama dos refugiados na Europa tem sido amplamente mediatizado para desviar a atenção da crise do processo de integração capitalista europeu, retocar a imagem de uma Alemanha profundamente desacreditada pelas brutais imposições à Grécia, justificar apelos a “uma autoridade forte” que reforce ainda mais o carácter supranacional da UE e, sobretudo, esconder as verdadeiras causas e responsáveis pela onda de fugitivos da guerra e da morte.

E nos últimos dias, com a entrada em cena dos EUA (que se propõem receber dez mil refugiados sírios) tornou-se evidente que o imperialismo procura instrumentalizar a “crise dos refugiados” para dar um rosto “humanitário” à sua intervenção na Síria e, a coberto do “combate” ao “Estado Islâmico”, intensificar as operações militares contra o regime presidido por Bashar al-Assad. A França de Hollande, certamente saudosa dos tempos em que a partilha imperialista dos despojos do Império Otomano lhe atribuiu um mandato colonial sobre a Síria e o Líbano, tomou a dianteira e anunciou bombardeamentos em território sírio. Agora é Obama que, obcecado pelo derrube do governo sírio, vem ameaçar a Federação Russa, que mantém com a Síria uma aliança de muitas décadas, pela sua assistência militar a Damasco.

Ao mesmo tempo que é necessário exigir solução humanitária e política urgente para a dramática situação dos refugiados, não pode permitir-se qualquer distração quanto à estratégia agressiva do imperialismo. É hoje evidente que o misterioso “Estado Islâmico” foi uma criação do imperialismo norte-americano e da reação árabe para justificar a política de ingerência, desestabilização e guerra em toda a região e, em particular, para liquidar a resistência da Síria ao dictat dos EUA e ao seu projeto do “Grande Oriente Médio”. Depois de quatro anos de aberta ingerência e brutal agressão das grandes potências da Otan; de sucessivos fracassos e derrotas de “alianças” mercenárias forjadas, armadas e comandadas no exterior; de milhares e milhares de mortes e imensas destruições; de mais de seis milhões de deslocados internos e quatro milhões de refugiados (a esmagadora maioria nos países limítrofes: Turquia, Líbano e Jordânia), a Síria continua a resistir, e isso é inaceitável para o imperialismo. O relançamento da campanha contra este país, procurando responsabilizar o seu governo pela crise dos refugiados e levantando de novo a acusação de utilização de armas químicas e de outros crimes de guerra, não é prenúncio de nada de bom. É necessário desmascarar a tentativa de transformar em bode expiatório a própria vítima.

É oportuno lembrar que a Síria foi durante muito tempo o mais estável país do Oriente Médio; que esteve sempre na primeira linha de combate ao expansionismo sionista que desde 1976 ocupa ilegalmente os seus Montes Golã; que desde a sua revolução anticolonial praticou uma política externa anti-imperialista e de cooperação com o campo socialista; com governos dirigidos pelo partido Baas assentes em alianças em que participam comunistas e outros partidos nacionalistas e progressistas; que tem sido refúgio e retaguarda de palestinos e outras forças ilegalizadas nos seus países. Num quadro de completa independência e respeito pelas diferenças, o PCP tem mantido relações como o partido Baas no poder e o próprio camarada Álvaro Cunhal visitou este país. Com os seus problemas e contradições a Síria tem desempenhado um papel globalmente progressista no plano árabe e no mundo. É esta realidade que o imperialismo quer a todo o custo abater enquanto na Turquia, com a cumplicidade do “mundo ocidental e cristão” está em marcha uma feroz escalada de repressão do povo curdo e a ditadura saudita bombardeia a capital do Iêmen.

Fonte: “Avante!”, órgão central do Partido Comunista Português

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