A solidariedade internacionalista militante e a diplomacia
A solidariedade internacionalista é um dever indeclinável de todo militante dos movimentos políticos e sociais, incluindo os comunistas, socialistas e ativistas da esquerda consequente e revolucionária.
Por José Reinaldo Carvalho*
Não somente por definição ideológica, por afirmação teórica de princípios, mas também como condição essencial para a realização de um programa de lutas transformador.
A luta pelo socialismo abrange um feixe de questões a enfrentar concomitantemente. Em países como o Brasil, entrelaçam-se a luta nacional, a democrática e a social. Isto tem a ver com a natureza das classes dominantes brasileiras, atadas por mil e um fios com os potentados imperialistas internacionais, traço ainda mais saliente na época presente, de globalização da economia e domínio do capital financeiro e transnacional, o que atua como fator determinante para que a luta nacional seja encarada como um aspecto essencial da luta anticapitalista e anti-imperialista, por essência uma luta democrática e de classes, que objetivamente se volta contra a burguesia monopolista e financeira.
Por razões de sobrevivência, a classe dominante assume posições antinacionais, dando nova dimensão à atividade de solidariedade internacional, que passa a ter maior incidência na luta política e social cotidiana.
Assim, o ativismo internacionalista da esquerda passa a ser também uma questão interna, transversal a todas as frentes de militância.
Há no país uma organização social, o Cebrapaz, dedicada à solidariedade internacional e à defesa da paz, do ponto de vista democrático, popular e anti-imperialista, atuando unitariamente com todo o movimento social brasileiro na perspectiva de ativar a solidariedade com os povos agredidos pelas potências imperialistas. É lúcida a definição de fundir num só movimento a defesa da paz e a solidariedade internacional e de atuar com perspectiva unitária.
A defesa da política externa brasileira e o apoio a que se desenvolva mais e mais como fator diferencial na luta por uma nova ordem mundial se tornou importante aspecto da atividade internacionalista. O Brasil tornou-se ponderável ator internacional e as posições que assume falam com nitidez sobre o caráter do governo. Foi somente a partir da vitória da esquerda nas eleições de 2002, que o país passou a ter uma política externa inteiramente nova, verdadeiramente independente. Para além de corresponder à emergência do país como força econômica e geopolítica significativa na cena internacional, a política externa brasileira em muito tem contribuído para defender a paz mundial, fomentar a cooperação, ativar a solidariedade, contornar o hegemonismo, impulsionar a integração regional com parâmetros de independência e soberania, preconizar a democratização das relações internacionais, a prevalência do direito sobre a força e reformar as instituições do sistema ONU.
Tudo isso com o pressuposto da ação autônoma, livre das pressões de países que, tanto nas relações bilaterais, como no âmbito do Conselho de Segurança, que instrumentalizam, forcejam no sentido de que o país vote resoluções que se afastam da linha geral da sua própria política externa. De um modo geral, a nossa diplomacia tem atendido bem à exigência de defender a paz e se solidarizar com países agredidos.
Contudo, a recente mudança de voto do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao votar contra a República Popular Democrática da Coreia e a Síria, favoravelmente a resoluções apresentadas por forças hostis a esses países, chama negativamente a atenção dos ativistas da solidariedade internacional. Um recurso válido de voto, a que a nossa diplomacia recorre quando se trata de temas sensíveis e muito controversos é a abstenção. Teria que haver um motivo muito forte, uma mudança radical na atuação dos governos da Síria e da Coreia Popular para o Brasil passar da abstenção ao voto contrário.
A própria Missão Permanente do Brasil junto ao Escritório das Nações Unidas, ao fundamentar o voto brasileiro contrário à Coreia Popular, assinala: “O Brasil reconhece que o engajamento do Governo da República Popular Democrática da Coreia durante a segunda revisão periódica universal, com a aceitação de 113 dos 268 recomendações feitas, é digno de nota”.
Não seria mais razoável, então, já que na visão da diplomacia brasileira a Coreia Popular deu passos positivos no sentido das proposições da ONU, merecer um crédito de confiança? Igualmente, ponderamos que no atual quadro mundial, resoluções contrárias a países soberanos abrem caminho à intolerante e antidemocrática política de sanções, que o Brasil tradicionalmente condena, por serem contraproducentes, segundo a visão do Itamaraty.
Também não é aceitável que o Brasil vote contra a Síria, um país agredido, dilacerado por uma guerra civil imposta desde o exterior e que luta com denodo contra o terrorismo. A Síria precisa da solidariedade e do apoio da comunidade internacional.
Obviamente, questões de Estado têm uma dimensão própria para encaminhamento e solução. A nossa manifestação fraterna parte do pressuposto de que há uma dimensão militante, democrática, participativa, que se expressa por meio de partidos políticos e movimentos políticos e sociais, de caráter colaborativo, que não exclui o questionamento e a crítica construtiva, a ser absorvida pelo Estado e o Governo.
*José Reinaldo Carvalho é jornalista, pós-graduado em Política e Relações Internacionais. É secretáriio de Política e Relações Internaconais do PCdoB