José Reinaldo: Na Venezuela, a luta pelo socialismo está apenas começando

07/12/2015

Pela primeira vez em 17 anos, a contrarrevolução venezuelana alcança uma vitória eleitoral expressiva e constitui maioria na Assembleia Nacional, o parlamento unicameral do país.

Por José Reinaldo Carvalho (*)

A oposição, agrupada na coalizão direitista Mesa da Unidade Democrática (MUD), elegeu 99 deputados, contra 46 da coalizão Grande Polo Patriótico, em que se aglutinam os partidos da Revolução Bolivariana, sob a liderança do Partido Socialista Unificado da Venezuela, o PSUV. Ainda há 22 cadeiras em disputa, que se definem nesta segunda-feira (7), com o término da apuração.

O elevado comparecimento de 74,25% do eleitorado e a participação democrática e cívica – segundo balanço realizado pelo Poder Eleitoral, pelas Forças Armadas Nacionais Bolivarianas, observadores e acompanhantes internacionais e veículos de comunicação, o pleito transcorreu em clima pacífico, sem incidentes – revelam o grau de amadurecimento das instituições democráticas da Revolução Bolivariana. A lisura dos procedimentos eleitorais, a transparência na apuração dos resultados e seu pronto reconhecimento pelo presidente da República, Nicolás Maduro, calam as vozes agourentas que anunciavam fraude, violação da lei ou mesmo golpe. Sereno, o chefe de Estado, em pronunciamento à nação, disse: « Viemos com nossa moral, com nossa ética reconhecer estes resultados adversos, aceitá-los, e dizer à Venezuela que triunfou a Constituição e a democracia ».

O avanço eleitoral das forças contrarrevolucionárias inscreve-se no contexto da brutal ofensiva desencadeada pela direita nacional em conluio com o imperialismo estadunidense, cujo objetivo estratégico é o derrocamento da Revolução Bolivariana e a restauração do poder das classes dominantes. Intermitentemente, essa ofensiva se torna mais aguda e já se manifestou por vias golpistas, antidemocráticas e ameaças de intervenção.

As primeiras tentativas para desestabilizar a Revolução Bolivariana foram o golpe de Estado de abril de 2002, a greve no setor petroleiro e o lock-out patronal, de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003. No início do ano passado, o país conheceu um movimento insurgente instrumentalizado por forças direitistas e imperialistas, que tentaram impor-se pela violência contrarrevolucionária, nos moldes das chamadas operações de mudança de regime, vitoriosas em outras latitudes. Desde março do ano em curso, a Venezuela encontra-se sob ameaça de sanções e intervenção do imperialismo norte-americano a partir da emissão pelo governo de Barack Obama de um decreto considerando o país uma “ameaça” à segurança dos Estados Unidos.

O triunfo eleitoral das forças de direita venezuelanas foi construído sobre a base de uma brutal guerra econômica e sabotagens de toda a ordem, inclusive o desabastecimento por ação de especuladores, numa situação em que já é de per si grave a crise econômico-financeira, relacionada à queda dos preços do petróleo e com as vicissitudes próprias de um país que importa 70% do que consome e não conseguiu promover mudanças substanciais em seu modelo produtivo.

Abre-se uma nova etapa, numa situação política momentaneamente adversa, de desenvolvimento da luta do povo venezuelano pela edificação de uma nação independente, com justiça social e solidariamente integrada com o conjunto da região latino-americana e caribenha. O desafio é manter na nova situação a perspectiva anti-imperialista e socialista, inaugurada pelo líder histórico da Revolução Bolivariana, prematuramente falecido em cinco de março de 2013.

A vitória eleitoral da direita acrescenta dificuldades, mas não significa a derrocada da Revolução. No curto prazo, as forças direitistas vão entrincheirar-se na maioria alcançada na Assembleia Nacional para, adotando uma estratégia de confronto e dualidade de poderes, impor novas derrotas à Presidência da República e demais instituições democráticas da Revolução, buscando promover mudanças que façam retroceder as conquistas históricas. Na alça de mira, as eleições presidenciais de 2019.

Em seu primeiro pronunciamento após a proclamação do resultado, o presidente Maduro chamou a militância socialista a “retomar o ânimo, com muito detalhe, com muita qualidade humana”, e conclamou essa militância a contribuir para « acelerar uma profunda revolução econômica e produtiva », confiante em que “é agora que começa a luta pela construção do socialismo, de uma nova sociedade”.

No momento de dificuldade por que passa o povo venezuelano, é mais necessária do que nunca a solidariedade plena, indeclinável e sem ambiguidades, o que não faltará por parte dos comunistas brasileiros. A experiência revolucionária iniciada com a eleição de Hugo Chávez em 1998 tem grande valor teórico e prático para todo o movimento progressista na América Latina. A Revolução Bolivariana continua sendo uma importante reserva estratégica das forças progressistas em toda a região.

Visto desde uma perspectiva histórica, como experiência de emancipação nacional e social, o processo revolucionário venezuelano está a rigor no seu começo. Tendo por essência o anti-imperialismo, é uma expressão da resistência e da luta desse e dos demais povos oprimidos à ofensiva neocolonialista das potências internacionais sob a égide do imperialismo estadunidense.

Outro aspecto essencial da Revolução Bolivariana é a edificação da democracia popular, o protagonismo das massas, sua unidade e mobilização permanente.

Faz parte também do seu escopo a unidade dos povos latino-americanos e caribenhos, que tanto avançou com a criação da Aliança Bolivariana dos Povos de Nossa América (Alba) e da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac).

O governo do Grande Polo Patriótico, primeiramente com Chávez e agora com Nicolás Maduro, têm um ambicioso programa de reformas sociais a cumprir, permanece em seu horizonte o combate à pobreza, a promoção da justiça social, o aprofundamento da democracia, a mudança do modelo econômico.

A assimilação da derrota deste 6 de dezembro, quando o primeiro triunfo eleitoral completava 17 anos, o aprendizado das lições e a abertura de novas perspectivas já ocupavam as forças revolucionárias na madrugada desta segunda-feira (7), cujo apontamento principal é a defesa das conquistas alcançadas e o recomeço da luta pelo socialismo, numa etapa mais complexa e difícil.

(*) Jornalista, editor do Blog da Resistência, secretário de Política e Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil

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