50 anos de luta contra o império
Há 50 anos terminava um grande encontro em Cuba que reuniu representantes da África, Ásia e América Latina em torno da luta anti-imperialista. Foi então fundada a Organização de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina (Ospaaal). Abaixo, reproduzimos interessante artigo do camarada Alex Soza Orellana, do Partido Comunista do Chile e integrante do Secretariado Executivo da Ospaaal, que resgata a memória daquele primeiro encontro, principalmente quanto à participação do então senador Salvador Allende. Leia também a mensagem de saudação que o PCdoB enviou à Lourdes Cervantes Vázquez, Secretária Geral da Ospaaal.
A Tricontinental faz 50 anos; memória da presença do Chile e de Allende
De 3 a 15 de janeiro de 1966 realizou-se em Havana, Cuba, a Primeira Conferência Tricontinental.
Participaram no magno evento 483 representantes de partidos, movimentos e organizações políticas e sociais, sindicais, de estudantes, de mulheres, de 82 países e também de alguns organismos internacionais e países socialistas, convidados e como observadores.
Nunca antes se havia convocado tantos representantes dos povos da África, Ásia e América Latina. Em tão dessemelhantes realidades de cada povo, de sua cultura, de suas crenças, de sua filosofia e de suas ideias, havia um denominador comum: a luta anti-imperialista. Uma luta contra o colonialismo e o neocolonialismo, contra o racismo e muitas outras manifestações em que se expressa o imperialismo, a opressão, a exploração, a agressão e a intervenção armada, e nisto a sua máxima representação, o imperialismo norte-americano.
A alma e o promotor desta Conferência foi o marroquino El Mehdi Ben Barka que lamentavelmente não pôde ver realizados os seus esforços como ativo organizador desta primeira Conferência Tricontinental porque uns dois meses antes, em 29 de outubro de 1965, foi sequestrado e depois de cruéis torturas foi selvagemente assassinado e desaparecido.
Estiveram presentes centenas de dirigentes de organizações revolucionárias, políticas e sociais, entre eles Amílcar Cabral de Cabo Verde, Luis Augusto Turcios Lima da Guatemala, o guianense Cheddy Jagan, Pedro Medina Silva da Venezuela, Nguyen Van Tien, do Vietnã do Sul, e o uruguaio Rodney Arismendi. Pelo Chile participou uma delegação em que se contava com as presenças do escritor Manuel Rojas, Clodomiro Almeyda, Salvador Allende e outros mais.
Efetivamente Allende, que então era senador, participou nesse magno encontro realizado em Havana. Sem dúvidas era a figura mais destacada da delegação chilena, que representava a FRAP, Frente de Ação Popular, constituído fundamentalmente por socialistas e comunistas.
Recordemos que naquele momento o Chile era governado pelo democrata-cristão Eduardo Frei Montalva que tinha vencido a Allende por escassa diferença de votos nas eleições de 1964. Frei foi apoiado pelo governo norte-americano, a CIA, e em seu governo o imperialismo tratou de levar adiante a chamada “Revolução em Liberdade” dentro do marco também da “Aliança para o Progresso”, todos os esforços para tratar de se contrapor à influência da triunfante Revolução Cubana em nossa América.
Naquele momento Allende já era uma figura reconhecida internacionalmente, tinha visitado Cuba em várias ocasiões e se orgulhava de ser amigo de Che Guevara, de Fidel e de Raúl.
É interesante preguntarmo-nos o que fazia, o que postulava Allende nesta Primeira Conferência Tricontinental, onde em meio de acalorados debates se repetia unanimemente como tema central as formas mais eficazes para levar adiante a luta para conquistar o poder, para vencer e acabar com o colonialismo, o neocolonialismo, o racismo, a exploração de nossos povos, o roubo de nossas riquezas naturais; nesse debate o critério mais forte era a luta armada por cima de outras formas de transição pacífica. Havia um ambiente de fervor revolucionário, onde ressoavam as palavras de Fidel: “O dever de todo revolucionário é fazer a revolução”, e também a palavra de ordem do Che, de “criar dois, três Vietnãs, como única forma para consegui-lo.
Assinalo isto porque sabemos que Allende sendo um lutador social, um político com uma vasta experiência, estava há anos amadurecendo a convicção de que se podia levar adiante um processo revolucionário, democrático e de justiça social pela “Via Pacífica”, não armada. Apesar disto, nunca deixou de apoiar e solidarizar-se fervorosamente com os povos que levavam adiante seus esforços libertários com a luta armada.
Em sua intervenção em 5 de janeiro daquele ano de 1966, assinalou: “Será o próprio povo do Chile e serão as condições de nosso país que determinarão que façamos uso de tais ou quais métodos, para derrotar o inimigo imperialista e seus aliados”. E mais adiante assinala: “Estamos com os povos da Ásia e da África e do mundo árabe, que combatem com as armas no Congo, nas colônias portuguesas, no Iêmen, no Laos, especialmente no Vietnã, contra o inimigo comum. Estimamos que suas lutas são valiosas ajudas para os povos latino-americanos que, à sua maneira e em cada uma das frentes, se opõem ao imperialismo”.
“Estamos com os combatentes da Guatemala, Colômbia, Venezuela, Peru e em especial com o valoroso povo dominicano, com cuja heroica batalha por conquistar sua liberdade e expulsar os invasores ianques nos solidarizamos. Estamos também com os que brigam para derrotar o imperialismo. ”
Penso que de todas as formas seu pensamento não estava fora do contexto dos objetivos desta Conferência e assim vemos que dentro de suas conclusões se postulou “o direito dos povos de obter sua libertação política, econômica e social utilizando todas as vias necessárias incluindo a luta armada”.
Em sua intervenção Allende faz um forte chamado pela unidade: “Companheiros: a delegação do Chile se esforçará para que a solidariedade dos povos dos três continentes alcance nesta Conferência os melhores instrumentos de ação, colocando acima de tudo o seu afã de unidade mundial anti-imperialista. Unidade baseada na luta intransigente que leva à derrota as forças que impedem o avanço dos povos da Ásia, África e América Latina rumo à democracia, o socialismo e a paz; unidade para passar com decisão à ofensiva e conquistar a independência econômica e a soberania política de nossos povos. Unidade para dar ao homem a dignidade que hoje se lhe nega. Unidade para acabar com a fome, a enfermidade e a miséria moral e fisiológica. Unidade para estruturar a nova sociedade, sem explorados e exploradores. Unidade para construir o socialismo”.
Salvador Allende propôs e foi aprovada a criação da OLAS, Organização para a Solidariedade da América Latina, que se constituiu em 1967.
O certo é que Allende triunfou em 1970, e levou adiante mudanças revolucionárias econômicas e sociais e até os últimos dias de seu governo e últimos momentos de sua vida recebeu o apoio majoritário do povo, especialmente dos trabalhadores.
Allende morreu em setembro de 1973, combatendo, com as armas na mão, e defendendo seu governo, suas ideias e o mandato que o povo lhe deu. Sua morte se enquadra nos marcos de toda uma série de assassinatos políticos instigados pelo imperialismo e seus seguidores; vem-nos à memória já em 1961 o assassinato de Patrício Lumumba no Congo; no ano de 1965, além de Ben Barka, foi assassinado Malcom X nos Estados Unidos, em 1966 é assassinado o venezuelano Fabrício Ojeda, em 1967 Che Guevara, Martin Luther King em 1968, o brasileiro Carlos Marighella em 1969 e em 1973 assassinaram o grande líder africano Amílcar Cabral. Enfim, una lista bastante numerosa de sangrentos fatos ainda sob indigna impunidade.
Depois do golpe de Estado e da morte de Allende se instala no Chile uma ditadura fascista, naturalmente o povo resiste e luta contra o tirano, esta luta antifascista recebe uma grande solidariedade internacional, nela a OSPAAAL joga um papel importante, com a denúncia dos crimes da ditadura, das flagrantes violações dos direitos humanos, coordena e apoia todas as ações do Comitê Chileno de Solidariedade com a Resistência Antifascista que estava radicada em Havana.
A Revista Tricontinental, órgão da OSPAAAL, foi o espaço de informação, de denúncia e de solidariedade combatente. Solidariedade que se expressou também em cartazes, verdadeiras obras primas, que contribuíram significativamente para fortalecer a luta, para conscientizar o mundo, denunciar o que estava acontecendo no Chile. A solidariedade salvou vidas, salvou das garras do fascismo muitos dirigentes e pessoas progressistas, inclusive estrangeiros que naqueles momentos estavam radicados no Chile.
A filha desta Primeira Conferência foi a Organização de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina cuja sede e Secretariado Executivo, com representantes dos três continentes, está em Havana, Cuba, sendo que o Partido Comunista do Chile é membro deste Secretariado. Seus objetivos se mantêm vigentes. Hoje, quando a grande maioria dos povos que participaram na Conferência são livres e independentes, a luta adquire matizes diferentes, mas segue a luta anti-imperialista, contra suas políticas neoliberais, contra suas ações, que são as mesmas.
Ainda permanecem algumas manchas por lavar, como Porto Rico, Palestina e Saara Ocidental, que ofendem a razão. Necessariamente essas lutas adquirem também formas violentas para resolver sua situação, mas a solidariedade é primordial.
Em nossa América, como dizia um intelectual cubano, “o Vietnã que nos cabe não é o aniquilamento de forças militares do império na selva, o assalto vitorioso contra seus redutos, nem a derrubada de seus bombardeiros. Os golpes serão mais contundentes e demolidores porque estão sendo assestados no terreno da libertação econômica, da liberdade política, da ampliação da democracia, da participação popular, garantindo educação e saúde para todos, desmontando o domínio corrupto e repressivo das burguesias nacionais clientelistas, ampliando e fortalecendo os processos de integração regional e terceiro-mundista”. Hoje os golpes foram na Venezuela, na Bolívia, no Equador, em El Salvador, na Nicarágua, os golpes foram na derrota da Alca, no surgimento e fortalecimento da Alba, da Unasul e da Celac. Os golpes foram no terreno das ideias, as pessoas, os povos começaram a conhecer, a saber e tomam consciência de suas próprias forças, reconhecem e identificam os verdadeiros inimigos.
Neste 50º aniversário, fica o compromisso de seguir adiante com nossa poderosa arma que é a solidariedade, a solidariedade combatente contra todas as injustiças, agressões, contra todo conflito armado em qualquer lugar do planeta com a convicção de que nesta luta global contra o inimigo da humanidade, pela verdadeira independência e a paz, nada nem ninguém está nem será esquecido.
Dr. Alex Soza Orellana
Partido Comunista do Chile
Membro do Secretariado Executivo da OSPAAAL
Havana, 14 de janeiro de 2016.
Tradução de José Reinaldo Carvalho