Colômbia
Farc: “Nossa atividade revolucionária seguirá, sem armas”
Em entrevista concedida à Calle2, Lucas Carvajal, integrante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) fala sobre o acordo firmado com o governo colombiano e o projeto de o grupo criar um novo partido político.
Com 52 anos de ação, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) são a guerrilha mais antiga em atuação no continente. O grupo, porém, passará por profundas mudanças, por conta do acordo de paz que foi referendado, em 23 de junho, entre as Farc e o governo colombiano. Num processo complexo, resultado de quatro anos de negociações, as Farc devem deixar as armas e ingressar na vida civil, provavelmente como um novo partido político.
“Um dos temas de discussão da mesa no atual momento é sob que condições transitamos para a atividade política legal. Acreditamos que podemos ser catalisadores da unidade das esquerdas e dos setores democráticos”, afirmou com exclusividade à Calle2, por e-mail, Lucas Carvajal, integrante da Delegação de Paz das Farc. O guerrilheiro, que integra o Bloco Alfonso Cano das Farc, com atuação no sul da Colômbia, falou sobre os termos do acordo de paz, os desafios para o fim da guerra e os planos do grupo de participar da política partidária e institucional do país.
Qual a importância histórica deste acordo e como as Farc creem que contribui para alcançar seus objetivos gerais como movimento?
Contribui por ser a porta para que, na Colômbia, existam bases mínimas para o jogo democrático em que nossa atividade revolucionária possa desenvolver-se sem armas. Tudo o que permite ampliar os cenários para as lutas sociais é uma vitória para o campo popular e um avanço progressista no caminho revolucionário.
Os acordos avançam significativamente para eliminar as causas iniciais da insurgência armada das Farc?
Os pontos 1 e 2 do acordo remetem a aspectos essenciais para o levante armado: a inquietude no mundo rural e a intransigência do sistema político. Conseguir uma mudança radical em ambos os temas, sem dúvida nenhuma, muda o contexto das lutas sociais em nosso país. Se conseguirmos fazer efetivas as medidas de desarticulação do para-militarismo, estamos diante de uma real democratização da Colômbia. A etapa seguinte da luta é a efetiva implementação do acordado e esta será uma fase de intensa mobilização social para evitar que o governo execute o que foi acordado seguindo apenas seu interesse e fazendo do seu jeito.
O acordo é fruto de uma negociação entre forças até então inimigas. De tal maneira, não poderia existir um acordo ideal para cada uma das partes e sim o que foi possível tornar consenso. Nesse sentido, que avanços considera mais importantes e que limitações as Farc veem no que foi assinado em Havana?
O avanço principal é gerar as condições para que, como organização, possamos entrar na vida política com nossos ideais intactos e derrubando todos os preconceitos midiáticos que se estabeleceram contra nós nos anos de guerra suja. Mais que de limitações, falaria de desafios. O novo cenário vai confrontar-nos com uma realidade distinta à do conflito armado, na qual deveremos aprender a atuar em novas circunstâncias. Isso não vai ser fácil para nenhum combatente das Farc. Mas saberemos seguir adiante.
Em relação ao abandono das armas e à justiça neste período de transição, como se darão esses processos tão complexos? Que garantias e riscos existem neles?
O processo de abandono das armas deverá iniciar-se depois da assinatura do Acordo Final em uma área acordada entre as partes, onde deverão concentrar-se as unidades guerrilheiras iniciando-se um processo paulatino de 180 dias − em que o armamento das Farc será recebido por etapas pela ONU (Organização das Nações Unidas). Paralelamente a isso, deverá funcionar um mecanismo de monitoramento e verificação em que participarão as Farc, o governo, uma instituição internacional e a observação das comunidades organizadas. Este mecanismo se encarregará de verificar o efetivo cumprimento da separação de forças e dos protocolos acordados.
Por sua parte, o Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não-Repetição e seus mecanismos entrarão em operação também após a assinatura do Acordo Final. Dentro dele jogam um papel central a Comissão para Esclarecimento da Verdade e a Jurisdição Especial para a Paz, que são seus mecanismos centrais. A comissão se encarregará de construir a verdade sobre o acontecido no marco do conflito através de audiências públicas em que as vítimas terão papel central. Seu Relatório Final deverá ser um documento transformador para a construção de um relato nacional sobre os horrores de mais de meio século de guerra.
Por sua vez, a Jurisdição Especial para a Paz será o mecanismo de justiça para o término da guerra e se encarregará de todos os casos de violações de direitos humanos e infrações ao Direito Internacional Humanitário ocorridos no marco do conflito. Não é um tribunal contra as Farc, e sim um mecanismo de justiça para todos: a guerrilha, as forças militares, as forças políticas e econômicas do país. O enfoque dessa jurisdição é de novo direito e de reconhecimento da rebelião, construindo uma alternativa ao direito penal atual e abrindo espaços para a participação das vítimas em todo o processo.
Com o acordo aprovado pela população da Colômbia, qual a estratégia das Farc para entrar na política? Há avanços para a criação de um novo partido político?
Esse é um dos temas de discussão da mesa no atual momento: sob que condições transitamos para a atividade política legal. Acreditamos que podemos ser catalisadores da unidade das esquerdas e dos setores democráticos, mas especialmente do heterogêneo campo dos movimentos sociais que hoje são determinantes na política colombiana. Há um momento político especial no país, derivado do apoio maciço ao processo de paz e esta é uma grande oportunidade para construir uma agenda entre todo o campo popular. Não queremos ser nem vanguardistas nem hegemonistas nesse processo.
Ainda está fresco na memória o caso do genocídio político da UP (União Patriótica) e seguem as denúncias de atuação de forças paramilitares. Que garantias as Farc têm de que isso não voltará a acontecer?
No dia 23 de junho acordamos um importante ponto sobre Garantias de Segurança. Nele se assentam as bases para que o complexo fenômeno do para-militarismo seja efetivamente desmontado e esclarecido através de diversas estratégias e instâncias. Adicionalmente se estabelecem as medidas para o sistema de segurança dos combatentes das Farc depois de deixarem as armas. Para esse último se gerará um corpo de segurança e proteção conformado por integrantes das Farc destacados para essa função.
Fonte: Calle2