Opinião

EUA e Rússia quebram o gelo, mas a paz na Ucrânia ainda é um desafio complexo

23/02/2025

Existem interesses geopolíticos em confronto que ainda tornam difícil um acordo de paz duradouro na Ucrânia

Por José Reinaldo Carvalho – Após anos de tensões em que as relações bilaterais chegaram à beira da ruptura, com o uso de retórica hostil e até mesmo ameaças de guerra nuclear, as delegações russa e americana se reuniram nesta semana em Riad, capital da Arábia Saudita, em um encontro que durou mais de quatro horas e abordou temas sensíveis, como a reconstrução das relações bilaterais, a preparação para uma possível reunião entre Vladimir Putin e Donald Trump e o conflito na Ucrânia.

A reunião contou com figuras de peso de ambos os lados. A Rússia enviou seu ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, além do assessor presidencial Yury Ushakov e do CEO do Fundo Russo de Investimento Direto, Kirill Dmitriev. Do lado americano, estavam presentes o Secretário de Estado Marco Rubio, o conselheiro de segurança nacional Mike Waltz e o enviado especial para o Oriente Médio Steve Witkoff. A composição das delegações indica a prioridade de ambas as partes para quebrar o gelo, suspender hostilidades, recompor as relações, estabelecer parcerias e dar passos concretos para abrir negociações objetivas que conduzam ao fim do conflito na Ucrânia.

Ainda é cedo para chegar a conclusões definitivas sobre o alcance das conversações de Riad. Não é simples deslindar o que é a teatralidade de afirmações altissonantes do ocupante da Casa Branca de uma correta e séria demarche diplomática, o que são intenções pacíficas por um novo equilíbrio do mundo e o que são os interesses estratégicos de uma superpotência declinante e agressiva, distinguir entre uma mensagem de acomodação a uma nova realidade mundial multipolar e um discurso demagógico para um público interno ao qual se prometeu uma “América forte de novo”.

Se de um lado Trump elogiou as negociações com a Rússia na Arábia Saudita como um “grande passo”, e chegou a dizer que se encontrará com o presidente russo Vladimir Putin ainda no mês de fevereiro, o chefe do Kremlin, que também fez boa avaliação das conversas em Riad, foi mais cauteloso sobre a data para a realização da cúpula presidencial: “Quanto tempo isso levará, não estou pronto para responder agora, mas temos o desejo de realizar tal reunião”. Por sua vez, o assessor Ushakov, ao avaliar as conversas em Riad, disse que “ainda é cedo para falar em convergência de posições” e que a Rússia e os EUA concordaram em “levar em conta os interesses um do outro”, uma frase que soa bem, mas que, na prática, pode significar pouco. De qualquer forma, decidiram estabelecer um mecanismo de consulta para normalizar as relações diplomáticas.

Quanto ao conflito ucraniano, o secretário de Estado Marco Rubio e o ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov concordaram em formar equipes de alto nível para trabalhar em uma solução política para que este chegue ao fim.

Obviamente, o diálogo entre estas duas superpotências é um primeiro passo, mas insuficiente para estabelecer uma paz duradoura, que depende da resolução de questões complexas. A reunião em Riad foi ums medida importante, mas ainda é cedo para fazer um prognóstico certeiro sobre o fim da guerra na Ucrânia. A busca por uma solução política para o conflito na Ucrânia permanece complexa e desafiadora.

A Rússia mantém a postura que adotou desde que decidiu desencadear a Operação Militar Especial há exatos três anos, insistindo em suas demandas por garantias de segurança que incluam a neutralidade da Ucrânia e a não expansão da Otan para o leste. Ao longo destes três anos, criou-se nova realidade territorial com a integração à Federação Russa das regiões de Donetsk, Lughansk, Zaporíjia e Kherson, o que torna qualquer negociação sobre fronteiras extremamente difícil. Nos últimos dias, as autoridades russas reiteraram que é necessário para encontrar uma solução política para o conflito, compreender as causas que o geraram e descartaram qualquer presença militar estrangeira na área, ainda que sob o pretexto de tropas garantidoras da segurança e da paz.

A Ucrânia, por sua vez, cujo governo está cada vez mais desmoralizado e desgastado interna e externamente, mantém sua posição de não ceder territórios e de buscar a restauração de sua integridade territorial, incluindo a retomada de áreas ocupadas pela Rússia. O governo de Zelensky tem reiterado a necessidade de apoio militar contínuo dos aliados ocidentais para fortalecer sua posição em eventual negociação. Quer manter suas posições, o que só é possível com ajuda militar maciça dos EUA e da Europa, algo que se tornou difícil em face da decisão de Trump de suspender a ajuda militar. Terá a Europa condições de suportar sozinha o ônus da ajuda à Ucrânia e se lançará à aventura de incursionar no território ucraniano? A compreensão, na realidade o temor que têm alguns governos europeus do nível de reação da Rússia explica a falta de consenso no seio da União Europeia e da própria Otan quanto a dar este passo.

A nova posição dos EUA sob a presidência de Trump representa uma virada significativa na dinâmica do conflito na Ucrânia. Os Estados Unidos, agora sob a presidência de Donald Trump, adotaram uma postura marcadamente diferente daquela mantida por Joe Biden, defendendo a ideia de que os EUA não devem se envolver diretamente em conflitos distantes que não afetam diretamente seus interesses nacionais, refletindo sua visão de “America First”. Em função disso, Trump reduziu significativamente o envio de armamentos e assistência militar à Ucrânia, argumentando que os europeus deveriam assumir a maior parte desse ônus. Ele criticou o que chamou de “esforços excessivos” da administração anterior, sugerindo que os EUA não podem ser o “banco mundial” ou a “polícia global”. E acusou o governo de Zelensky de ter roubado o dinheiro que a Administração Biden despendeu a título de assistência militar.

A partir da reunião de Riad, Trump tem sugerido que a Ucrânia pode precisar ceder territórios para alcançar a paz, uma posição que gerou controvérsia e críticas tanto internamente quanto entre aliados europeus. Igualmente explicitou a opinião de que a Ucrânia não deve ser admitida na Otan. A nova postura dos EUA também afeta a Aliança Atlântica, com Trump reiterando suas críticas à dependência europeia em relação aos EUA para a defesa continental. Ele tem pressionado os membros da OTAN a aumentarem seus gastos militares, sugerindo que os EUA podem reconsiderar seu compromisso com a aliança caso isso não ocorra. Ao reduzir o apoio militar, os EUA estão redefinindo seu papel no cenário global, o que pode levar a um realinhamento das estratégias de todos os atores envolvidos. A posição dos EUA inclui também a ambição de se apossar dos minerais raros da Ucrânia.

Enquanto isso, a Ucrânia enfrenta um cenário mais desafiador, e a Rússia vê uma oportunidade para consolidar seus objetivos.

Diante disso, a União Europeia mostrou contrariedade por não ter sido convidada às conversas de EUA e Rússia sobre a Ucrânia, defende mais sanções e mais recursos para a guerra na Ucrânia, assumindo assim uma posição abertamente belicista. As discussões sobre o tema no âmbito europeu se entrelaçam com o sensível tema da segurança continental e a capacidade de autonomamente os países membros da UE assumirem o ônus, até agora compartilhado com os EUA.

As possibilidades de avanço em uma solução política para o conflito na Ucrânia ainda permanecem limitadas no curto prazo. A Rússia não cederá em suas demandas territoriais e de segurança, enquanto a Ucrânia e seus aliados ocidentais insistem na restauração da integridade territorial ucraniana e na presença de forças estrangeiras sob o pretexto de garantir a segurança e a paz. O pano de fundo continua sendo a existência de interesses estratégicos em confronto, que expressam as dores do parto de um novo sistema de relações geopolíticas.

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