Tensão na Ásia
Estará em preparação um novo incidente de Tonkin?
O governo Trump está buscando deliberadamente esse incidente para desviar a atenção dos fracassos em sua própria casa? O Pentágono espera provocar a China para justificar a expulsão forçada de forças chinesas dessas ilhas no Mar do Sul da China? Sem acesso a comunicações secretas, é impossível responder de uma maneira ou de outra. O que se pode dizer é que as forças armadas estadunidenses estão percorrendo um caminho extremamente perigoso, o que provavelmente levará a um erro de cálculo e a uma guerra, incluindo a nuclear, comenta Michael T. Klare, em The Nation
Por Michael T. Klare (*), em The Nation (**)
Embora a opinião pública, a mídia e o Congresso estadunidenses estejam amplamente concentrados na pandemia, nas demandas por justiça racial e outras preocupações internas, os militares dos EUA mobilizaram todas as suas capacidades nos últimos meses para uma demonstração maciça de força em águas na costa da China. Agora, cada submarino dos Estados Unidos no Oceano Pacífico tem sido deslocado para a área. Dois porta-aviões movidos a energia nuclear e seus navios de escolta estão realizando manobras navais; a Força Aérea enviou bombardeiros B-1 e o Exército está se exercitando para conquistar as ilhas reivindicadas pelos chineses.
No mais provocativo desses esforços, os porta-aviões Nimitz e Ronald Reagan, acompanhados por vários cruzadores e contratorpedeiros, navegaram no Mar do Sul da China Meridional, uma extensão do Oceano Pacífico em frente à China, Vietnã, Malásia, Indonésia e Filipinas, que inclui vários grupos de ilhas reivindicadas inteiramente pela China e em parte por outros países. Os chineses instalaram estruturas militares em algumas dessas ilhas, uma ação que, segundo autoridades dos EUA, viola o direito internacional.
Nos últimos meses, a Marinha dos Estados Unidos deslocou contratorpedeiros armados com mísseis para as “operações de liberdade de navegação” nas águas que cercam as ilhas ocupadas pela China, levando Pequim a enviar seus próprios navios para escoltar os navios de guerra americanos para fora da área. Até agora, essas operações se limitavam a sondagens e provocações, destinadas a demonstrar a recusa de Washington pelas reivindicações da China sobre as ilhas e a instalação de estruturas militares chinesas nelas. As atividades mais recentes, no entanto, sugerem algo mais sinistro e perigoso: a intenção de reverter a ocupação chinesa das ilhas com força militar.
Considere-se que em três ocasiões distintas nesta primavera (hemisfério norte), a Força Aérea estadunidense enviou ao Mar do Sul da China bombardeiros supersônicos B-1B para voos de demonstração de longo raio, em alguns casos deslocando-os desde bases nos Estados Unidos (originalmente concebido como um sistema de entrega nuclear, o B-1B foi convertido em um bombardeiro multiuso capaz de transportar um grande número de bombas e mísseis). Ainda mais ameaçadoramente, em 30 de junho, cerca de 350 paraquedistas da 25ª Divisão de Infantaria no Alasca, voaram pelo Pacífico e simularam um ataque para garantir uma base aérea na ilha de Guam, presumivelmente para ocupá-la com posteriores ondas de soldados estadunidenses; os únicos alvos imagináveis no mundo real para esta operação são as ilhas ocupadas pela China no Mar do Sul da China.
De longe, a maior demonstração da capacidade de guerra de Washington, no entanto, é a operação multitransportadora em andamento. Com cada porta-aviões capaz de fazer decolar mais de 60 aviões de guerra e os navios que os acompanham armados com mísseis de cruzeiro Tomahawk, a força combinada representa uma enorme ameaça à China. Conforme observado pelo almirante James Kirk, comandante do grupo de ataque Nimitz, “nossas operações demonstram a resiliência e a prontidão de nossa força naval e são uma mensagem poderosa de nosso compromisso com a segurança e estabilidade regionais, pois protegemos direitos, liberdades e usos legais de importância crucial do mar”.
Para os líderes chineses, particularmente para o presidente Xi Jinping, isso representa um duro golpe na capacidade de defesa da China e um severo repúdio à sua pretensão de ter alcançado o status de “grande potência” – algo que pode produzir uma imensa raiva e consternação. Não está claro como Pequim responderá a isso, mas é óbvio que a liderança chinesa deve mostrar força em resposta a essas provocações sob o risco de perder a credibilidade aos olhos de uma população chinesa cada vez mais nacionalista.
O site oficial do Exército Popular de Libertação (EPL) da China observou que “ao acumular esses porta-aviões, os Estados Unidos estão tentando demonstrar para toda a região e até para o mundo que continuam sendo a força naval mais poderosa”. Em resposta, o EPL sugeriu que poderia realizar exercícios importantes por conta própria, possivelmente incluindo o uso de “armas mortais para porta-aviões, como os mísseis balísticos antinavios DF-21D e DF-26”.
Com a Marinha do EPL também realizando agora manobras no Mar do Sul da China, não é difícil imaginar como encontros tão próximos entre navios de guerra norte-americanos e chineses podem causar um evento acidental ou equívoco, precipitando um incidente armado e uma enorme escalada. Dado que alguns dos recentes encontros ocorreram perto da foz do Golfo de Tonkin, não é difícil pensar no notório “Acidente no Golfo de Tonkin”, de 24 de agosto de 1964, quando contratorpedeiros estadunidenses deslocados para o então Vietnã do Norte relataram ter captado por radar a presença de torpedos inimigos – uma ação mais tarde considerada falsa, que o presidente Lyndon Johnson adotou para garantir apoio do Congresso a uma intervenção americana em larga escala no Vietnã.
O governo Trump está buscando deliberadamente esse incidente para desviar a atenção dos fracassos em sua própria casa? O Pentágono espera provocar a China para justificar a expulsão forçada de forças chinesas dessas ilhas no Mar do Sul da China? Sem acesso a comunicações secretas, é impossível responder de uma maneira ou de outra. O que se pode dizer é que as forças armadas estadunidenses estão percorrendo um caminho extremamente perigoso, o que provavelmente levará a um erro de cálculo e a uma guerra, incluindo a nuclear. É essencial, portanto, que os membros do Congresso solicitem aos líderes do Pentágono que retirem os porta-aviões Nimitz e Ronald Reagan do Mar do Sul da China Meridional e iniciem conversações com a contraparte chinesa sobre as medidas a serem tomadas para reduzir o risco de um conflito.
(*) Michael T. Klare, correspondente de defesa do The Nation, é professor emérito de estudos mundiais de paz e segurança no Hampshire College e pesquisador sênior da Arms Control Association em Washington. Ele publicou recentemente All Hell Breaking Loose: The Pentagon’s Perspective on Climate Change.
(**) Publicado originalmente em The Nation. Esta tradução para o português foi feita a partir da tradução de Marco Pondrelli para o italiano, publicada em Marx21