Internacionalismo
Esquerda de todo o mundo reúne-se em seminário no México
O 20º Seminário Internacional “Os Partidos e a Nova Sociedade”, organizado anualmente pelo Partido do Trabalho do México, realizou-se com o brilhantismo de sempre nos dias 10, 11 e 12 de março, na Cidade do México. Participaram 315 delegados internacionais, representando 130 partidos, organizações e movimentos políticos e sociais de 41 países, além de cerca de 400 delegados nacionais.
Em um clima de unidade na diversidade, entusiasmo político-ideológico, esperança e espírito de resistência e luta, malgrado as vicissitudes do momento atual, os participantes se revezavam na tribuna com intervenções abrangentes e profundas sobre a situação atual na América Latina; as relações entre governos progressistas, poder popular, partidos e movimentos sociais, na perspectiva da construção do sujeito revolucionário nos âmbitos político, ideológico, orgânico e de massas; as estratégias e táticas das forças revolucionárias e progressistas para enfrentar a contraofensiva do imperialismo; o programa político das forças de esquerda; a crise econômica e do sistema de poder mundial, as políticas agressivas e de dominação do imperialismo estadunidense e seus aliados; a batalha por uma nova ordem econômica e política mundial, e a luta pela paz.
Presença de Cuba
O Partido Comunista de Cuba, representado por um dos comandantes da Revolução, José Ramon Balaguer Cabrera, foi honrado com o discurso de abertura.
O dirigente, que é também chefe do Departamento Internacional do Partido Comunista de Cuba, afirmou que o seminário tem propiciado ao longo destes 20 anos, “um magnífico espaço de encontro, reflexão, intercâmbio e debate à disposição de um grande número de diversas forças políticas de nossa região”. O dirigente cubano ressaltou ainda que o seminário se transformou em uma “permanente tribuna de apoio irrestrito aos governos e processos populares, progressistas e revolucionários que caracterizaram a atividade política latino-americana e caribenha durante os últimos anos”.
Balaguer vinculou os reveses recentemente sofridos pelas forças progressistas e de esquerda na América Latina à contraofensiva do imperialismo. “Os imperialistas não abandonam seu propósito de reverter os processos populares latino-americanos. O cerco econômico, propagandístico e financeiro contra a Venezuela é uma de suas manifestações” (…) “Os grandes consórcios financeiros e comerciais e o grande capital internacional não cessam seu empenho para controlar o mundo e impor o neoliberalismo. O ocorrido na Argentina e as ações que promovem na Venezuela, no Brasil, no Equador, na Bolívia e em outros países que têm projetos de desenvolvimento independente, são expressões disso. Nesse caminho, não deixam de empregar a força se a considerarem como o caminho mais aconselhável para atingir seus propósitos”.
A unidade das forças políticas progressistas foi valorizada como estratégica pelo dirigente cubano: “O atual cenário exige a unidade e a integração em nível local e internacional de todas as forças nacionalistas, progressistas e revolucionárias com uma clara visão anti-imperialista. Espaços de participação conjunta como o Foro de São Paulo e o Encontro Latino-americano Progressista e outros com papel especialmente relevante dentro da agenda estratégica de coordenação regional como a Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), requerem todo o nosso apoio, fortalecimento e consolidação”.
Revolução Bolivariana: Legado e autocrítica
O secretário de Relações Internacionais do Partido Socialista Unido da Venezuela, Rodrigo Cabezas, foi escalado para fazer a intervenção final do seminário. Fez uma denúncia contundente do intervencionismo estadunidense, uma vez mais confirmado com o “infame decreto” reiterado pelo presidente dos Estados Unidos Barack Obama, segundo o qual a “República Bolivariana da Venezuela é uma ameaça incomum e extraordinária para a segurança nacional e a política externa dos Estados Unidos”.
O dirigente do PSUV disse que esta agressão por parte dos Estados Unidos viola os mais elementares princípios do Direito Internacional e da convivência pacífica entre as nações, como o respeito à soberania, a não ingerência nos assuntos internos dos Estados, a autodeterminação dos povos e a ordem democrática e institucional, um fato político “que constitui uma ameaça para a estabilidade e a democracia venezuelana e da região”.
Rodrigo Cabezas também fez um apelo à unidade e ressaltou o papel da Celac, da Unasul (União das Nações do Sul) e da Alba (Aliança Bolivariana dos Povosde nossa América). E convocou os povos irmãos latino-americanos e caribenhos a realizarem a terceira jornada mundial de solidariedade com o povo venezuelano, no próximo dia 19 de abril, data da independência nacional venezuelana. Sobre o conjunto da região, enfatizou: “Na América Latina, diante da contraofensiva, é necessário elaborar estratégias comuns para defender as conquistas”.
A intervenção venezuelana teve também um forte caráter autocrítico: “Desconhecemos o desenvolvimento das leis econômicas, assumindo o rentismo petroleiro como modelo; não punimos suficientemente a corrupção; manifestamos sintomas de sectarismo político, sem levar em conta que as hegemonias não podem ser construídas com exclusões”.
Finalmente, o dirigente socialista venezuelano destacou os legados da Revolução Bolivariana: o resgate na consciência nacional dos ideais da soberania e da independência – “com Chávez voltamos ao Bolívar independentista”; a nacionalização do petróleo; o início da construção do poder popular – “uma bela e rica experiência de democracia radical profunda”; o exercício de uma política de inclusão social, combatendo a pobreza – “principal objetivo humanista da Revolução Bolivariana, para a qual a igualdade está no centro das atenções”; o novo internacionalismo – “ninguém trabalhou mais pela integração da América Latina do que Chávez no início do século 21. Entre os legados da Revolução, Rodrigo Cabezas mencionou também o desenvolvimento e a aplicação do conceito do “povo em armas”, da “aliança cívico-militar”.
Caminho espinhoso
A representação do MAS da Bolívia, composta pelo senador Adolfo Mendoza e pelo dirigente Hugo Moldiz, destacou que “não vivemos o fim do ciclo progressista, mas o início de uma nova época”, para o que é indispensável a articulação entre partidos e movimentos sociais”. Uma reflexão instigante: “Não há automatismo entre as conquistas populares alcançadas sob a vigência de governos progressistas e a conquista de votos” (…) “Vivemos uma situação em que é necessário debater como romper a camisa de força da democracia representativa (…) compreendendo que a luta é de longo prazo, um caminho que tem mais espinhos do que flores”.
Risco de conciliação
Outro partido de esquerda no governo, a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) de El Salvador, marcou presença. Seu secretário-geral, Medardo González, narrou que depois dos acordos de paz (1992), alcançou-se um equilíbrio estratégico no país, primeiro militar, depois político, o que finalmente conduziu a FMLN às vitórias nas eleições presidenciais em 2009 e 2014: “O equilíbrio estratégico foi um fator tão determinante em nosso processo, que se corre agora o risco de se tornar para a esquerda revolucionária um germe de uma espécie de ideologia do equilíbrio, cujos componentes básicos são o medo de construir uma hegemonia sólida e a busca permanente do equilíbrio de poderes. As grandes potências do império estão apostando precisamente nessa característica muito específica de nosso processo como intento de contenção de um avanço para a ruptura desse equilíbrio, a favor de uma hegemonia das ideias e anseios das vontades socialistas e progressistas em nosso país”.
Medardo González assinalou que nem toda organização social tem caráter emancipador e recordou que nos últimos anos as forças de direita no continente detectaram que tanto a organização social como os métodos da luta social podem ser utilizados como arma para desafiar os governos de esquerda, mobilizando o povo manipulado em torno de bandeiras reivindicativas tradicionalmente levantadas pela esquerda e ultimamente em torno da bandeira de combate à corrupção: “Nem toda organização social é e quer ser nosso aliado estratégico. Devemos saber diferenciá-las, diferenciar as mobilizações autênticas, geradas por injustiças reais, daquelas que são apenas montadas com fins desestabilizadores”, concluiu.
Retomar a linha de massas
O coordenador nacional do Partido do Trabalho do México, Alberto Anaya Gutiérrez, analisou a situação da esquerda mundial e particularmente a latino-americana e apresentou uma diretriz de luta. “Devemos trabalhar para impedir o efeito dominó ao inverso, prevenir futuros golpes de Estado de novo tipo, defender e fortalecer os governos progressistas e de esquerda – esses são os desafios fundamentais na etapa atual”.
Anaya considerou que os sucessivos triunfos eleitorais dos partidos de esquerda e centro-esquerda a partir da vitória de Hugo Chávez em 1998 deram a impressão de que se levava a cabo um processo de “efeito dominó” na região da América Latina e Caribe. “Diante da viragem à esquerda, o imperialismo e as oligarquias se prepararam para desencadear uma contraofensiva com golpes de Estado de novo tipo, cujas características se distinguem pela desestabilização econômica traduzida em inflação e desabastecimento; apoio midiático e financeiro à oposição e outros métodos”. Para exemplificar, citou os processos de desestabilização na Venezuela, na Bolívia e no Brasil.
Para enfrentar essa contraofensiva imperialista, das oligarquias e partidos de direita, Anaya propôs elementos de uma estratégia: “usar o poder institucional para construir poder popular em suas diversas formas de expressão e organização; retomar os princípios da linha de massas e desenvolver um tipo de estado de bem-estar social”.
Brasil
O delegado do Partido Comunista do Brasil, José Reinaldo Carvalho, secretário de Política e Relações Internacionais, fez uma intervenção sobre o quadro mundial, marcado por ameaças de guerra, intervencionismo, militarização, violação do direito internacional e ataques aos direitos dos povos. “O mundo vive uma situação grave e perigosa. Está em jogo uma nova divisão do mundo, o saque da riqueza nacional, a ocupação de territórios, o estabelecimento de uma ordem imperial em que prevalece a feroz ofensiva dos Estados Unidos e seus aliados para impor sua hegemonia”, disse. Estava presente também Afonso Magalhães, militante do PT em Brasília (DF) e de movimentos de solidariedade internacionalista.
Reinaldo enfatizou que no mundo ocorrem grandes mudanças geopolíticas e na correlação de forças, abordando também as contradições interimperialistas. O dirigente destacou também que a situação mundial “revela as possiblidades de transformação e desperta esperanças”.
Para Reinaldo, a situação da América Latina, complexa e peculiar, “exige acuidade estratégica e tática dos partidos de esquerda, resistência e luta, e unidade das forças democráticas, populares e anti-imperialistas”.
O representante do PCdoB discorreu sobre a situação brasileira, “que não está desligada do contexto mundial e latino-americano”. “Em nosso país, em meio a duros enfrentamentos com as classes dominantes reacionárias, das quais a oposição de direita, neoliberal e conservadora, a mídia monopolista privada e aparatos policiais e do poder judiciário são as expressões políticas, está em pleno desenvolvimento um golpe institucional, midiático e judicial contra o governo da coalizão progressista liderada pela presidenta Dilma Rousseff”. José Reinaldo conclamou os presentes a se solidarizarem com o povo brasileiro e assegurou que “os comunistas e as forças consequentes de esquerda resistem e lutam contra o golpe e estão dispostas a seguir na luta pela ampliação e aprofundamento da democracia, a soberania nacional e o progresso social”.
O seminário “Os Partidos e a Nova Sociedade” consolidou-se durante estes 20 anos como uma referência e um espaço para o esclarecimento sobre as políticas das forças de esquerda da América Latina e o Caribe, compartilhadas com partidos e movimentos revolucionários e progressistas de todo o mundo. Dezenas dessas forças também intervieram durante o encontro.
As ideias-força do seminário foram o socialismo, o anti-imperialismo, a solidariedade com as causas justas dos povos agredidos pelo imperialismo e a soberania.
Várias foram as resoluções aprovadas em apoio solidário aos povos do Iêmen, Síria, República Popular Democrática da Coreia, Saara Ocidental, Palestina, Venezuela e Brasil.
Foi unânime e enérgica a condenação ao assassinato da lutadora hondurenha Berta Cáceres, ocorrido em 3 de março, e exigiu-se a imediata libertação do patriota portorriquenho Oscar López Rivera, um dos presos políticos mais antigos no continente americano.
O Seminário “Os Partidos e a Nova Sociedade” foi encerrado ao som dos hinos do México e da Internacional. Na memória de todos ecoavam também as palavras com que o representante cubano encerrou seu pronunciamento, a citação do comandante Fidel Castro, líder histórico da Revolução cubana, sobre o caráter da revolução: “Revolução é sentido do momento histórico; é mudar tudo o que deve ser mudado; é igualdade e liberdade plenas; é ser tratado e tratar os demais como seres humanos; é emanciparmo-nos por nós mesmos e com nossos próprios esforços; é desafiar poderosas forças dominantes dentro e fora do âmbito social e nacional; é defender valores nos quais se crê ao preço de qualquer sacrifício; é modéstia, desinteresse, altruísmo, solidariedade e heroísmo; é lutar com audácia, inteligência e realismo; é não mentir jamais nem violar princípios éticos; é convicção profunda de que não existe força no mundo capaz de esmagar a força da verdade e as ideias. Revolução é unidade, é independência, é lutar por nossos sonhos de justiça para Cuba e para o mundo, que é a base de nosso patriotismo, nosso socialismo e nosso internacionalismo”.
Da redação do Resistência