Retomada das relações diplomáticas entre Cuba e EUA: Significado e desafios
O mundo foi pego de surpresa naquela quarta-feira, 17 de dezembro de 2014. De Havana, em rede nacional de TV, o presidente do Conselho de Estado Raúl Castro anunciava o retorno a Cuba dos três últimos prisioneiros antiterroristas cubanos, que permaneceram em cárceres norte-americanos por mais de 16 anos. A notícia principal, no entanto, que veio logo a seguir, despertou ainda mais admiração. Castro anunciou que Cuba e EUA concordavam em restabelecer as relações diplomáticas, rompidas há 53 anos. O mesmo anúncio estava sendo feito em Washington pelo presidente dos EUA, Barack Obama, que prometia “um novo capítulo na relação com Cuba”.
Por José Reinaldo Carvalho* e Wevergton Brito Lima**
O anúncio conjunto marcava o ponto culminante de conversações secretas entre os Estados, mantidas em tal sigilo que mesmo pessoas próximas aos círculos de poder dos dois governos não sabiam das tratativas. Um dia antes, Obama e Raúl haviam conversado por telefone e acertado os detalhes finais. A presidenta Dilma, na mesma quarta-feira, declarou que «nós lutadores sociais nunca imaginávamos, jamais imaginamos viver esse momento histórico”. A presidenta, ao se referir aos “lutadores sociais”, muito sutilmente fazia menção a um aspecto da recente notícia: a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e EUA representava uma vitória incontestável da luta social, dos movimentos de solidariedade a Cuba e, fundamentalmente, da resistência cubana.
A primeira vitória
O marco inicial da retomada das relações diplomáticas entre Cuba e EUA é uma prova da vitória cubana. Os EUA libertaram os cubanos Gerardo Hernández, Antonio Guerrero e Ramón Labaniño e em troca Cuba, no mesmo dia, libertou o prisioneiro americano Alan Gross, que cumpriu 5 de uma pena de 15 anos de prisão por espionagem.
Quando os Cinco Heróis cubanos (os três libertados no dia 17/12/14 mais René González e Fernando González, soltos anteriormente) foram condenados em 1998 a pesadas penas nos EUA, por atuarem infiltrados no desmantelamento de ataques terroristas perpetrados por mercenários que tinham base na Flórida, o comandante Fidel Castro declarou, na ocasião: “Ellos volverán”. A libertação dos Cinco passou a ser questão de honra para a revolução cubana e mobilizou ampla campanha internacional. Já Allan Gross, nos últimos tempos de sua prisão, se recusava a receber a visita de familiares ou de representantes do escritório de interesses americanos em Havana em protesto contra o que considerava ser um desinteresse dos EUA pela sua libertação. Os três presos cubanos voltaram nos braços de uma multidão de compatriotas que os recebeu enquanto Allan Gross teve recepção discreta. Mas é quando se rememora a história recente das relações entre Cuba e EUA que temos ideia do significado transcendental para a ilha socialista da retomada das relações com o poderoso vizinho do Norte.
Tenacidade inquebrantável
No início dos anos 1990, quando aconteceu a débâcle do campo socialista, os vaticínios sobre o futuro de Cuba eram invariavelmente negativos.
Inclusive parte da esquerda internacional afirmou que Cuba não se sustentaria.
Já a burguesia, inebriada pela vitória, proclamava a certeza sobre a queda iminente do regime.
Em 1992, editorial da Folha de S. Paulo dizia que o regime cubano resistia “na contramão da história” e completava triunfante que esta resistência “felizmente, não deve ocorrer por muito mais tempo”. Os jornais da mídia hegemônica repetiam, em uníssono, a mesma ladainha.
Um jornalista do Miami Herald ganhou o prêmio Pulitzer por um livro onde previa os “últimos dias de Fidel Castro”.
Em Miami o clima era de euforia nos círculos contrarrevolucionários, cujos líderes chegaram a ser recebidos por estadistas europeus na condição de “futuros governantes de Cuba”.
E na verdade, forças gigantescas se moviam na direção de quebrantar a soberania da nação caribenha.
Ronald Reagan, presidente americano de 1981 até 1989, anunciou que os EUA jamais voltariam a ter qualquer relação com Cuba enquanto não houvesse uma mudança de regime.
Em 1992, George H. W. Bush cria uma nova legislação interna com a finalidade de aumentar a pressão e o isolamento comercial de Cuba, que já sofria sanções dos EUA desde 1962 e que naquela oportunidade sentia o forte impacto do fim da relação com a URSS.
É desta época a chamada Emenda Torricelli que, entre outras medidas, ampliou as sanções contra empresas norte-americanas, barcos e até mesmo governos estrangeiros que comerciassem com Cuba ou prestassem qualquer tipo de assistência ao governo cubano.
Em 1996, durante o mandato do presidente “democrata” Bill Clinton, foi sancionada a “Lei de Liberdade e Solidariedade Democrática Cubana”, conhecida como Lei Helms-Burton, que tornava mais duro o cerco.
O objetivo de tais medidas era fomentar o caos social em Cuba, visando criar um vácuo de poder que serviria de pretexto para a intervenção militar dos Estados Unidos.
E Cuba sofreu forte impacto. No livro “La Revolución del otro mundo”, Jesús Arboleya Cervera relata o drama do chamado “período especial”.
“Alienada dos mecanismos de regulação da economia internacional, sem acesso às agências financeiras, empréstimos ou créditos, Cuba tinha muita dificuldade de atrair investimentos estrangeiros, devido às pressões norte-americanas”.
“O país enfrentou então a mais profunda crise econômica de sua história. Em apenas três anos o PIB caiu 23,8%. Os níveis de investimento diminuíram 57%, principalmente devido à impossibilidade de importar bens de capital e matérias-primas. A compra de petróleo do exterior caiu de 13 milhões de toneladas ao ano para 3,3 milhões. A produção nacional de petróleo desabou para apenas 17,8% do nível de 1989. Como resultado a geração de energia foi reduzida em 70%. A safra do açúcar caiu de 7 para 4,3 milhões de toneladas, implicando uma perda líquida de U$S 500 milhões em receita anual. A produção agrícola, em boa parte mecanizada e dependendo grandemente de combustível, fertilizantes e alimentos importados, caiu 53%”.
“Os níveis de consumo da população caíram drasticamente e começou um período de escassez brutal. A maior parte do dia não se tinha energia elétrica e as pessoas dormiam ao ar livre para fugir do calor. Receitas foram inventadas com casca de frutas, infusões e plantas silvestres, que até mesmo poucos animais consomem. O transporte público praticamente desapareceu. As pessoas iam a pé ou de bicicleta para chegar ao trabalho, onde muitas vezes não havia nada com o que se produzir.”
Em meio a tudo isso, os EUA aumentaram exponencialmente sua máquina de propaganda contra Cuba. Rádio e TV financiados pelo governo estadunidense, com programação irradiada desde Miami até o território cubano, faziam a pregação contrarrevolucionária dia e noite.
Diante da força incomensurável do imperialismo, a pequena ilha transformou-se em um colosso.
Jesús Arboleya registra que neste cenário “não havia outra chamada possível que não fosse o apelo à resistência, quase como se fosse resistir por resistir, pois não se vislumbrava uma saída para a situação e a coesão se sustentava a partir da confiança na Revolução e a desconfiança que inspirava a contrarrevolução (…) Neste momento a figura de Fidel Castro se consolidou como o principal depositário das esperanças populares”.
E para incredulidade de muitos Cuba não se entregava. Um dado interessante é que mesmo no auge da crise, inclusive durante a chamada crise de emigração, quando barcos chegaram a ser sequestrados em Cuba e desviados para os Estados Unidos, levando o governo cubano a liberar a emigração para os EUA de quem desejasse sair, o número de emigrantes cubanos era comparativamente menor do que o de qualquer outro país da região.
Com o apoio decidido da esmagadora maioria do povo, os dirigentes revolucionários, com Fidel à frente, tomaram várias medidas para enfrentar a situação.
Na economia, o governo flexibilizou e abriu setores para investimentos estrangeiros, estabelecendo empresas mistas em regiões prioritárias. Também legalizou a posse de divisas estrangeiras por cubanos, o que deu lugar a existência de uma “economia dual”, que incluiu a formação de um mercado paralelo estatal para a arrecadação de divisas estrangeiras, o que ajudou a financiar e manter os serviços sociais. Mesmo durante a fase mais dura do “período especial”, Cuba continuava a sustentar os melhores índices do continente em matéria de educação, saúde, mortalidade infantil, etc.
No plano político, Cuba promoveu forte campanha diplomática de denúncia do cerco ilegal, além de explorar habilmente as contradições inter-imperialistas.
Em 1992, quando a Assembleia Geral da ONU se reuniu pela primeira vez para discutir o tema, a resolução condenando o bloqueio foi aprovada por 59 países, três votaram contrariamente (EUA, Israel e Romênia), 71 abstiveram-se e 46 ausentaram-se da votação.
Ao mesmo tempo em que a situação interna melhorava e Cuba ampliava a sua relação comercial e diplomática com o mundo, na América Latina governos progressistas surgidos das lutas populares, começam a isolar a política americana contra a ilha.
Em outubro de 2014, quando pela 23ª vez consecutiva o bloqueio foi condenado pela ONU, o placar foi: países contra o bloqueio – 188, países a favor do bloqueio – dois (EUA e Israel) e três abstenções.
No primeiro semestre de 2015 o PIB cubano cresceu 4,7% (contra 1% de crescimento em 2014) mesmo em meio à crise mundial e apesar de o bloqueio continuar em pleno vigor.
Uma vitória geopolítica da América Latina
Em 1962, por influência estadunidense, Cuba foi excluída da Organização dos Estados Americanos (OEA) entidade da qual o país foi um dos fundadores em 1948.
O documento com a exclusão de Cuba, aprovado por 14 países (seis países se abstiveram, inclusive o Brasil e só Cuba votou contra) alegava a adesão da ilha ao “marxismo-leninismo”.
A tentativa de isolar Cuba em seu próprio continente perdurou durante muito tempo.
Em 1994, a OEA convoca a primeira “Cúpula das Américas”, mais uma vez excluindo Cuba.
Em 2009 Fidel Castro, às vésperas de uma nova Cúpula, mais uma vez sem um convite a Cuba, protesta em artigo intitulado “Por que Cuba é excluída?”, e relembra a primeira Cúpula de 1994 e seu cenário:
“Essas cúpulas têm a sua história que, certamente, é tenebrosa demais. A primeira foi realizada em Miami, capital da contrarrevolução, do bloqueio e da guerra suja contra Cuba. Teve lugar nos dias 9, 10 e 11 de dezembro de 1994. Foi convocada por Bill Clinton, eleito presidente dos Estados Unidos em novembro de 1992”.
“A URSS tinha-se desintegrado e nosso país encontrava-se na etapa do período especial. Garantiam a queda do socialismo na nossa pátria, da mesma forma como aconteceu na Europa do Leste primeiro e depois na própria União Soviética. Os contrarrevolucionários preparavam suas malas para regressarem vitoriosos a Cuba (…) A guerra suja contra Cuba estava próxima de se concluir com sucesso. A Guerra Fria terminava com a vitória do Ocidente e começava uma nova era para o mundo. Em 1994, acudiram com muito entusiasmo à Cúpula de Miami os presidentes das américas do Sul e Central, animados pelo convite de Clinton. O presidente da Argentina, Carlos Ménem, encabeçava a lista de presidentes sul-americanos que participariam na cúpula, seguidos por Lacalle, o vizinho direitista do Uruguai; por Eduardo Frei, da Democracia Cristã do Chile; pelo boliviano Sánchez de Lozada; por Fujimori, do Peru; e por Rafael Caldera, da Venezuela”.
Neste mesmo artigo Fidel dizia também que “os tempos dos acordos excludentes contra nosso povo ficaram para trás” e terminava com a afirmação: “até as pedras falarão”!
E as pedras falaram
O arguto comandante sabia o que estava dizendo. A ascensão de governos progressistas na região não deixaria de ter consequências favoráveis a Cuba.
Em 2008 fundou-se a União das Nações Sul Americanas (Unasul), em 2009 surge a Aliança Bolivariana para os povos da nossa América (Alba) e em 2010 a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Todos estes mecanismos multilaterais, a par de impulsionar a integração latino-americana, representava de fato o enfraquecimento da OEA, principalmente por ser Cuba um participante ativo tanto da Alba quanto da Celac.
As constantes resoluções destes organismos, sempre aprovadas por unanimidade, em solidariedade a Cuba e condenando o bloqueio mostravam na prática o crescente isolamento da política americana em relação ao país socialista.
Em 2009, a OEA decide tornar sem efeito a exclusão de Cuba, mas a heroica ilha diz que não voltará a integrar a organização.
Motivos não faltam, pois apesar do recuo a OEA continua com a política de dois pesos e duas medidas.
Em 2015, Cuba participou como observadora da Cúpula das Américas no Panamá, “com plenos direitos e em igualdade de condições”.
Mas enquanto a OEA outorgou credenciais a personagens de diferentes grupos antigovernamentais cubanos e venezuelanos financiados pelos Estados Unidos e inseridos por Washington e pela OEA como parte da denominada sociedade civil, agrupamentos como o Movimento Independentista Nacional Hostosiano de Porto Rico, que trabalha pela independência dessa ilha caribenha em relação aos Estados Unidos, e outros ambientalistas, sindicalistas e uma ampla faixa de perfis não receberam o mesmo visto.
Ainda assim, o que predominou na cúpula do Panamá, foram as constantes manifestações contra o bloqueio e, nas palavras de Raúl Castro, a favor da “necessidade de modificar a natureza das relações hemisféricas em uma época em que nossa região já não pode ser tratada como quintal”.
Cuba se prepara para os novos desafios
A retomada das relações diplomáticas com os EUA ocorre em meio ao que os cubanos chamam de “Atualização do nosso modelo econômico e social”. Este esforço sem dúvida ganhará novo impulso devido a retomada das relações diplomáticas com os EUA, que torna atraente o investimento em Cuba e tem impacto imediato em diversos setores da economia, como o turismo.
Ao tratar deste tema Raúl Castro deixa claro que esse processo de atualização “foi decidido soberanamente, com o apoio majoritário do povo” e para não deixar margem a qualquer dúvida, o dirigente cubano afirma que “mudar tudo o que deva ser mudado é assunto soberano e exclusivo dos cubanos”.
Esta atualização do modelo econômico é baseada em três premissas, conforme definem as autoridades cubanas: 1) o predomínio da propriedade estatal sobre os meios fundamentais de produção; 2) o exercício do papel principal na economia pela empresa estatal socialista e 3) o uso da planificação econômica como principal ferramenta da direção da economia.
Algumas medidas neste sentido passam por um programa para a unificação monetária e cambial, que deixará o peso cubano como a moeda oficial e determinará a eliminação gradual do peso cubano conversível (CUC). O governo cubano também busca aperfeiçoar os instrumentos para o controle sobre a emissão monetária e o equilíbrio financeiro da população, em um contexto que prevê a atuação crescente do setor não estatal.
Sobre este último aspecto, dados oficiais mostram que cerca de 500 mil cubanos exercem o trabalho por conta própria em uma ou mais das 201 modalidades existentes.
Até hoje foram autorizadas 270 cooperativas não agropecuárias, das quais 250 se encontram funcionando e o restante está em formação, enquanto outras 228 se encontram em processo de aprovação.
Em um balanço inicial desta experiência, feito em julho de 2015, Raúl Castro aborda assim a questão:
“Ao mesmo tempo em que continuamos avançando na elevação do papel da empresa estatal socialista como figura fundamental da economia nacional, fomos aperfeiçoando medidas adotadas anteriormente e adicionando outras relacionadas com o funcionamento das empresas e os sistemas de salários mais flexíveis e associados aos resultados do trabalho”.
“Igualmente se tem executado diversas transformações no processo de planificação econômica em consonância com o aperfeiçoamento do sistema de gestão das empresas, o que tem permitido incorporar, com maior integração, as políticas aprovadas como resultado da aplicação das orientações e da programação de equilíbrio monetário, que constam do Plano de Orçamento do Estado”.
“Prossegue e avança o cumprimento do conjunto de medidas orientadas à unificação monetária, processo de extrema complexidade e que é imprescindível para um eficiente desempenho da economia. Não é ocioso reiterar o que já foi levantado em várias ocasiões, em nosso Parlamento, acerca de que se deve garantir os depósitos bancários em divisas internacionais, pesos cubanos conversíveis (CUC) e pesos cubanos (CUP), assim como o que está efetivamente nas mãos da população e das pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras”.
“Da mesma forma, se mantêm em marcha o processo experimental de criação de cooperativas não agrícolas, tendo como prioridade consolidar o funcionamento do que já existe e seguir avançando de maneira gradual na constituição de novas cooperativas, sem repetir as distorções já identificadas”.
“A isso se une um pouco mais de meio milhão de cubanos que desempenham trabalhos por conta própria em múltiplas atividades, cifra que seguira crescendo de maneira paulatina, transferindo para esta forma de gestão um conjunto de estabelecimentos gastronômicos e de serviços à população, preservando a propriedade estatal dos imóveis”.
Para os cubanos o objetivo desta atualização é “a construção de um socialismo próspero e sustentável, garantia essencial de nossa independência”.
Retomar as relações não é normalizar as relações
Cuba tem salientado que a retomada das relações com os EUA, não significa, no entanto, que as relações entre os dois países estejam normalizadas. De fato, como se pode se considerar que as relações diplomáticas de dois países sejam normais se um deles promove um ilegal bloqueio comercial e financeiro contra o outro?
Para os dirigentes cubanos, a normalização das relações significa uma nova etapa, longa e complexa. Além do fim do bloqueio, questão mais importante, Cuba faz outras quatro exigências que considera básicas para concretizar a normalização:
– Que se devolva o território ilegalmente ocupado pela base naval em Guantánamo.
– Que cessem as transmissões de rádio e TV ilegais dirigidas ao território cubano.
– Que se eliminem os programas dirigidos a promover a subversão e a desestabilização internas.
– Que se compense o povo cubano pelos danos humanos e econômicos provocados por conta das políticas dos Estados Unidos (Cuba calcula que o prejuízo com o bloqueio alcança a cifra de US$ 1 trilhão).
Sem ilusões
No dia 1º de julho de 2015 foi formalmente estabelecida a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e EUA, cumprindo o que Raúl e Obama haviam anunciado em dezembro de 2014. No dia 20 deste mesmo mês a embaixada de Cuba em Washington foi reaberta e depois de 54 anos a bandeira cubana tremulou em território norte-americano de forma soberana e digna. No dia 14 de agosto foi a vez da embaixada estadunidense ser reaberta em Havana.
O papel peculiar de Barack Obama neste contexto não pode ser desconhecido e foi salientado pelo próprio Raúl Castro. Mas o presidente americano, embora tenha diferenças com a extrema-direita do Partido Republicano, é homem fortemente comprometido com os objetivos estratégicos do imperialismo, como sabem muito bem os povos da Palestina, da Síria, da Ucrânia, entre outros.
A mudança de postura dos EUA se deu essencialmente por dois fatores: isolamento político e ineficácia da tática até então adotada.
Obrigar o imperialismo a mudar de tática é uma vitória da resistência do povo cubano, mas o objetivo final dos EUA em relação a Cuba permanece o mesmo: derrotar a revolução.
Muitos temem a insidiosa infiltração ideológica dos valores capitalistas e uma atuação mais aberta de seus agentes internos e externos através desta aproximação, e os perigos de fato são reais e tangíveis.
Os primeiros a terem disto consciência são os próprios cubanos.
Um dos Cinco Heróis, Gerardo Hernández, em setembro de 2015, durante a festa do jornal Avante, órgão central do Partido Comunista Português, declarou, em Portugal, que vê a retomada de relações entre os dois países como um processo normal entre nações vizinhas, mas alertou para “os riscos que isso implica”, pois, segundo ele, “quem conhece a história sabe que é perigoso confiar nos Estados Unidos”.
O Ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodriguéz Parrilla, em plena cerimônia de reabertura da embaixada cubana em Washington. Diante de autoridades do governo estadunidense e de parlamentares do Congresso norte-americano, fez o seguinte pronunciamento:
“Invocamos a memória de José Martí, que consagrou a vida à luta pela liberdade de Cuba e conheceu profundamente os Estados Unidos. Em seu livro ‘Cenas Norte-Americanas’, Martí nos deu uma nítida descrição da grande nação do Norte e fez o elogio do que existe de melhor nela. Também nos deixou a advertência do seu desmedido apetite por dominação que toda uma história de desencontros tem confirmado”.
“Chegamos até aqui graças a condução firme e sábia do líder histórico da Revolução Cubana Fidel Castro Ruz, a cujas ideias sempre guardaremos lealdade suprema”.
“Em 1959, os Estados Unidos não aceitaram a existência de uma pequena e vizinha ilha totalmente independente e alguns anos depois, muito menos aceitou uma revolução socialista que teve que defender-se e, desde então, encarna a vontade de nosso povo”.
Certamente, não existem, por parte da liderança cubana, quaisquer ilusões sobre os Estados Unidos, o que representa o imperialismo e, consequentemente, sobre os desafios da nova quadra.
Em discurso feito no encerramento do 5º Período de Sessões da 8ª Legislatura da Assembleia Nacional, no dia 15 de julho, Raúl Castro declarou: “não há nada impossível para um povo unido, como o nosso, disposto à luta e a defender a obra de sua Revolução”. Ninguém pode duvidar disso, depois que se viu a pequenina e acuada ilha, diante de uma encruzilhada, obrigar um gigante a buscar outro caminho.
Artigo publicado originalmente na revista Princípios, nº 138 (setembro/outubro de 2015)
* José Reinaldo Carvalho é jornalista, Secretário de Política e Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ** Wevergton Brito Lima é jornalista, membro da Comissão de Política e Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)