Mais agressivo, Likud vence eleições em Israel
Ao lacrar as urnas, às 22h00 da terça-feira (17), Israel tinha empate entre o partido Likud (“Consolidação”) e a coligação União Sionista. Já nesta quarta (18), a vitória do Likud é só a primeira fase da composição do novo governo. Na reta final, o discurso inflamado do primeiro-ministro candidato à reeleição, Benjamin Netanyahu, respondia à perda de apoio, devolvendo ao debate as colônias e a ocupação dos territórios e das vidas dos palestinos.
Por Moara Crivelente*, para o Vermelho
As análises das eleições em Israel suscitam uma miríade de conclusões, mas antes, até de espectativasivas. Consolidou-se uma Lista Conjunta que aglomerou partidos árabes e o árabe-judeu Hadash (acrônimo de Frente Democrática pela Paz e a Igualdade) para incentivar os palestinos de cidadania israelense a votar e para superar o novo mínimo de 3,5% dos votos para integrar o Parlamento (aumento promovido pelo partido de extrema-direita do chanceler Avigdor Lieberman, Yisrael Beitenu, ou “Israel é Nosso Lar”, que quase se enforcou na própria corda). Cresceu uma chamada “esquerda sionista” (faltaram aspas), que retoricamente defende as negociações com os palestinos, mas que tem todo o ceticismo sobre o seu papel justificado. Além das devidas ponderações sobre o histórico dos partidos que representam esta linha, falta ainda longo caminho a percorrer na formação da coalizão de governo.
Reagindo à perda de apoio, o premiê e candidato à reeleição Benjamin Netanyahu discursa diante de construções na colônia Har Homa, em Jerusalém Oriental, na véspera da eleição, segunda-feira (16).
Até o dia das eleições, as pesquisas eleitorais do jornal israelense Haaretz indicavam que a União Sionista – composta pelo partido HaAvoda (“Trabalhista”), de Isaac Herzog, e pelo Hatnuah (“O Movimento”), de Tzipi Livni – conquistara a liderança à frente do Likud de Netanyahu.
Porém, na conclusão da contagem de votos, o Likud conseguiu 30 assentos no Parlamento (Knesset) e a União Sionista, 24. Uma vantagem relativamente apertada, mas amarga. Os avanços da extrema-direita entre o eleitorado israelense acabaram por compensar no final, quando Netanyahu resolveu pesar ainda mais no discurso. Na segunda-feira (16), por exemplo, disse que não pretende permitir o estabelecimento do Estado da Palestina e que busca um “governo forte” para garantir a “segurança” de Israel – termo geralmente empregado para justificar as grandes ofensivas militares e a repressão aos palestinos.
Em terceiro lugar para integrar o Knesset ficou a Lista Conjunta; em quarto, o Yesh Atid (“Há um Futuro”); em quinto o Kulanu (“Todos Nós”), que poderá assumir as Finanças; em sexto, HaBayit HaYehudi (“Lar Judeu”), porta-voz dos colonos de extrema-direita; os ortodoxos e ultraortodoxos Judaísmo Unificado da Torá e Federação Sefardita dos Guardiães da Torá (Shas), em sétimo; Yisrael Beitenu, oitavo; e Meretz, autoproclamado o único partido da “esquerda sionista”, em último, entrando para o Knesset no limite, junto com o novo Yahad (“Juntos”), de extrema-direita, saído do Shas.
Os líderes da coligação União Sionista, Isaac Herzog (Partido Trabalhista) e Tzipi Livni (Hatnuah, «O Movimento»)
O desafio da coalizão
O presidente Reuven Rivlin mostrava-se preocupado com os resultados enquanto as urnas eram lacradas. Pretendia pedir a formação de um governo “de unidade nacional”, em que o Likud e o HaAvoda se revezariam no cargo de primeiro-ministro. Em Israel, os eleitores votam em partidos ou listas, que indicam ao presidente os nomes para o cargo de premiê. Mas os partidos precisam formar coalizões, já que o mínimo para a composição de um gabinete de governo é de 61 dos 120 parlamentares. O indicado pelo partido que conquistar mais apoio entre os parlamentares eleitos terá no total 28+14 dias (com a extensão do prazo a critério do presidente) para formar a coalizão. Quem ficou em segundo lugar terá apenas 28. Formada a coalizão, o Parlamento deve aprová-la. Se, no fim, uma coalizão não puder ser formada, novas eleições devem ocorrer em até 90 dias.
Em 2013, quando Netanyahu enfrentou o desafio, conseguiu com sufoco a adesão de Tzipi Livni, no cargo de ministra da Justiça (que exigiu a chefia das negociações com os palestinos), e de Yair Lapid, do Yesh Atid, para as Finanças, entre outros expoentes. Suas retiradas, no fim de 2014, agravaram a crise política (que já teve outros episódios) da qual Netanyahu achou que sairia fortalecido se convocasse eleições antecipadas, o que para muitos analistas nacionais foi um tiro no pé. Teve de se contorcer para ultrapassar novamente o Trabalhista nas pesquisas e, 10 dias antes das eleições, foi o alvo de um protesto de 35 a 50 mil pessoas (entre uma população total de pouco mais de oito milhões) em Tel Aviv, pedindo sua retirada. Além de enfrentar duras críticas pela posição desafiadora contra o governo do maior aliado de Israel, os EUA, muitos eleitores tiveram dificuldades em enxergar benefícios no terceiro mandato do premiê que, mesmo vencendo, saiu enfraquecido. Por isso, o desafio da coalizão ainda é determinante.
Em 2009, logo após a “operação Chumbo Fundido” contra a Faixa de Gaza, na tradição israelense de preparar eleições em meio à guerra (ou ao massacre dos palestinos, como também foi o caso entre julho e agosto de 2014, na «operação Margem Protetora, que matou 2.200 pessoas em Gaza), Livni, então no partido Kadima (“Avante”, do qual o Hatnuah é uma cisão posterior), não conseguiu formar a coalizão necessária para substituir o premiê do mesmo partido, Ehud Olmert, que se afastou por escândalos de corrupção. Foi assim que Netanyahu chegou ao poder pela segunda vez. Seu primeiro mandato foi de 1996 a 1999, com históricos como a busca por recordes na construção de colônias (conseguidos no segundo e terceiro mandatos) e, antes, a incitação raivosa contra o premiê Yitzak Rabin (Trabalhista), assassinado em 1994 por um extremista judeu crítico aos Acordos de Oslo assinados com os palestinos, mas logo soterrados.
Já Isaac Herzog, filho do ex-presidente Chaim Herzog (1983-1993), apesar de em grande medida considerado a única opção palpável “centro-esquerdista” (esta definição merece matizes no cenário israelense), não representa, para os críticos da ocupação, qualquer luz no fim do túnel. Para o colunista Gideon Levy, do Haaretz, com o até então líder da oposição não haveria grandes mudanças no rumo. Como já argumentado antes, os palestinos estão em melhor caminho pressionando por maior apoio internacional à justiça da sua causa, especialmente no âmbito do direito internacional, do que por negociações sempre infrutíferas (ou produtivas no sentido da colonização), embora o canal diplomático seja também fundamental. Entretanto, Levy escreveu, na véspera das eleições, que “os ocupantes vão às urnas” enquanto os ocupados esperam por sua decisão. “E Israel ainda se denomina uma democracia?”, questiona o colunista que, em tempos, precisa de guarda-costas.
Colônias e “segurança”
Entre as principais pautas colocadas pela população e pela mídia estavam questões sociais, como a habitação e o emprego, enquanto o assunto ocupação da Palestina ficou por muito tempo à margem. As colônias voltaram à pauta nos últimos dias quando Netanyahu declarou oposição ao estabelecimento do Estado da Palestina (e ao que chamou de “entrega de territórios”) e explicou que a construção de mais milhares de casas entre Belém (na Cisjordânia palestina) e Jerusalém Oriental (palestina, mas ilegalmente “anexada” por Israel) foi estratégica para impedir a ligação entre as duas importantes cidades.
Em fevereiro, a mais jovem parlamentar e candidata do Trabalhista, Stav Shaffir afirmou em entrevista ao Haaretz trabalhar por transparência na política. Eleita parlamentar em 2013, aos 27 anos, após liderar protestos massivos, desenterrou uma linha ilegal (até mesmo pelas regulações israelenses) de fundos para as colônias em território palestino. No Comitê parlamentar de Finanças, Shaffir descobriu que “há dois orçamentos em Israel: um aprovado pelo Parlamento e outro secreto – sem a supervisão dos membros do Knesset – que chegou a 64 bilhões de shekels [R$ 52 bilhões] em 2014, quase 15% do orçamento nacional,” enquanto “israelenses nas periferias [de Israel] podem apenas sonhar com essa quantia.” Entretanto, questionada se acredita que esse dinheiro deveria deixar de ir para as colônias para ser transferido aos habitantes de Israel, responde genericamente, mas nem tanto: “Só estou dizendo que o dinheiro deveria ser distribuído igualmente entre todos os cidadãos de Israel”.
Em um discurso inflamado no Knesset – em que defende o sionismo, ideal colonizador e racista, como uma corrente de “fraternidade” e “solidariedade” – a parlamentar questionou, por exemplo, a transferência secreta de 36 milhões de shekels (R$ 29 milhões) articulada pelo porta-voz dos colonos no governo Netanyahu, o ministro da Economia Naftali Bennett (foto), do Partido HaBayit HaYehudi (“Lar Judeu”), para o conselho de colônias Yesha. De acordo com o conselho, que defende a “moralidade” dos “bairros” (negando o termo “colônias”), 7.500 israelenses mudaram-se para a Cisjordânia ou Jerusalém Oriental (territórios palestinos ocupados) de março a fevereiro de 2014. Apenas em Jerusalém Oriental já são mais de 200 mil colonos, enquanto a maior parte dos palestinos vive em guetos ou bairros com serviços precários, ao lado de excelentes moradias e infraestrutura feitas para os israelenses.
Se as colônias já estiveram entre os maiores orgulhos de Netanyahu, agora que seu impulso para vencer parece ter vindo da extrema-direita, a situação poderá se agravar. Para ele, “ceder territórios” aos palestinos, ou seja, “desocupá-los”, seria como “dar terreno aos ataques de islamitas radicais contra Israel.” A retórica é sempre a da segurança e a própria sobrevivência da “nação” para justificar a opressão dos palestinos e a ocupação da sua pátria. Os eleitores e Netanyahu sabem, entretanto, que o mundo volta-se para a questão palestina, principalmente devido à pressão dos movimentos sociais internacionais solidários. Além disso, as chances aumentam de líderes israelenses irem parar no banco dos réus pelos amplos crimes de guerra denunciados, tanto na prática da ocupação quanto nas ofensivas militares cada vez mais fatais. As condições são outras e o novo governo terá de lidar com elas.
*Moara Crivelente é cientista política e jornalista, membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.