Cuba e Estados Unidos, o começo de uma nova etapa

23/01/2015

O encontro, realizado em Havana dias nas últimas quarta e quinta-feira (21 e 22), para abordar o restabelecimento de relações e outros temas de interesse bilateral, foi qualificado de proveitoso e produtivo por ambas as partes, mas evidenciou que ainda resta muito a fazer. Cuba expressa confiança em um futuro melhor para as duas nações. Reportagem do jornal Granma, órgão do Partido Comunista de Cuba.

Depois de mais de meio século de estancamento, Cuba e Estados Unidos mantiveram nesta quinta-feira (22), em Havana, a reunião de mais alto nível em décadas para abrir o caminho do restabelecimento de relações diplomáticas e a instalação de embaixadas, entre outros temas de interesse bilateral.

A parte cubana esteve representada pela diretora geral nos Estados Unidos do Ministério de Relações Exteriores, Josefina Vidal FerreiroJosefina Vidal, chefe da delegação Cubana

A delegação norte-americana que participou nos diálogos no Palácio das Convenções da capital foi encabeçada pela secretária assistente de Estado para os Assuntos do Hemisfério Ocidental, Roberta Jacobson, a funcionária de mais alto nível que visita Cuba desde finais da década de 1970. Por sua vez, a parte cubana foi representada pela diretora geral de Estados Unidos do Ministério de Relações Exteriores, Josefina Vidal Ferreiro.

Ambas as partes coincidiram em que as conversações se desenvolvessem em um ambiente de distensão. Vidal qualificou o encontro de “proveitoso” e acrescentou que se produziu em um clima profissional e construtivo. Jacobson, por sua parte, disse que foi “produtivo e positivo”.

“Discutimos em termos reais e concretos os passos requeridos para o restabelecimento de relações e a abertura de embaixadas em nossos respectivos países, assim como as expectativas a respeito de como funcionará a Embaixada dos Estados Unidos em Havana”, disse Jacobson.

A representante norte-americana informou que as embaixadas serão abertas no momento oportuno e que ainda não podia precisar datas, embora “se esteja trabalhando de forma rápida”.

A parte cubana enfatizou que as futuras relações e as missões diplomáticas devem basear-se nos princípios do direito internacional referendados na Carta das Nações Unidas e nas Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares.

Jacobson confirmou que ambas as partes foram muito claras em que essas normas guiarão o restabelecimento das relações, da mesma maneira que ocorre entre outros países.

Vidal explicou que há uma série de passos práticos que devem ser dados de um e de outro lado para enfrentar este processo.

Será necessário concluir o acordo que estabeleceu os escritórios de interesses que estão sob a proteção de um governo estrangeiro, também notificar o governo da Suíça que é o país que representou e representa hoje os Estados Unidos em nossos escritórios em Washington, só para mencionar um exemplo.

Josefina acrescentou que no intercâmbio Cuba expressa que seria difícil explicar que foram retomadas as relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, enquanto Cuba continue injustamente na lista de Estados patrocinadores do terrorismo internacional. Da mesma maneira, a diplomata cubana detalhou que para a abertura de embaixadas será necessário que se resolva a situação bancária da Seção de Interesses de Cuba em Washington, que já está há cerca de um ano sem esses serviços.

Vidal se mostrou convencida de que Cuba e Estados Unidos podem estabelecer relações bilaterais civilizadas.

As duas representantes detalharam que serão necessários novos encontros para seguir pontuando os aspectos formais do processo, mas não fixaram uma data específica para uma nova reunião.

A normalização é processo longo e extenso

Embora os dois países, que não têm laços formais desde 1961, tenham empreendido a marcha para mudar essa realidade, isso não quer dizer que estejam às portas de uma plena normalização, a qual é um processo extenso que vai mais além do estabelecimento de relações diplomáticas e da abertura de embaixadas, disse Jacobson.

“No caminho para a normalização continuarão sendo discutidos temas que refletem as profundas diferenças que existem entre ambos os países”, agregou.

“Este será um processo longo e complexo que requererá o trabalho de ambas as partes, no qual deverão ser resolvidos temas pendentes da agenda bilateral”, precisou por sua parte a chefe da delegação cubana. Ela afirmou que para Cuba, o levantamento do bloqueio é essencial para normalizar as relações, entre outros temas pendentes.

Contudo, Vidal reiterou a disposição do governo cubano de continuar mantendo com o governo dos Estados Unidos um diálogo respeitoso, baseado na igualdade soberana e na reciprocidade, “sem menoscabo à independência nacional e à autodeterminação de nosso povo”.

Para Cuba isto significa o respeito ao sistema político, econômico e social de ambos os Estados e evitar qualquer forma de ingerência nos assuntos internos ou ameaça aos elementos políticos, econômicos e culturais de ambos os países, pontuou Vidal.

Ninguém pode pretender que para melhorar as relações Cuba tenha que renunciar a seus princípios, enfatizou.

A chefe da delegação local também reconheceu a disposição do presidente dos Estados Unidos de manter um debate sério e honesto com o Congresso para conseguir o fim dessa política imposta há mais de meio século contra Cuba.

Por sua parte, Jacobson explicou os desafios que implica materializar a decisão anunciada pelos presidentes Barack Obama e Raúl Castro de buscar superar uma relação que durante mais de 50 anos não se baseou na confiança.

Roberta Jacobson, chefe da delegação estadunidense

Nesse sentido, disse que as novas regulações anunciadas pelo Departamento do Tesouro e Comércio na semana passada demonstram a amplitude e profundidade com que os Estados Unidos já puseram em prática o compromisso do presidente com um novo rumo da política dos Estados Unidos para com Cuba.

Por seu turno, Vidal ratificou o compromisso de Cuba com a melhoria do clima bilateral e a vontade de seguir avançando para normalizar as relações bilaterais, acrescentando que, como vizinhos próximos Cuba e Estados Unidos devem identificar áreas de interesse comum nas quais possam desenvolver a cooperação em benefício de ambos os países, a região e o mundo.

Em resposta à pergunta sobre o tema dos direitos humanos, esclareceu que sobre este assunto, não se debateu na reunião do período da manhã e explicou que durante a tarde haveria outra sessão de trabalho para revisar outros aspectos bilaterais e de colaboração entre ambos os países.

Os dois países têm profundas diferenças e concepções distintas sobre diversos temas, mas podem conviver de maneira civilizada e pacífica, reconhecendo e respeitando estas diferenças, explicou.

Novas possibilidades de cooperação

Durante a jornada da quinta-feira à tarde as duas partes mantiveram um encontro sobre temas de interesse mútuo e de cooperação.

Cuba reiterou a proposta que tinha feito há um ano ao governo dos Estados Unidos de manter um diálogo respeitoso e sobre bases de reciprocidade, para abordar as próprias posições sobre direitos humanos e democracia, a partir de que Cuba tem preocupações sobre o exercício dos direitos humanos nos Estados Unidos. E, ao mesmo tempo, Cuba considera que tem experiências interessantes a mostrar e compartilhar no que se refere ao gozo dos direitos humanos, não só em Cuba, mas a contribuição que modestamente tem dado para a melhoria dos direitos humanos em outros países do mundo e das condições de vida de muitos povos do mundo, assinalou Josefina Vidal.

A diplomata cubana expressou também na coletiva de imprensa que as delegações passaram em revista o estado da cooperação em vários temas, como a segurança aérea e da aviação, e resposta a vazamentos de combustíveis.

As duas partes também identificaram outras áreas nas quais existem potencialidades para estabelecer ou ampliar a cooperação bilateral, como o combate ao narcotráfico, ao terrorismo e às epidemias, exemplificou. “Sobre esta última, a parte cubana propôs manter um encontro para definir as modalidades de cooperação com vistas a enfrentar de maneira efetiva e eficaz o vírus do ebola”.

A delegação de Cuba reiterou a disposição das autoridades para desenvolver intercâmbios com suas contrapartes estadunidenses sobre o monitoramento sísmico, áreas marítimas protegidas e hidrografia, assim como para participar em pesquisas conjuntas sobre espécies marinhas.

Propôs também estabelecer colaboração científica em um conjunto de áreas como a proteção ao meio ambiente, a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e a prevenção de catástrofes naturais.

Foi manifestada a disposição de discutir a delimitação da Zona Oriental no Golfo do México, e se falou do interesse pelos próximos passos para a implementação de um Plano Piloto para estabelecer o serviço de correio postal entre os dois países.

Sobre as telecomunicações, Vidal assegurou que ficou estabelecido que Cuba está disposta a receber empresas de telecomunicações dos Estados Unidos, para explorar possibilidades de negócios nessa esfera que sejam benéficas para ambas partes.

Por outro lado, mediante um comunicado por escrito divulgado para a imprensa, a secretária assistente de Estado para os Assuntos do Hemisfério Ocidental expressou a disposição dos Estados Unidos para continuar o diálogo bilateral sobre temas importantes, incluindo aqueles nos quais se mantêm diferenças significativas.

O texto afirma também que a sessão se caracterizou pelo estabelecimento de um diálogo construtivo e alentador.

A chefe da delegação cubana respondeu perguntas numa coletiva de imprensa. Uma delas se referiu ao impacto das medidas e regulamentações anunciadas pelo governo estadunidense.

Vidal disse que a delegação dos Estados Unidos deu uma informação geral sobre as medidas anunciadas em 16 de janeiro último.

“As medidas marcham em uma direção positiva na medida em que modificam alguns aspectos do bloqueio a Cuba”, disse. “Cuba espera que o presidente dos Estados Unidos, no uso de suas prerrogativas executivas, continue modificando aspectos adicionais do bloqueio de maneira significativa de modo que possa esvaziar bastante o conteúdo dessa política que ainda permanece”.

Vidal acrescentou que continuam estudando esses regulamentos, que são complexos e que é necessário contar com a assessoria de advogados para ter compreensão de sua magnitude e alcance.

Diante de uma pergunta da agência estadunidense AP, Josefina Vidal se referiu a um parágrafo específico do comunicado emitido pela delegação estadunidense, o qual assegura: “Como elemento central de nossa política, pressionamos o governo cubano para que melhore as condições dos direitos humanos, incluída a liberdade de expressão e de reunião”. “Confirmo que a palavra pressão não foi usada no encontro. Não é uma palavra que se usa neste tipo de conversações”, precisou Vidal. “Cuba demonstrou ao longo de sua história que nunca atendeu nem atenderá a pressões de nenhuma parte que provenham”, assegurou.

A diplomata cubana esclareceu que mantiveram um intercâmbio no qual cada parte afirmou as visões e concepções que tem sobre o tema do exercício dos direitos humanos. Cuba ratificou sua proposta de ter um diálogo específico em data a ser definida para manter um diálogo respeitoso, sobre bases recíprocas, que aborde as posições cubanas a respeito dos direitos humanos e da democracia, disse.

Cuba tem preocupações sobre o exercício dos direitos humanos nos Estados Unidos e ao mesmo tempo Cuba considera que temos experiências interessantes a mostrar e compartilhar no que se refere ao gozo dos direitos humanos não só em nosso país, mas a contribuição modesta que temos dado para a melhoria dos direitos humanos em outras partes do mundo, acrescentou.

Vidal respondeu também uma pergunta relacionada com a necessidade de superar mais de 50 anos de desconfiança e se a delegação cubana confiava hoje mais em sua contraparte do que há dois dias, antes da rodada de conversações.

“Confio é em um futuro melhor para nossos países. Somos países vizinhos, temos profundas diferenças, mas temos visto como no mundo países com profundas diferenças podem conviver pacificamente, civilizadamente, em função de encontrar solução a problemas comuns, e contribuir com isso para um maior bem-estar para o resto do mundo”, respondeu.

“Confio em que independentemente das diferenças que existem entre Cuba e Estados Unidos — que existem e se manterão porque temos convicções muito firmes, ambos, por razões históricas, culturais etc. — podemos encontrar um modus vivendis, uma convivência pacífica para discutir nossas diferenças com respeito e para avançar na cooperação em temas de interesse comum”.

O que estas reuniões permitiram – concluiu – foi confirmar que temos interesse em seguir trabalhando nessas áreas e por sua vez ampliar nossa colaboração para benefício mútuo. “Creio que isso é um bom começo”.

Fonte: Granma; tradução do Portal Vermelho

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