Opinião
Eleição Presidencial no Equador: o que os candidatos propõem
No programa de Lenín Moreno, dois conceitos são fundamentais: o protagonismo da sociedade e a necessidade de estabelecer uma forma radical de democracia.
Por Maria Florencia Pagliarone*
Esta semana terminará com a realização do primeiro turno das eleições gerais do Equador, no dia 19 de fevereiro. Oito formações políticas competirão por um lugar num hipotético segundo turno, e em última instância pela cadeira da Presidência do Equador. Atrás dos slogans vazios de campanha, e de algumas consignas que facilmente se midiatizam, existe todo um conjunto de propostas políticas, sociais e econômicas que são determinantes sobre a visão que os candidatos têm a respeito do futuro do Equador.
Neste espaço, tentarei apresentar as principais propostas de Lenín Moreno (movimento Aliança PAIS), Cynthia Viteri (Partido Social Cristão) e Guillermo Lasso (CREO – SUMA), que ocupam atualmente os três primeiros lugares nas pesquisas. Até o momento, todas as sondagens apontam Lenín Moreno como líder, enquanto os demais candidatos disputam o segundo posto.
A questão política
No programa de governo de Lenín Moreno, dois conceitos são fundamentais: o protagonismo da sociedade diante do Estado e a necessidade de estabelecer uma forma radical de democracia. No primeiro caso, se trata de fomentar uma maior politização da sociedade, única garantia de que qualquer mudança programática que a Revolução Cidadã realize não será passageira. A irreversibilidade do processo só depende de uma sociedade consciente de seus direitos e da importância de suas lutas históricas. Neste sentido, se está pondo muita ênfase no territorial, em “escutar as pessoas”. O segundo eixo planteia uma radicalização da democracia, ou seja, governar os mercados, colocar a economia a serviço da cidadania. Ademais de incentivar os mecanismos de participação cidadã, para que a população tenha meios de se fazer escutar pelo governo de forma mais efetiva.
Para os candidatos da oposição, a questão política se reduz basicamente a uma crítica: o tamanho excessivo do Estado e a necessidade de uma racionalização administrativa do setor público. Embora a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirme que o Equador é o segundo país com menor porcentagem de empregados públicos na região. Além disso, cerca de 97 % dos empregos públicos do país estão concentrados nos setores de educação e saúde. Portanto, uma redução, como a que desejam fazer Lasso e Viteri, significaria diminuir o número de médicos e professores.
Sob a premissa da racionalização do setor público, os candidatos de oposição planteiam a eliminação de diferentes instituições públicas – Lasso quer acabar com a Secretaria Nacional de Educação Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (SENESCYT) e o Conselho de Participação Cidadã e Controle Social (CPCCS), enquanto Viteri pretende desmontar somente o segundo.
Outro ponto importante é a derrogação da Lei de Comunicação em vigência desde 2014, cujo objetivo consiste em consolidar um sistema de comunicação mais equilibrado em participantes, em pluralidade de conteúdo e em oferta televisiva. Antes de 2008, a concessão de frequências de rádio e televisão se dava mediante um esquema cheio de irregularidades e deficiências, razão pela qual um dos pontos principais que a nova lei estabelece é a distribuição equitativa de frequências do espectro radioelétrico: 33% para os meios públicos, 33% para os privados e 34% para os meios comunitários. Lenín Moreno é o único candidato que se refere à necessidade de avançar nessa democratização e evitar o monopólio da propriedade dos meios de comunicação. Guillermo Lasso, pelo contrário, é partidário de suspender a concessão de novas frequências.
Os candidatos de oposição usam como muleta o Cavalo de Troia da “liberdade de expressão” e os pronunciamentos da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, por sua sigla em espanhol) que cataloga a lei equatoriana como a “pior lei da mordaça da América” e insistem em sua derrogação como via para garantir a liberdade de expressão – como se vê no discurso de Cynthia Viteri.
O tema da corrupção, outro dos itens privilegiados pelos setores de oposição latino-americanos para combater os governos progressistas, tem sido um dos mais abordados na campanha. Por exemplo, Viteri afirma taxativamente que enviará todos os corruptos à prisão, através de três vias: a da recuperação das comissões políticas contra a corrupção, a de fusão dessas com as comissões internacionais que possam transparentar os contratos, e o estabelecimento de níveis de punição para as empresas que estejam relacionadas com atos de corrupção.
Por sua vez, Lasso afirma que iniciará uma comissão de investigação e abrirá as contas para o escrutínio público. Chamam a atenção as declarações especificamente contra o atual vice-presidente Jorge Glas – que também é candidato a vice na chapa de Moreno –, relacionadas a um caso ligado à estatal PetroEcuador, onde ele afirma que Glas “não só prejudicou o país, endividando a empresa, como também se beneficiou pessoalmente”. Curiosamente, Lasso se manteve em silêncio quando o escândalo da Odebrecht incluiu as obras do metrô de Quito e salpicou o prefeito Mauricio Rodas, com quem Lasso mantém uma aliança desde outubro. Consultado sobre o tema, ele respondeu apenas que “o Movimento CREO, do qual ele faz parte, tem uma aliança com Movimento SUMA, de Rodas, e não com o município de Quito ou com seu prefeito”.
Os candidatos também propõem uma consulta popular com o objetivo de recuperar a democracia e a independência de poderes. No caso de Lasso, essa consulta seria destinada a que a população se pronuncie sobre as reformas à Constituição.
A questão econômica
O programa de governo de Cynthia Viteri contempla 16 propostas vinculadas à redução do gasto público improdutivo, a geração de estabilidade tributária, a eliminação de restrições às importações, a autonomia do Banco Central e as taxas de juros de acordo com a liquidez, além de defender a busca de um tratado de comércio com os Estados Unidos e também com a Ásia e a Europa, e de promover a entrada dos bancos estrangeiros.
Um tema que chama particularmente a atenção é sua fórmula para elevar os salários através da redução dos custos de produção. Algo que, na prática, raras vezes funciona socialmente, já que a economia nesses custos significa maiores lucros para o empregador, que não necessariamente são transferidos em benefícios dos empregados.
Com respeito ao tema tributário, na última década, a arrecadação se incrementou a 110,5 bilhões de dólares. Este montante significa algo em torno de 50% e 60% do orçamento do Estado, e está destinado, em sua maioria, a financiar as obras públicas e investimentos sociais. Ou seja, os impostos são os que sustentam as obras de infraestrutura, saúde, educação e segurança. Se a arrecadação diminui, haverá inevitavelmente um ajuste nos investimentos. Ademais, o Equador é o segundo país do continente com menor carga tributária para as empresas.
Ainda assim, Lasso e Viteri concordam com a necessidade de eliminar impostos, entre os quais mencionam o imposto à saída de divisas, o imposto às terras agrícolas, o imposto verde, a taxa sobre transação de veículos, o imposto aos espetáculos públicos e a antecipação do imposto de renda, além de defender uma redução do imposto sobre produtos e a eliminação das taxas e restrições às importações. Um dado a se considerar é que a maioria desses impostos não afeta a totalidade da população equatoriana, e sua eliminação estaria destinada a beneficiar os setores empresariais, além dos banqueiros e dos exportadores. No caso do empresário Guillermo Lasso, seria claramente um benefício pessoal, em detrimento das maiorias.
Perguntado sobre como contará com recursos econômicos para administrar o Estado, Lasso diz que acudirá ao setor privado, local e internacional, capaz de substituir os investimentos do governo nacional.
Nesta matéria, Lenín Moreno é partidário de um clima que ele chama de “estabilidade tributária”, embora reconheça que será necessário revisar alguns impostos de forma responsável. Para o candidato governista, não existe maneira de sustentar um sistema público garantista dos direitos sociais senão com soberania tributária. Sua postura é a de adaptar a atual matriz tributária, para que o sistema seja cada vez mais progressivo, e busque a partir daí sua eficiência.
Outro tema onde se concentram as propostas dos candidatos são as ofertas de emprego. Viteri oferece a livre contratação de trabalhadores como promessa de campanha. Ou seja, que o empregado e o empregador possam escolher em acordo o número de horas, dias ou meses de trabalho. Isto significa voltar ao velho paradigma flexibilizador, que causou problemas no passado. Por sua parte, Lasso planteia o aperfeiçoamento das modalidades de contrato temporário e a contratação por projetos. Vale recordar que a eliminação dos contratos por horas é considerada uma das grandes conquistas da Revolução Cidadã de Rafael Correa, em termos de política para o trabalho. Anteriormente, sob essa figura, não existia estabilidade para o trabalhador, e inclusive se chegava a pagar menos que o salário básico, vulnerando os direitos dos trabalhadores.
A promessa de Lasso é a de criar um milhão de novos empregos em quatro anos, a partir da derrogação de impostos, a criação de zonas francas e a entrada de investimentos estrangeiros. Neste último ponto, o candidato promete trazer ao país 10 bilhões de dólares em investimentos, o que é pouco provável, considerando que o Equador recebeu cerca de 1 bilhão em investimentos estrangeiros em 2015, quando obteve a maior quantidade injetada no país nos últimos 20 anos. De acordo com as cifras do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INEC), o número de desempregados no país é de cerca de 410 mil – cerca de 4,7%.
Lenín Moreno é o único candidato que reconhece, em sua plataforma, o trabalho da mulher em casa. Ressalta também uma mudança da matriz produtiva, para passar de uma economia primária exportadora a uma diversificada, baseada no conhecimento, e prevê o fortalecimento da economia popular e solidária. Com respeito ao emprego, o candidato propõe a realização de um acordo nacional pelo emprego e a produção com o setor privado. Ele também considera que a construção de moradias, as iniciativas em favor do turismo e o incremento da capacidade exportadora serão as fontes de emprego para os próximos anos.
A questão social
Lenín Moreno apresentou seu plano “Toda uma vida”, que conta com cinco eixos, desde o nascimento até a terceira idade.
O projeto inclui cinco programas. Um deles é o plano de moradia de interesse social para a população em situação de risco ou vulnerabilidade, com investimento de 900 milhões de dólares. Outra iniciativa será a “Missão Ternura”, que consiste em dar acompanhamento às mulheres em período de gestação e aos seus filhos, atenção pré-natal e outros benefícios.
O plano prevê a criação de uma linha de crédito para os empreendimentos juvenis de 300 milhões de dólares. Desta forma, seriam criados 200 mil novos postos de trabalho, segundo seus cálculos. Também haveria um aumento nos valores da Bolsa de Desenvolvimento Humano, de 50 a 150 dólares, com o objetivo de erradicar a pobreza extrema num prazo de dois anos.
Para os idosos, o plano governista também incluiria uma bolsa adicional mensal de 100 dólares e um seguro médico gratuito destinado às pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade.
As políticas para os idosos são um ponto a favor de Moreno, já que Viteri não apresentou nenhuma proposta específica destinada à terceira idade, enquanto Lasso resumiu sua iniciativa às mudanças que pretende fazer nos fundos de aposentadorias.
No âmbito da reconstrução do país, devido ao terremoto de 2016, para Lenín Moreno a prioridade seria a recuperação em termos de moradia e meio ambiente, e a criação de empregos urgentes para os afetados – baseando-se na ampliação de crédito para pequenos e médios empreendedores, visando fomentar o turismo e outras atividades. Já Guillermo Lasso, de acordo com seu programa neoliberal, minimiza a intervenção do Estado nesse processo de reconstrução, e diz que pretende delegar essa responsabilidade ao setor privado e à sociedade civil, além da promessa de declarar as duas províncias afetadas pelo terremoto (Manabí e Esmeraldas) como zona franca.
Cynthia Viteri, apesar de ter votado contra a Lei Orgânica de Solidariedade e Corresponsabilidade Cidadã, para a reconstrução e reativação das zonas afetadas através da ação do Estado, agora em campanha propõe um Plano Nacional de Moradias Populares. A proposta parece um pouco estranha, considerando o exemplo de Guayaquil, bastião político do seu Partido Social Cristão, que em 2012 reportava 15 casos de assentamentos humanos irregulares. A comunidade de Monte Sinaí, território desconhecido pela prefeitura e não considerado como parte dos limites geográficos do município, ocupa aproximadamente 1,2 mil hectares, onde habitam cerca de 274 mil pessoas.
A questão da saúde
O plano de Lenín Moreno se enfoca na política de promoção sexual e reprodutiva, outorgando prioridade à prevenção da gravidez adolescente – baseando-se nos números do Censo de 2010, que apontou que 18% de todos os nascimentos provinham de mulheres entre 12 e 19 anos. Também se aborda a problemática da má nutrição infantil, que afeta principalmente as crianças em situação de pobreza extrema, particularmente nas comunidades indígenas.
No caso dos candidatos de oposição, predomina uma posição de defesa radical dos postos de trabalho para os equatorianos, em detrimento dos médicos de outros países. Contudo, é importante lembrar que vinculação de médicos estrangeiros por parte do Estado, especialmente os provenientes de Cuba, vem seguindo sempre um critério de complementariedade, localizando esses profissionais em espaços geográficos onde os médicos equatorianos não podem chegar ou não querem ir.
Lasso confia no setor privado para a construção do modelo de Cidadelas da Saúde, que teria como um dos elementos a aplicação de um sistema de remuneração por incentivos aos médicos. Sua proposta defende claramente uma privatização desse setor.
A questão da educação
Um dos cavalos de batalha da oposição durante a campanha tem a ver com o tema educacional. Se trata da eliminação do Exame Nacional para a Educação Superior (ENES), que foi criado para garantir o livre acesso às universidades. A crítica se dá com o argumento de que a prova não conta com infraestrutura suficiente nem com o número necessário de professores.
Porém, essa promessa se viu um tanto afetada pelo anúncio do atual governo de que será colocado em prática, já neste ano, um novo sistema de seleção universitária, a partir da unificação do ENES e outros programas estatais, como o Ser Bacharel.
Neste ponto, é necessário recordar que o Equador tem sido o país que mais investe em educação em toda a região. O plano de Lenín Moreno menciona a necessidade de fortalecer a qualidade da educação, garantir o acesso universal e a permanência das crianças e jovens na escola, tendo como prioridade a educação bilíngue e intercultural. Além disso, se impulsa a construção de bibliotecas comunitárias, para evitar a deserção escolar e impulsar a investigação, vinculando-a com a economia popular e solidária, e aprofundando o acesso às tecnologias de informação e comunicação, para reduzir a brecha digital.
A questão internacional
O programa de Lenín Moreno planteia o fortalecimento dos organismos de integração regional, particularmente a Unasul e a CELAC, e dos mecanismos de cooperação com os demais países da América do Sul. Também destaca a necessidade de concretizar projetos de integração como o Banco do Sul e o Fundo do Sul, e impulsar a criação de um portal de notícias latino-americano, para servir de alternativa ao cerco informativo dos grandes monopólios midiáticos nacionais e internacionais.
Cynthia Viteri, por sua vez, é a mais audaz neste ponto, afirmando a necessidade de repensar a política exterior que o Equador manteve nos últimos anos, incluindo a desvinculação imediata de organismos como a ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da América, segundo a sigla em espanhol, organização da qual fazem parte também Venezuela, Bolívia e Nicarágua e Cuba e outros sete países caribenhos) e a Unasul, e a celebração de um tratado de livre comércio com os Estados Unidos, além da tentativa de se vincular com os países da Aliança do Pacífico. Neste sentido, tanto Lasso como Viteri, declararam que desejam retirar do país a atual sede da Unasul.
A questão de gênero
Em 2011, uma pesquisa determinou que 60,6 % das mulheres equatorianas já havia sofrido algum tipo de violência.
As propostas dos candidatos sobre este tema são diversas. O plano de Viteri se baseia em quatro eixos transversais: juízes e promotores especiais, mais e melhor educação a crianças e jovens e uma consulta popular sobre a proposta de prisão perpétua para casos de feminicídio. Entretanto, ela em sido criticada por excluir iniciativas para melhorar as condições de trabalho das mulheres, ou por se recusar a garantir o direito ao trabalho doméstico remunerado. Por ser a única candidata mulher no páreo, também é questionada pela ausência de políticas específicas a respeito da liberdade reprodutiva, ou do aborto mais especificamente. Lasso tampouco tem propostas concretas a esse respeito – ele afirma que convocará a um diálogo amplo dentro da sociedade para debater o tema do aborto.
A proposta de Lenín Moreno é taxativa quanto a enfrentar a problemática de gênero como uma prioridade nacional. Para isso, ele promete fortalecer o Plano Nacional de Erradicação da Violência de Gênero, além de criar um novo programa, a Rede Contra la Violência de Gênero.
A questão agrária
O plano de Lenín Moreno coloca a ênfase na necessidade de avançar na diversificação produtiva, melhorar o acesso à terra, aos recursos hídricos para irrigação e ao crédito.
Nesta temática existem duas propostas radicais: a de Viteri, que oferece eximir os camponeses de pagamento da energia elétrica e perdoar as dívidas de alguns clientes do BanEcuador, e a proposta de Lasso, de reformar a legislação de tal forma que os agricultores possam portar armas de fogo para a defesa de suas famílias. Com um comentário claramente sexista, o candidato afirmou: “vamos ajudar os trabalhadores rurais equatorianos a defender suas esposas, filhos e filhas como homens”. Nesse ponto, cabe destacar que graças ao Acordo Ministerial 749, de 2011, está proibido importar armas a escala nacional, e também o porte de armas, o que levou a uma redução histórica da taxa de homicídios.
* Maria Florencia Pagliarone é cientista política e investigadora do Centro Estratégico Latino Americano de Geopolítica.
Tradução: Victor Farinelli
Fonte: Carta Maior