Estratégia da esquerda é de confronto, não de diálogo com o inimigo

02/01/2016

Por José Reinaldo Carvalho

O ano de 2015, durante o qual as condições foram tão desfavoráveis para o desenvolvimento político, econômico e social do país, e em que a correlação de forças foi tão negativa, terminou, superando toda a expectativa, com uns pontos positivos para a esquerda. Por esquerda, entendo o PCdoB, o núcleo dirigente do PT liderado por Lula, setores da esquerda deste partido, movimentos sindicais, estudantis e populares e personalidades independentes. Como possível síntese, a recém-criada Frente Brasil Popular.

A maior vitória da esquerda foi ter rechaçado, no plano político e com o povo nas ruas, o golpe que se travestiu sob a envoltura do impeachment. O pretendido afastamento pela oposição neoliberal e conservadora da presidenta Dilma do cargo conquistado legitimamente nas urnas não se sustenta politicamente, nem juridicamente, à luz da Constituição da República.

A sua principal ilegitimidade reside em questões de natureza política, social e de perspectiva histórica.

A questão política. O processo de impeachment, com suas motivações fajutas, é apenas o pretexto de que se serve o condomínio oposicionista liderado pelo PSDB para tentar validar o golpe antidemocrático a serviço dos interesses das classes dominantes retrógradas e dos círculos imperialistas em que se apoiam. Para além das alegações jurídicas, faz falta evidenciar com a ênfase exigida pela dramaticidade da situação do país, as razões por que a esquerda consequente denuncia e combate a natureza do golpe.

É um golpe antidemocrático. Atenta contra as conquistas alcançadas em termos de participação popular e do acesso ao vértice do poder pelas forças políticas e ideológicas comprometidas com transformações de fundo na sociedade brasileira. Sérgio Buarque de Hollanda, quando disse em sua obra maior “Raízes do Brasil”, que a democracia no Brasil é um lamentável mal-entendido, evidenciava numa lapidar sentença a essência antidemocrática daqueles que, desde o colonialismo escravocrata mandam no país a golpes de chibata, cutelo, fuzil, tortura e também do engodo característico de um sistema político falsamente democrático.

A eleição de Lula em 2002 e, sucessivamente, sua reeleição e as duas eleições de Dilma Rousseff que se seguiram a esse acontecimento histórico, qualificado pelo Partido Comunista do Brasil como a abertura de um “novo ciclo político”, foi o começo de uma ruptura tendente a construir uma democracia de raiz efetivamente popular, que necessariamente entraria em conflito antagônico com o sistema hegemonizado pelo PSDB no período 1994-2002, caracterizado como “a ditadura dos punhos de renda”, na brilhante expressão do jurista Celso Antônio Bandeira de Melo. É sob esta ótica que se caracteriza como golpista e antidemocrática a tentativa de afastar a presidenta Dilma por meio do impeachment. Está em jogo se o Brasil continuará ou não acumulando forças e abrindo caminho para o soerguimento de um sistema político distinto tanto das ditaduras militares do passado, como da Constituinte de 1946 e da falsa democracia do PSDB no período de vigência da atual Constituição. Isto mostra como é uma quimera, e um desvio de rota, depositar a esperança de salvação da democracia no Brasil no diálogo do PT com o PSDB

A questão social. Quanto a este aspecto, para não ser exaustivo basta observar a reação dos neoliberais e conservadores ao aumento do salário mínimo, anunciado nestes dias crepusculares de 2015. A conquista dos trabalhadores foi apresentada como um fator a mais a pressionar as contas públicas, um ingrediente a mais a causar aumento da inflação, por isso mesmo medida inócua e contraproducente para quem o recebe, pois inevitavelmente será corroído pela inflação, enfim, uma medida demagógica da presidenta da República para forçar o aumento de sua popularidade. Contudo, segundo a Organização das Nações Unidas, de 2003 a 2015, o aumento real do salário mínimo no Brasil foi de 76%, o que alterou o perfil de consumo e foi o principal fator para a redução da pobreza no país. Em 1995, um salário mínimo comprava uma cesta básica, hoje compra mais que o dobro (2,22), segundo levantamento do Portal Brasil.

Luz para Todos, Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, políticas de inclusão educacional, políticas creditícias e incremento da capacidade de gestão da economia pelo Estado nacional soberano são também características do “novo ciclo” antagônicas com o caráter antissocial e antinacional do PSDB e seus aliados promotores do golpe do impeachment. Avanços sociais intoleráveis pelas classes dominantes herdeiras do regime escravista, titulares hoje do capitalismo monopolista-financeiro. Isto também mostra a falsidade do diálogo com o PSDB como medida salvadora da crise social no Brasil.

A perspectiva. A intentona golpista está bem viva, presente, não foi totalmente derrotada. Há um longo caminho pela frente, o que equivale a dizer que há uma dura luta a ferir em 2016 e subsequentemente. Um combate que deve ser simultâneo nos terrenos jurídico, parlamentar e da mobilização social. A exploração das contradições no campo inimigo, a ampliação das alianças e a condução do embate com o máximo de flexibilidade tática devem combinar-se com a mobilização do povo nas ruas e a consolidação da Frente Brasil Popular.

A ilegitimidade das forças golpistas também é patente quando se toma em consideração a perspectiva histórica. O novo ciclo aberto em 2002-2003 expõe nitidamente os próprios limites. Depois de 12 anos, tornou-se evidente que o Brasil, para alcançar um novo nível de desenvolvimento político, econômico e social precisa dar um salto histórico que suplante os marcos do sistema vigente. Objetivamente, a exigência histórica é de uma revolução política e social, a substituição das classes dominantes retrógradas no poder pelas classes trabalhadoras e as forças vivas da nação. É nula a hipótese de se chegar a algum tipo de reforma progressiva com base no pretenso diálogo com a principal força política inimiga do progresso social, da democracia, da soberania nacional, dos trabalhadores, da democracia popular e do socialismo – o PSDB e seu sistema de alianças.

A esquerda consequente – repito, o PCdoB, o núcleo dirigente do PT liderado por Lula, a esquerda deste partido e o amplo espectro de forças políticas e sociais que formam a Frente Brasil Popular – devem, contra toda ilusão, preparar-se para o confronto.

Jornalista, editor do Blog da Resistência

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