Rebelião popular derruba ditador em Burkina Fasso

31/10/2014

Acompanhando com imenso interesse os acontecimentos em Burkina-Faso, Viva a memória de Thomas Sankara, mártir das lutas pela libertação nacional e social dos povos da Mainha África!

“Como indivíduos, os revolucionários podem ser assassinados, mas você não pode matar as ideias”.

 

Rebelião popular derruba ditador em Burkina Fasso

 

O ditador de Burkina Fasso, Blaise Compaoré, tentou traficar com a Constituição para se manter a todo o custo no poder, depois de exercer a presidência por 27 anos. Sua pretensão fracassou devido a uma rebelião popular de amplitude inédita.

Uma revolta que vem de longe, muito longe. Para compreender a tempestade política que tomou conta do “país dos homens íntegros”, talvez seja necessário retornar a 15 de outubro de 1987. Naquele dia, Blaise Compaoré tomou o poder por meio de um golpe de Estado, durante o qual Thomas Sankara e 12 de seus companheiros foram assassinados. Desde então, ele se lançou à empreitada de varrer as imensas esperanças nascidas da revolução burquinense. Vinte e sete anos mais tarde, surdo às aspirações democráticas de seu povo, Blaise Compaoré cai.

Tudo começou a tombar na terça-feira (28/10), quando um milhão de burquinenses saíram às ruas para denunciar o projeto de revisão constitucional que manteria o autocrata no poder. Depois, um clima insurrecional tomou conta do país. Numa última tentativa de retomar o controle da situação, Blaise Compaoré, isolado, abandonado por seus patrocinadores ocidentais, decretou na quinta-feira (30), estado de emergência, a dissolução do governo e a abertura de negociações com a oposição. O texto imaginado pelo ditador para se instalar no trono presidencial vitaliciamente deveria ter sido examinado na quinta-feira pelos deputados. Tratava-se de abolir a limitação dos mandatos para permitir a Blaise Compaoré, depois de quatro mandatos, candidatar-se uma vez mais à eleição presidencial prevista para 2015. Os manifestantes passaram por cima da ordem do dia invadindo a Assembleia, incendiando-a sob os olhares passivos das forças policiais, enquanto os parlamentares deixavam o prédio.

Numa explosão irreprimível de ira popular, os manifestantes se espalharam pela capital Ouagadougou, alvejando as residências dos hierarcas do partido no poder, o Congresso pela Democracia e o Progresso (CDP) e sua sede. Instituições, hotéis, a sede da RTB, a televisão pública, todos os símbolos do poder foram tomados de assalto. “É preciso saudar a coragem e a tenacidade do povo burquinense que dá uma lição a todos os que na África traficam com as constituições para continuar no poder”, comemora Germaine Pitroipa, membro do Unir-Partido Sankarista. Para esta antiga companheira de luta de Thomas Sankara, “não se trata de violência gratuita. Os manifestantes, atacando os símbolos do Estado, exprimem a rejeição à humilhação e ao poder de um clã corrupto”.

Por falar em clã, François Compaoré, irmão mais novo e eminência parda do presidente deposto, foi preso no aeroporto de Ouagadougou, quando tentava fugir do país. Em face da maré humana montante em Kosyam, somente a guarda presidencial ainda defendia o palácio, na quinta-feira à tarde, atirando contra a multidão. No mesmo momento, outros manifestantes se reuniam na Praça da Nação, na presença do general Kouamé Lougué, acompanhado por militares. Este antigo ministro da Defesa, um homem da elite, tinha caído em desgraça em 2003, após uma suposta tentativa de golpe de Estado, agora um dos cotados para conduzir a transição. No sudoeste do país, em Bobo Dioulasso, reinava o mesmo clima insurrecional e alguns temiam as consequências de atos de violência já mortais.

“O poder caiu, acabou. A modificação constitucional foi um passo demasiadamente forçado. Esta jornada faz lembrar a de três de janeiro de 1966, quando uma insurreição popular derrubou do poder Maurice Yaméogo, primeiro presidente do Alto Volta (antigo nome do país) independente. Muito ressentimento foi acumulado no povo contra o regime de Blaise Compaoré”, afirmava na quinta-feira um diplomata burquinense. Seguro de sua autoridade e de sua longevidade política, confortado durante longo tempo pelo apoio das potências ocidentais, em primeiro lugar a França, Blaise Compaoré jamais quis tirar as lições das advertências que se multiplicaram nos últimos anos. Em 2011, uma série de motins no exército quase provocou a sua queda.

Durante mais de quatro meses, os movimentos de rebeldia dos militares, às vezes acompanhados de violências e pilhagens, tinham convulsionado o país. Na mesma época, milhares de estudantes saíram às ruas da capital, ombro a ombro com os professores em greve por aumento salarial. A repressão violenta acabou encorajando a radicalização da juventude.

Nesses movimentos exprimia-se um profundo mal-estar social e democrático, resumido nesses termos por Smockey, um cantor de Rap apreciado pela juventude burquinense: “Blaise Compaoré se comporta como um grande timoneiro. Depois de um quarto de século, os mesmos estão no comando. A juventude não se sente representada, ela está frustrada, exasperada”. Desde então, a contestação jamais se apagou. Até o começo deste ano, quando a mobilização popular alcançou um novo marco em face dos pequenos arranjos constitucionais imaginados pelo presidente burquinense. Abandonado por uma parte do CDP, que passou a viver uma verdadeira hemorragia de quadros, Blaise Compaoré imaginou impor a criação de um Senado, no qual ele depositava a esperança de se apoiar para promover as mudanças constitucionais necessárias a sua manutenção no poder.

A resposta se fez escutar nas ruas, com uma imponente manifestação em Ouagadougou, em 18 de janeiro de 2014. Patrocinado pelos músicos Smockey e Sams’k Jah, um movimento nascido no verão de 2013, o “Vassoura Cidadã”, multiplicou nas últimas semanas concertos e concentrações para exigir uma transição democrática, palavra de ordem depois adotada pela oposição política. Na última quinta-feira à noite, quando a capital ainda estava mergulhada no caos e na confusão, militares e líderes da oposição reinvestiram-se de uma autoridade costumeiramente muito respeitada. Em contraste, na rede Twitter, Blaise Compaoré postava em sua conta oficial uma mensagem surrealista: “Queridos compatriotas burquinenses, lanço um apelo à calma e à serenidade”.

Durante três décadas, ele foi o homem do trabalho sujo da chamada França africana, o provocador de tumultos em países vizinhos, o bom menino do FMI, coveiro de todas as esperanças sociais das revolução, o ditador do reinado manchado de sangue, organizador da impunidade dos assassinos do jornalista Norbert Zongo.

Mas o que o povo burquinense sem dúvida jamais lhe perdoou é sua responsabilidade no assassinato de Thomas Sankara. Os retratos e as citações do jovem capitão estavam por todos os lados, brandidos nestes dias pelos manifestantes, como tantos testemunhos de luta e de determinação. “Thomas Sankara, veja teus filhos, nós fazemos o teu combate!”, proclamava um cartaz nas ruas de Ouagadougou na quinta-feira. Nessas horas de confusão, como não pensar na figura sempre impressionante daquele que se tornou um ícone da juventude africana? “A democracia, dizia Sankara, é o povo com todas as suas potencialidades e sua força. (…) Ali onde o povo pode dizer todo dia o que pensa, existe uma verdadeira democracia, portanto, é necessário que todo dia mereçamos sua confiança. Não se pode conceber a democracia sem que o poder, sob todas as suas formas, seja colocado nas mãos do povo; o poder econômico, militar, político, o poder social e cultural”.

Depois do movimento popular que pôs fim a 27 anos do regime autocrático de Blaise Campaoré, dois militares se autoproclamaram sucessivamente chefe de Estado de Burkina Fasso.

O tenente-coronel Isaac Zida, comandante da guarda presidencial do país, anunciou neste sábado (1º/10) a tomada do poder e prometeu uma transição democrática calma”. “Assumo a partir de hoje as funções de dirigente da transição e de chefe de Estado”, declarou na manhã deste sábado na televisão. Ele organizou um golpe contra o general Nabéré Honoré Traoré, chefe do Estado Maior do exército, que tinha tomado o poder após a demissão do presidente Blaise Compaoré.

Na sexta-feira (31/10), Traoré, tinha dado a conhecer que assumiria “as responsabilidades de chefe de Estado”, quando a interinidade deveria ser exercida pelo presidente da Assembleia Nacional, em caso de vacância do poder. O anúncio provocou a revolta nas ruas de Ougadougou, pois o general é considerado um aliado de Compaoré. Os militares estão divididos.

O tenente-corolen Isaac Zida, à frente de um grupo de jovens oficiais, se opôs pela força ao general Traoré. Após muitos enfrentamentos em torno do palácio presidencial, ele decidiu inicialmente a suspensão da Constituição. Depois, anunciou o fechamento das fronteiras terrestres e aéreas. Seguro do apoio de importantes componentes da sociedade civil, inclusive a “Vassoura Cidadã”, uma das principais organizações da mobilização anti-Compaoré, Zida igualmente declarou que brevemente instalará um novo “órgão da transição”, para favorecer um “rápido retorno” à ordem constitucional. Isaac Zida se encontraria com outros militares, diplomatas e líderes políticos.

Os dois militares que pretendem suceder a Compaoré suplantaram um terceiro homem, o general reformado Kouamé Lougué, o favorito da população.

O Partido Comunista Francês (PCF) emitiu um comunicado no qual assinala, entre outras coisas: “O período de transição que se abre é um verdadeiro desafio. Os antigos pilares do regime militar e do clã no poder queriam manter o controle. Uma grande responsabilidade repousa sobre os ombros dos burquinenses para escrever, com a maior vigilância, uma nova e bela página da história do ‘país dos homens íntegros’ e do continente africano. Os comunistas franceses apoiam o povo e as forças progressistas burquinenses tendo em vista este objetivo”.

Fonte: L´Humanité, jornal comunista francês; tradução de José Reinaldo Carvalho, editor do Vermelho

 

 

 

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