A Síria e a Doutrina Wolfowitz

14/01/2016

O presidente Barack Obama está sob o guarda-chuva da Doutrina Wolfowitz, iniciada em 1992 e mantida durante anos por seus proponentes George Bush pai e filho, cujo objetivo é manter à força um mundo unipolar liderado pelos Estados Unidos e evitar o surgimento de potências rivais.

Por Luís Manuel Arce*

Grande parte do que vem sendo feito, desde a invasão do Afeganistão e do Iraque, incluindo golpes em locais tão díspares como a Ucrânia e Honduras, ou temas aparentemente tão distantes de assuntos militares, como a extração de petróleo a partir de areias betuminosas ou fracking** para provocar um colapso no mercado de petróleo bruto, são ações premeditadas sob o foco desta doutrina.

Esse pensamento neoconservador desenvolvido por um grupo de ideólogos do sistema e surgido após o fim da União Soviética e do bloco socialista do Leste Europeu, procura consolidar um poder unilateral concentrado em Washington.

Wolfowitz, vinculado durante 30 anos ao Pentágono, tranquilamente declara:

“Nosso primeiro objetivo é evitar o ressurgimento de um novo rival que represente uma ameaça semelhante à colocada anteriormente pela União Soviética, tanto no território da ex-URSS quanto em quaisquer outros lugares. Esta é a base da nossa nova estratégia de defesa regional e exige o nosso esforço para evitar que uma potência hostil domine uma região cujos recursos, sob um controle consolidado, sejam suficientes para gerar energia global”. Fica evidente que se refere ao Oriente Médio.

Desde então, sob a bandeira dos Bush, esse pensamento é como um manifesto do establishment estadunidense, que foi executado sem mais por Richard Cheney, então secretário da Defesa, e vem sendo seguido e mantido por seus sucessores no Pentágono e no Departamento de Estado, segundo Paul Craig Roberts, destacado cientista político dos EUA.

Recentemente, a essência dessa ideologia foi exposta pelo jornalista Charles Krauthammer, no Washington Post, quando escreveu:

“Temos um poder global esmagador. A história nos tem apontado como guardiões do sistema internacional. Quando a União Soviética entrou em colapso, algo novo nasceu, algo completamente novo, um mundo unipolar dominado por uma superpotência sem rival e com alcance decisivo a todos os rincões do mundo. Isto supõe um novo e surpreendente desenvolvimento histórico, que não era visto desde a queda de Roma. Nem mesmo Roma é um modelo adequado para o que agora são os EUA”.

O presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, acaba de denunciar que a insolência do seu opositor Henry Ramos ao retirar das paredes da Câmara de Deputados, quadros do libertador Simón Bolívar e do líder venezuelano, Hugo Chávez, faz parte de um plano com apoio internacional para criar as condições que “justifiquem” a intervenção militar.

No mesmo contexto, encaixa-se o desrespeito ao Supremo Tribunal de Justiça, quando prestaram juramento na Assembleia três legisladores impugnados, o que prova que a oposição conservadora desconhece o Poder Judiciário.

Esse panorama não é novo e está muito bem definido na Doutrina Wolfowitz, sob a nomenclatura de caos premeditado, colocado em cena com uma orientação muito específica na Líbia, com o objetivo de derrubar e assassinar Muamar el Kadafi e ocupar o país, como denunciara Craig Roberts.

Como o especialista reitera, o caos na Líbia não foi instalado porque os líbios não teriam sido capazes de entrar num acordo entre si, após a morte de Kadafi, e sim porque este foi o objetivo estratégico dos Estados Unidos. Nunca houve uma revolução democrática, mas um movimento separatista na região de Cirenaica. Nunca houve implementação alguma de um mandato da ONU para proteger a população, mas um massacre perpetrado pela Otan, que custou a vida de 160 mil líbios, dos quais 75 por cento eram civis, de acordo com a Cruz Vermelha Internacional.

A Venezuela, é evidente, não é um evento isolado porque a doutrina neoconservadora de Wolfowitz é global, como também é a de Brzezinski sobre a “erosão por dentro” que, em seu momento, serviu de base ao que ainda se aplica à Casa Branca, cujo exemplo é o item 3 da Lei Torrecelli, no caso de Cuba. A guerra na Síria é a expressão mais atualizada desse pensamento, porque nesse palco de batalha, os Estados Unidos têm uma multiplicidade de objetivos geopolíticos que vão desde monopolizar, em benefício próprio, a rota do petróleo e do gás, até consolidar o regime sionista em Israel, cercar militarmente a República Popular da China e a Rússia e assumir o controle político absoluto da região.

O critério para essa estratégia é que, derrotada a URSS, que havia sido o muro de contenção da unipolaridade dos EUA, não é possível que se permita que o presidente russo, Vladimir Putin assuma o papel dos soviéticos ou a China, com o seu impressionante desenvolvimento econômico, também o faça ou se una a Moscou, em uma poderosa aliança estratégica.

Esse objetivo explica o sucesso alcançado no Afeganistão e no Iraque, a impunidade de Israel em relação a seus crimes e a colonização dos territórios ocupados, as ameaças ao Irã, os fatos puníveis contra a Líbia, a guerra atroz na Síria, o surgimento de alegados grupos fundamentalistas fora da ordem e da lei, o caos nos países do norte da África, o golpe de Estado na Ucrânia, a ofensiva contra a ex-presidenta Cristina Kitchner na Argentina e Dilma Rousseff, presidenta do Brasil, as pressões contra os presidentes do Equador, Rafael Correa, e da Bolívia, Evo Morales, o caos na Venezuela, e a subjugação vergonhosa da Europa a Washington.

A Venezuela provocou alertas na América Latina, enquanto Eric Sommer, da Global Time, acende luzes vermelhas para o que ele chamou de preparação da guerra dos EUA contra a China e o papel lamentável que Washington está atribuindo à Parceria Transpacífica (TPP), neste jogo perigoso.

A preparação da guerra, segundo Sommer, parece dirigida a intimidar, debilitar e, inclusive, possivelmente desestabilizar o governo e a sociedade chineses, incluindo tentativas de cercar e isolar a China, do ponto de vista militar, econômico e de informação.

Nesta estratégia, Sommer adverte que os Estados Unidos consideram o TPP como a ala econômica da preparação da guerra para sitiar a China, além de uma proposta de tratado regulador e de investimento regional que excluiria Pequim das negociações em curso.

Os ideólogos dos Estados Unidos, independentemente de suas preferências partidárias – Paul Wolfowitz foi primeiro democrata e depois republicano –, consideraram-se os vencedores da guerra fria e proclamaram o fim da história, como abordado na obra de Francis Fukuyama, como parte da política de banir a história política e incentivar a distopia, como forma de apagar a memória histórica dos povos.

Dessa maneira foram construindo esse painel de propaganda de uma suposta unipolaridade para fazer crer que a história escolhera o capitalismo como a ideologia universal e os Estados Unidos, o país excepcional, para dirigi-la, ou seja, a hegemonia real gestada em 70 anos de pós-guerra.

Neste contexto, algum dia os segredos dos meandros da queda das torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 serão revelados, – um fato sobre o qual há muitas dúvidas fundamentadas– que brotam no caminho que levou às desgraças que ocorrem hoje no Oriente Médio e a proliferação de organizações terroristas como o chamado Estado Islâmico, a Al-Qaeda e muitas mais de gênese tão obscura.

O golpe de Estado na Ucrânia em 22 de fevereiro de 2014, e as sanções dos EUA e da Europa ao presidente russo, Vladimir Putin, têm a mensagem subliminar neoconservadora do pretenso poder único, alegado pelos defensores da unipolaridade.

No entanto, queiram ou não, os fundamentos da Doutrina Wolfowitz são pouco profundos e o edifício foi abalado pelo bloqueio russo muito eficaz à invasão militar que haviam planejado na Síria.

Os neoconservadores sabem e assumem que se tratou de um fracasso da sua doutrina, e isso explica os tropeços que os EUA e a EU vêm sofrendo em uma suposta batalha contra o Estado Islâmico.

Não obstante o que se disse até agora, a Síria continua a ser a encruzilhada que pode levar a paz ou a guerra a grande parte do mundo. Uma paz impulsionada por aqueles que lutam por uma responsabilidade compartilhada em um mundo multipolar. Uma guerra com consciente recurso destrutivo de que, infelizmente, aqueles que seguem obstinados na busca do controle unipolar do universo, podem lançar mão.

 

*Editor da Presa Latina, Havana, Cuba.

**Fracking é um processo destrutivo usado para extrair gás da rocha de xisto que se encontra no subsolo.

Fonte: Prensa Latina. Traduzido por Maria Helena De Eugenio para o Blog da Resistência.

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