O cancelamento da História
Os governos da Europa cancelam a história da Resistência de seus povos
O 70° aniversário da vitória sobre o nazismo, em 9 maio em Moscou, foi boicotado sob pressão de Washington por todos os governantes da União Europeia (UE), exceto o da Grécia, e posto à sombra pela mídia ocidental, numa grotesca tentativa de cancelar a História. Não sem resultados: na Alemanha, França e Reino Unido, 87% dos jovens ignora o papel da União Soviética na libertação da Europa do nazismo, papel que foi determinante para a vitória da coalizão antinazista.
Por Manlio Dinucci no Il Manifesto*
Atacada a União Soviética em 22 de junho de 1941 com 5,5 milhões de soldados, 3.500 tanques e cinco mil aviões, a Alemanha nazista concentrou no território soviético 201 divisões, ou seja, 75% de todas as suas tropas, às quais se acrescentavam 37 divisões dos países satélites (entre eles a Itália). A União Soviética pedia insistentemente que os aliados abrissem um segundo front na Europa, mas os Estados Unidos e o Reino Unido retardaram isto, visando a descarregar a potência nazista sobre a União Soviética para debilitá-la e obter assim uma posição dominante ao término da guerra.
O segundo front foi aberto com o desembarque anglo-americano na Normandia em junho de 1944, quando o Exército Vermelho e os guerrilheiros soviéticos tinham derrotado as tropas alemãs, assestando o golpe decisivo à Alemanha nazista.
O preço pago pela União Soviética foi altíssimo: cerca de 27 milhões de mortos, sendo a metade civis, correspondendo a 15% da população (em comparação a 0,3% dos Estados Unidos durante toda a Segunda Guerra Mundial); cerca de cinco milhões de deportados à Alemanha; mais de 1.700 cidades densamente povoadas, 70 mil pequenos povoados e 30 mil fábricas da União Soviética foram destruídas.
Tenta-se cancelar esta página fundamental da história europeia e mundial, mistificando ainda sucessivos eventos. A guerra fria, que dividiu de novo a Europa logo após a Segunda Guerra Mundial, não foi provocada por uma posição agressiva da União Soviética, mas pelos planos de Washington de impor o domínio estadunidense sobre uma Europa em grande parte destruída.
Também aqui falam os fatos históricos. Apenas um mês depois dos bombardeios nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, em setembro de 1945, no Pentágono já calculavam que existiam outras 200 bombas nucleares para atacar a União Soviética. Em 1946, quando o discurso de Churchill sobre a “cortina de ferro” abria oficialmente a guerra fria, os Estados Unidos possuíam 11 bombas nucleares, que em 1949 já eram 235, enquanto a União Soviética ainda não possuía a arma nuclear. Mas naquele ano a União Soviética efetuou a primeira explosão experimental, começando a construir o seu próprio arsenal nuclear.
Naquele mesmo ano foi fundada em Washington a Otan, com caráter antissoviético, seis anos antes do Pacto de Varsóvia, constituído em 1955.
Terminada a guerra fria, na sequência da dissolução do Pacto de Varsóvia e da própria União Soviética, sob o impulso de Washington a Otan se estendeu até o território da ex-União Soviética. E quando a Rússia, recuperada da crise, reconquistou um papel internacional restringindo as crescentes relações econômicas com a UE, o golpe na Ucrânia, sob a regência dos Estados Unidos e da Otan, remeteu a Europa ao clima da guerra fria.
Boicotando, a reboque dos Estados Unidos, o 70º aniversário da vitória sobre o nazismo, a Europa ocidental (os seus governos) cancela a história da sua própria Resistência, traindo-a ao apoiar os nazistas que foram ao governo de Kíev. Subestima a capacidade de reação da Rússia, quando é lançada ao canto do ringue. Ilude-se de poder continuar a ditar as leis, quando a presença em Moscou de alguns dos máximos representantes dos Brics, a partir da China, e de tantos outros países, confirma que o domínio imperial do Ocidente está em declínio.
*Manlio Dinucci é jornalista italiano; traduzido por José Reinaldo Carvalho