América Latina
Direita quer estrangular os sonhos e utopias de nossa América
A direita continental volta a tecer o laço do enforcamento com corda emprestada e tenta colocá-la no pescoço de uma América Latina que mostra fragilidades após uma etapa de vitórias populares impressionantes e históricas.
Por Luis Manuel Arce Isaac, na Prensa Latina
Reveses eleitorais que comprometem em diferentes graus os processos sociais em países como Argentina, Venezuela e Bolívia e estimulam ações inclusive de maior envergadura no Brasil e no Equador, marcam o rumo escolhido para derrubar governos progressistas desgastando-os por dentro sem a necessidade de quarteladas como antigamente.
As próprias estruturas do que se costuma chamar racionalidade democrática pós-modernista impedem o regresso ao “gorilato” militar defasado e, em seu lugar, recorrem a juízes, promotores, tribunais e deputados conservadores ou corruptos para chegar à mesma meta sob ares civilistas, que o presidente equatoriano Rafael Correa denomina novo Plano Condor.
O avanço dessa direita nas urnas por pequenas margens como na Argentina, ou perigosas maiorias na Venezuela e na Bolívia, não pode ser subestimado porque aponta no sentido de desequilibrar uma correlação de forças na região que, pela primeira vez em muito tempo, foi desfavorável aos Estados Unidos.
O século 21 trouxe consigo um fluxo político e ideológico muito forte na periferia sul que surpreendeu o sistema de dominação dos Estados Unidos e da velha Europa, o qual desenterrou a opção de um socialismo de novo tipo sem deixar de ser marxista frente ao neoliberalismo, proclamado por Hugo Chávez, quando ideólogos conservadores anunciavam o fim da história e das ideologias.
Nessa maré, estiveram na crista da onda a Venezuela com sua revolução bolivariana, a Bolívia, o Equador, a Nicarágua sandinista, a Argentina e o Brasil com Lula, apoiados nos mecanismos de integração como a Alba-TCP (Tratado de Comércio dos Povos), Petrocaribe, Sela, Unasul, Celac, a Associação de Estados do Caribe e instrumentos da batalha de ideias tão valiosos como a Rede de Intelectuais em Defesa da Humanidade ou a Telesul.
O poder do acordo e da unidade da América Latina e do Caribe ficou demonstrado com a esmagadora derrota da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o cavalo de Troia derrotado por Chávez, Fidel Castro e Néstor Kirchner na Argentina, com o qual os Estados Unidos pretendiam recuperar o terreno perdido e consolidar sua dominação econômica e comercial.
A reação ofensiva conservadora tem provocado um refluxo contrário ao progressismo, cujas consequências negativas evidenciam-se na Argentina e no Brasil, com graves divisões nos setores da esquerda e uma propaganda encabeçada por meios de imprensa neoliberais que faz estragos, cria confusões e apoia como boas atitudes de traição aos povos, como o pagamento de 12 bilhões de dólares aos “fundos abutres”, ou um atroz processo de julgamento político de Dilma Rousseff, tal como anúncio de que o golpe perpetrado no Paraguai contra Fernando Lugo ou em Honduras contra Manuel Zelaya pode se repetir sem se importar com a potencialidade política de grandes países como o Brasil, onde a campanha atinge também Lula.
Na Venezuela, o refluxo é muito concreto e sua força pode ser medida nas ações para um golpe parlamentar contra o presidente Nicolás Maduro, liderado por uma direita podre que já se pensava enterrada, com cadáveres políticos como Henry Ramos Allup e Antonio Ledezma, que pretendem eliminar a Constituição bolivariana, esmagar a revolução chavista e implantar um governo como o do Pacto do Ponto Fixo e o “caracazo” do ex-presidente Carlos Andrés Pérez.
Na Bolívia expressa-se na cruzada contra Evo Morales, para tentar frustrar os planos de desenvolvimento – terminar de tirar o país e seu povo da pobreza secular, e fazer voar em pedaços o Estado multiétnico, enquanto aceleram a implantação de instrumentos de desintegração latino-americana como a Aliança do Pacífico.
Se nos deixarmos levar por aquilo que, em termos estratégicos, a história sempre caminha para frente, a América Latina não deveria temer pelo que está acontecendo.
Todavia, a história é feita pelos homens e os povos e suas ações não são sempre perfeitas pela enorme quantidade de fatores que influem nos processos sociais.
A lição mais elementar dos retrocessos nas urnas ocorridos nesses países indica que se as mudanças políticas são realizadas com a camisa de força imposta pelo capitalismo, a tarefa é bem mais dura, difícil e complexa porque é necessário ganhá-la com padrões preestabelecidos criados e conduzidos pela direita com muito domínio e mais dinheiro para preservá-los.
Isso implica que na atualidade latino-americana evitar retrocessos como os citados na Argentina e inclusive na Venezuela revolucionária, depende ainda de um forte domínio das estruturas principais do sistema capitalista como são os processos eleitorais, e de uma mais difícil ainda educação ideológica que implique uma mudança cultural, sem a qual é quase impossível consolidar um processo social pós-neoliberal.
Fazê-lo assim é batalhar para impedir que a direita consiga repor o neoliberalismo para estrangular os sonhos e utopias de nossa América.
Luis Manuel Arce Isaac é jornalista da agência Prensa Latina