Nicarágua
Conheça a trama do golpe na Nicarágua: milhões de dólares a favor da ‘insurreição’
No artigo intitulado “Máquina intervencionista da administração norte-americana vangloria-se de preparar o terreno para a insurreição na Nicarágua”, publicado recentemente pelo jornalista norte-americano Max Blumenthal em The Gray Zone Project, as teorias sobre a preparação do golpe com apoio gringo – para o qual o governo sandinista tem chamado a atenção – ganham densidade.
“Se alguma imprensa mainstream tem procurado retratar o violento movimento de protesto na Nicarágua como uma corrente progressista de base, os líderes estudantis do país dão a entender outra coisa”, afirma-se no texto, que lembra como, no início deste mês, os líderes estudantis nicaraguenses, com papel destacado no movimento de oposição ao governo de Daniel Ortega, se deslocaram a Washington, sendo acolhidos pela Freedom House, ONG de direita que financiou a sua viagem, para buscar apoio no seio da administração dos EUA e da fina flor da extrema-direita intervencionista – vide Ted Cruz ou Mark Rubio –, com quem se reuniram e posaram para fotografia.
Também foram recebidos por altos funcionários do Departamento de Estado e por Mark Green, presidente da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), caracterizada por Blumenthal como a organização do soft power da admnistração norte-americana.
Maradiaga na OEA
Na mesma ocasião, ao investir contra a “ditadura de Ortega”, fez-se representar na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, uma delegação da oposição liderada por Félix Maradiaga, presidente do Instituto de Estudos Estratégicos e Políticas Públicas (IEEPP) de Manágua, que, segundo Blumenthal, recebeu pelo menos 260 mil dólares da Fundação Nacional para a Democracia (NED, na sigla em inglês) desde 2014.
As subvenções destinavam-se a apoiar o trabalho do IEEPP na área da educação de ativistas, com vistas a “fomentar o debate e gerar informação sobre segurança e violência”. O financiamento também se destinava a cobrir os esforços para monitorar a “presença crescente da Rússia e da China na região”, refere-se no texto.
Sobre Maradiaga, Max Blumenthal afirma que a sua agenda veio à tona mal se iniciaram os protestos violentos na Nicarágua contra Ortega. “Ex-líder do Young World Forum, educado em Yale e Harvard, foi elogiado por La Prensa por ‘suar, sangrar e chorar ao pé dos jovens estudantes que lideraram os protestos na Nicarágua’ “, que, de acordo com a informação divulgada na terça-feira (26) pela Comissão da Verdade, Justiça e Paz, já provocaram 194 vítimas mortais.
Diálogo é retomado
Enquanto Maradiaga estava em Washington, a polícia nicaraguense acusou-o de supervisionar uma rede criminiosa organizada que assassinou várias pessoas durante os ataques violentos no país centro-americano. Maradiaga afirmou ser vítima de uma “perseguição política” e classificou as acusações como “ridículas”, mas adiou o regresso à Nicarágua, recebendo total apoio do Departamento de Estado dos EUA.
O grupo Hagamos Democracia é o que mais fundos recebe da NED – 525 mil dólares desde 2014. De acordo com Blumenthal, o presidente do grupo, Luciano Garcia, que supervisiona uma rede de repórteres e ativistas, declarou que Ortega transformou a Nicarágua num “Estado falido”, tendo exigido a “sua demissão imediata”.
O autor afirma que a NED procurou esconder bem a identidade das organizações que financiava para alimentar a oposição a Daniel Ortega, mas estas eram bem conhecidas na Nicarágua. No entanto, quem mais dinheiro “investe” contra os governos de “orientação socialista na América Latina” é a USAID. Só na Nicarágua, o orçamento deste organismo centrado na ingerência, no intervencionismo e na desestabilização “ultrapassou os 5,2 milhões de dólares em 2018”, na sua maioria destinados ao “treino da sociedade civil e de meios de comunicação social”.
A ingerência, dita sem rodeios
No dia 1º de Maio, cerca de um mês antes do giro da direita em Washington, Benjamin Waddell, diretor acadêmico da School for International Training in Nicaragua, afirmou sem rodeios numa publicação financiada pela NED que “organizações apoiadas pela NED passaram anos e milhões de dólares a ‘criar as bases para a insurreição’ na Nicarágua”.
Publicado no Global Americans – um portal noticioso centrado na América Latina –, o artigo de Waddell “vangloria-se abertamente da ingerência dos EUA”, afirma Blumenthal, que sublinha o caráter “francamente sincero da avaliação do impacto dos investimentos realizados pela NED” na sociedade nicaraguense.
De “forma inadvertida”, as conclusões do autor fazem eco às do presidente sandinista Daniel Ortega e seus apoiadores, que “enquadraram os protestos no âmbito de um golpe cuidadosamente montado e apoiado até aos dentes por Washington”, frisa Blumenthal.
Onda de violência
Numa publicação financiada pela NED, Benjamin Waddell salienta o “engano” da imprensa internacional ao descrever a “rápida escalada de distúrbios” na Nicarágua “como uma explosão espontânea de descontentamento coletivo”, desencadeada, entre outros fatores, pelas mudanças do governo no sistema de Segurança Social. Waddell esclarece: “Se é verdade que havia causas subjacentes à confusão enraizadas na má administração e na corrupção do governo, é cada vez mais claro que o apoio dos Estados Unidos teve um papel no fomento dos levantamentos atuais”.
Noutra passagem igualmente esclarecedora e “sem rodeios”, destacada por Blumenthal, Waddell afirma que “o atual envolvimento da NED na alimentação de grupos da sociedade civil na Nicarágua deita luz sobre o poder do financiamento transnacional de influir nos resultados políticos no século XXI”.
Waddell defende os resultados da NED e nem se esquece do seu papel na Primavera Árabe… Ainda em relação à Nicarágua, afirma que o organismo intervencionista norte-americano gastou 4,1 milhões de dólares entre 2014 e 2017, financiando 54 “projetos” para “criar as bases para a insurreição” – a “mudança”, em versão posterior, alterada do texto.
Resistência, com AbrilAbril