Opinião
China e Estados Unidos, duas visões opostas
O mundo caminha no sentido da multipolarização, que para os povos é uma oportunidade para a paz, a democracia e a cooperação, escreve o dirigente comunista José Reinaldo Carvalho
Por José Reinaldo Carvalho (*)
Em meio ao prosseguimento da Operação Militar Especial desencadeada na Ucrânia pela Rússia no dia 24 de fevereiro, que monopoliza o noticiário internacional, vale destacar a reunião realizada em Roma na última segunda-feira (14), entre altos representantes da China e dos Estados Unidos.
O país socialista asiático foi representado por Yang Jiechi, membro do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) e diretor do Escritório da Comissão de Assuntos Exteriores da mesma instância partidária, enquanto que o país imperialista da América do Norte enviou o assessor da Casa Branca para Assuntos de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan.
Foi o primeiro encontro de alto nível entre a China e os EUA, depois da videoconferência entre os seus principais dirigentes, em novembro do ano passado. Naquela ocasião, o presidente chinês, Xi Jinping, propôs a adesão ao princípio de respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação de benefício recíproco ao tratar das relações bilaterais na nova época. Por sua vez, Joe Biden prometeu que não promoverá uma nova guerra fria, não tentará mudar o sistema da China, não fará aliança com terceiros contra a China e não apoiará a independência de Taiwan. Biden também manifestou, diante de Xi Jinping, que não quer confronto.
Vale recordar também que há exatamente um ano, no dia 18 de março, no primeiro encontro entre os governos dos EUA e da China após a posse do presidente Joe Biden, houve duras altercações. “Ações da China ameaçam a ordem baseada em regras que mantém a estabilidade global”, advertiu o secretário de Estado americano, Antony Blinken.
Por sua vez, a diplomacia chinesa enfatizou que Pequim “não tem margem para concessões em questões relacionadas a sua soberania, segurança e interesses fundamentais”, e instou os EUA a não manter com a China uma “diplomacia de megafone”.
Os comunicados oficiais emitidos após a reunião de Roma da última segunda-feira foram mais amenos, referindo-se à realização de um diálogo aberto, profundo e construtivo sobre as relações bilaterais, questões internacionais e regionais de interesse comum. Ucrânia, Afeganistão e Península Coreana foram temas sobre a mesa.
Ficaram evidentes as diferenças de opinião sobre o papel dos grandes países na promoção e garantia da paz e a estabilidade do mundo, o que é explícito quando observamos as opiniões de ambos quanto às verdadeiras razões do atual conflito no Leste Europeu. Os Estados Unidos e seus aliados da Otan ignoram completamente a evolução dos problemas políticos na região e a gravidade das ameaças à segurança da Rússia advindas do longo processo, que se arrasta há cerca de três décadas, de expansão da Otan, algo para o que a China tem chamado a atenção desde que proferiu seus votos quando a questão foi examinada nas Nações Unidas. Há uma nítida divergência de enfoques entre o país asiático e os Estados Unidos, quando se trata de buscar as soluções pacíficas para um conflito desta envergadura.
Quanto às relações bilaterais, a parte chinesa não deixou de fazer, ainda que em termos diplomáticos, uma crítica severa à atitude do governo dos Estados Unidos. A parte chinesa expressou seu descontentamento com o não cumprimento das promessas da Casa Branca quanto a assuntos sensíveis para a China. Os EUA anunciaram a venda de armas a Taiwan, enviaram autoridades para visitar a ilha e emitiram uma nova estratégia para a região do Indo-Pacífico, reforçando o boicote e uma tentativa de cerco militar à China. Deixam transparecer que as recentes alianças estabelecidas na região poderiam conduzir à criação de uma réplica miniaturizada da Otan. Os chineses fizeram notar que todas as recentes condutas estadunidenses são contrárias às promessas feitas por Biden, o que obstrui o processo de normalização das relações sino-estadunidenses.
A China protesta em face da conduta dos Estados Unidos de não cumprir a própria palavra. Enquanto Biden declarou perante o líder chinês que aceita o princípio de que no mundo existe apenas uma China como base para o bom desenvolvimento das relações bilaterais, e se compromete em palavras a não apoiar a independência de Taiwan, na prática seu governo incita os separatistas de Taiwan, Xinjiang, Hong Kong e Tibet.
Em todo caso, a diplomacia faz parte da luta geopolítica e é instrumento válido para amortecer ou minorar os efeitos dos conflitos. A paz e a cooperação são benéficas a toda a humanidade. E são sempre uma bandeira das forças progressistas, porquanto são as potências imperialistas que buscam a hegemonia e o fazem por meio de guerras e outros mecanismos de opressão e exploração dos povos.
Os Estados Unidos, ao longo da segunda metade do século 20 e nas duas décadas já decorridas do século 21, sempre buscaram a hegemonia, por meio da confrontação, do abuso de poder nas relações internacionais e da violação de tratados e acordos internacionais relacionados à estabilidade e bem-estar de todos os países e povos.
A superpotência norte-americana encara a China e a Rússia como os atuais obstáculos à realização dos seus planos de domínio no mundo, razão pela qual estabeleceu como meta de suas políticas externa e de defesa impedir a ascensão da China ao primeiro plano da vida política e econômica internacional e limitar o poder nacional da Rússia. Ainda que não tenha feito pronunciamentos públicos eloquentes, está contrafeita com a elevação da parceria estratégica entre os dois gigantes euro-asiáticos que celebraram uma nova etapa da sua cooperação na histórica Declaração Conjunta de 4 de fevereiro último.
É uma ilusão dos Estados Unidos supor que é possível desafiar a principal tendência da época, contrária ao seu domínio hegemônico. O mundo caminha no sentido da multipolarização, que para os povos é uma oportunidade para lutar em melhores condições pela paz, a democracia, o progresso social e a cooperação.
É ilusório também o empenho pretender impedir a marcha da China, supondo que o grande povo daquele país, seu governo e a força política dirigente da sociedade, o Partido Comunista, renunciarão ao próprio desenvolvimento e ao seu compartilhamento com os povos e nações de todo o mundo.
Igualmente é uma opção vã o empenho estadunidense em acuar a Rússia imaginando que com isso reduziria o país política e militarmente. O conflito na Ucrânia é a prova mais cabal disso.
(*) Jornalista, editor internacional do Brasil 247, secretário-geral do Cebrapaz, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB