Opinião

As redes sociais: entre o poder, a liberdade de expressão, a difamação e a disputa pela opinião pública

29/03/2016

O que são as redes sociais? Um poder subestimado ou sobre-estimado, o último reduto da liberdade de expressão, um grande avanço para a humanidade, um bueiro onde se desafoga o pior dos seres humanos, um cenário de disputa da opinião pública, um gueto ideológico onde não se promove uma visão crítica, mas uma luta simbólica entre o bem e o mal, entre heróis e vilões?

Por Andrés Reliche

Em seu informe semanal, sábado passado, o presidente Rafael Correa, que conta com 2.621.000 seguidores no Twitter, reconheceu que as redes sociais são um grande progresso para a humanidade, porém que são também uma ferramenta aproveitada por gente desonesta, que busca causar danos (veja ao final o vídeo, em espanhol, com a fala de Corrêa).

Semanas atrás, após a derrota no referendo convocado pelo governo na Bolívia, o presidente Evo Morales afirmou que um dos fatores que influenciou o resultado negativo foi uma guerra suja nas redes sociais. “As redes sociais são como se tudo se fosse por um bueiro”, declarou o líder socialista em uma entrevista ao jornal El País.

Em meados de 2015, o escritor e filósofo italiano Umberto Eco criticou duramente a Internet, acusando particularmente as redes sociais pela geração de uma “invasão de imbecis”, já que elas dão a palavra a legiões de idiotas.

“O drama da Internet é que ela vem promovendo o bobo da corte ao nível de dono da verdade “, disse Eco, que morreu em 20 de fevereiro, aos 84 anos, e que fez um convite aos meios de comunicação para “criar um filtro de informação com uma equipe de especialistas na Internet, porque ninguém é capaz de saber, hoje, se um site é confiável ou não.”

Qual é o verdadeiro poder das redes sociais?

A catedrática espanhola, radicada no Equador, Palmira Chavero, considera que ainda que as redes sociais tenham rompido com o monopólio da grande mídia convencional, aproximando os cidadãos do poder e têm um inegável poder de mobilização, sem dúvida, o problema é identificar quem está detrás dos rumores.

“É inegável a ideia de rumor, é claro: você joga um boato nas redes sociais e ele fica por lá. O problema maior com as redes sociais é identificar a precisão da informação e quem está por trás dela. Hoje é muito fácil comprar seguidores no Twitter, e isso também desvirtua o poder das redes sociais “, disse ela.

Esther Solano, pesquisadora, professora da Universidade de São Paulo, concorda e reconhece também a importância do fator da mobilização das redes sociais, mas observa que o caráter negativo delas é a simplificação do debate político e sua utilização como um meio para espalhar rumores. “Todos retransmitem notícias sem saber se são verdadeiras ou infundadas. As pessoas vão compartilhando tudo isso e não têm tempo para a uma reflexão verdadeira”.

“As redes sociais são guetos ideológicos, pois os amigos que temos lá são muitas vezes aqueles que pensam como nós. Então, ao invés de discutir e trocar ideias, vamos nos aprofundando nas nossas próprias ideias e no círculo daqueles que pensam como nós, e não avançamos o debate. Quando há o debate, é carregado de ódio. Apesar de serem uma plataforma política, as redes sociais, infelizmente, têm a característica de empobrecer os debates e torná-los muito polarizados, ” declarou Solano à EBC[1].órgão público brasileiro.

Valeria Puga, mestre em Ciências Internacionais pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e licenciada em Comunicação Social pela Universidade Central do Equador, sustenta que uma das características das elites da região, é agir através da mídia e deslegitimar a variável do conflito, necessária como uma disputa política para o povo, frente a uma história de vexação.

Prejudicar, mais do que construir

O catedrático equatoriano Hernán Reyes argumenta que as redes sociais são ferramentas que não permitem uma discussão mais aprofundada, mas são eficazes na destruição.

“São aparatos ou dispositivos mais usados para prejudicar uma imagem do que construir um discurso. Por sua própria natureza, em 140 caracteres não é possível gerar, por mais que se lance um twit, e depois outro e mais outro, são elementos cortados, de muito fácil assimilação, mas ao final não se terminou a construção de uma narrativa coerente sobre um determinado tópico. No entanto, em 140 caracteres pode-se efetivamente ferir a imagem de uma pessoa “, argumentou.

Reyes, licenciado em Ciências Políticas e Mestre em Análise de Gênero e Desenvolvimento, pela Universidade East Anglia, na Inglaterra, assinala que as redes sociais são um cenário de disputa da opinião pública, mas fundamentalmente para construir imaginários negativos sobre alguém.

Precedente

O mais alto órgão constitucional colombiano resolveu que a liberdade de expressão, com seus limites e proteções também se aplica ao Facebook e às redes sociais na Internet.

Um artigo do jornal El Espectador qualifica esta como resolução como uma sentença que marca um precedente, “necessário e essencial à medida que os colombianos movem aspectos essenciais de suas interações com outras pessoas para esses espaços, não faz sentido que haja alguém que acredite que a falta de regulação implique uma carta branca para difamar e publicar qualquer coisa, sem indagar como isso afeta os direitos dos outros”.

O mais interessante da sentença do Tribunal, ressalta El Espectador, é que por fim reconhece que as redes sociais são espaços públicos onde os direitos dos cidadãos têm alta probabilidade de serem violados. O jornal comemora o fato de que o alto tribunal tenha declarado que “Entre as redes sociais e os meios de comunicação (…)  na avaliação  do correto exercício da liberdade de expressão, as regras aplicáveis são as mesmas para ambos”.

Liberdade versus responsabilidade

Tem-se falado bastante sobre a liberdade. Chegou-se a dizer que a liberdade de expressão não tem limites. O senso comum diz que a responsabilidade é inerente à liberdade, porque senão viveríamos em uma verdadeira anarquia (ausência de poder público).

De acordo com o Dicionário da Real Academia – em sua primeira acepção – a liberdade é a faculdade natural inerente ao homem, para agir de uma maneira ou de outra, ou não agir, porque é responsável por suas ações. Também: 5 – a faculdade que se desfruta, nas nações bem governadas, de fazer e dizer o que quiser, desde que não seja contrário às leis ou aos bons costumes. 8. Contravenção desenfreada das leis e dos bons costumes.

O Artigo 13 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Liberdade de pensamento e expressão), parágrafo 2, estabelece que o exercício da liberdade de expressão não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação dos demais, ou à proteção da segurança nacional, da ordem pública ou da saúde ou moral públicas.

[1] EBC – Empresa Brasil de Comunicação, mais conhecida pela sigla EBC, é uma empresa pública do Brasil, criada em 2007 para gerir as emissoras de rádio e televisão públicas federais. (N.T.)

Fonte: Andes

Tradução: Maria Helena D’Eugênio, para o Resistência

 

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