Opinião
Angola em Louisiana: Dando Espaço para o Capitalismo Racial
A Guerra Civil terminou e Edward A. Pollard, “da Virgínia”, imediatamente escreveu uma história das operações militares dos Confederados. (1) Lá ele insiste em que a escravidão é imune à culpa moral. Isso porque “no período de meio século, concedeu ao comércio mundial um único produto cujo valor anual era de duzentos milhões de dólares. Fundou um sistema industrial pelo qual trabalho e capital compartilhavam (sic) o mesmo interesse pelo lucro. [E] muitas regiões férteis, acessíveis apenas ao trabalho dos africanos, foram tornadas úteis e abençoaram o mundo com suas produções”.
Por W. T. Whitney Jr.
E mais: a escravidão “elevou o africano e contribuiu para o aperfeiçoamento humano”. Pollard cita o senador Robert Toombs, da Geórgia, falando em 1856: “O branco é a raça superior e o negro é a inferior; e a subordinação, com ou sem lei, será o status do africano nessa sociedade mista”.
Pollard introduz o tema a ser explorado aqui: o propósito capitalista – ao qual alude – foi e é ligado à supremacia branca, que ele proclama. Ambos eram essenciais para tornar produtiva uma parte de terra fértil na Louisiana, referida hoje em dia como Angola. A análise baseada no pensamento marxista lança luz sobre o que moveu esse processo.
Há quase 200 anos, Angola tem sido uma plantação e também uma prisão. O povo escravizado produzia algodão para enriquecer o senhor da terra. Mais tarde, os prisioneiros é que produziriam colheitas de alto lucro. Os escravos eram africanos ou descendentes, enquanto a população prisional são os filhos da escravidão.
Depois que os índios da região foram dizimados, empreendedores brancos invadiram a Louisiana. A partir de 1835, Isaac Franklin, filho de um pioneiro do Tennessee, tomou posse de 8.000 acres na margem leste do rio Mississippi, na Paróquia de Feliciana do Oeste. Segundo o historiador Wendell Stephenson, Franklin dividiu a terra em seis plantações de algodão. A parte chamada Angola, com 1.364 acres, também produzia madeira.
Quando Isaac Franklin faleceu, em 1846, possuía milhares de acres no Texas, os 2.000 acres de sua plantação em Gallatin, Tennessee, 600 escravos, ações em um banco do Mississippi, um autódromo e uma rodovia pedagiada – além de suas propriedades na Louisiana. Stephenson escreve que “o patrimônio de Franklin, na casa da década de quarenta do século 19, fora avaliado em três quartos de milhão de dólares [US$ 23,2 bilhões dólares, em 2018], grande parte acumulado com o tráfico de escravos.” (2)
De fato, como explicou a jornalista Betsey Phillips, “O homem mais rico do Sul, se não de todos os Estados Unidos… percebeu que poderia ganhar uma fortuna vendendo homens negros aos brancos que queriam plantar algodão no Mississippi… Franklin e seu sobrinho, por parte da esposa, John Armfield, abriram uma sede em Alexandria, Virgínia, e começaram a negociar.” Compravam e vendiam escravos. Foram a maior empresa de comércio de escravos nos Estados Unidos.
Após a morte de Isaac Franklin e até 1880, Adelicia Acklen Cheatham, sua viúva, a “mulher mais rica do Sul”, continuou suas operações nas plantações de Louisiana que herdara. Enquanto isso, em 1869, o ex-oficial do exército confederado, Samuel James, arrendou “todos os presos/condenados da Louisiana”, colocando-os em trabalho forçado. Em 1880, James comprou os 8.000 acres de Adelicia Acklen Cheatham, em Feliciana do Oeste. Alojou lá seus prisioneiros arrendados, sublocando alguns deles e forçando outros a produzirem colheitas na própria terra. Samuel James morreu em 1894.
Em 1901, o estado de Louisiana passou a administrar suas próprias prisões e, naquele ano, comprou a plantação prisional pertencente aos herdeiros de James. Nos 20 anos seguintes, Louisiana expandiu suas propriedades para 18.000 acres. Assim foi criada a Penitenciária Estadual da Louisiana, em Angola, geralmente referida como “Angola”, ou “a fazenda”
Num ano recente, “73% dos 6.250 detentos de Angola têm sentenças de prisão perpétua, sem qualquer direito à liberdade condicional. A sentença média para os demais é de 90,9 anos”. Angola é a maior prisão de segurança máxima dos Estados Unidos em termos de população carcerária, “o maior complexo penal do mundo ”, e está entre as prisões dos EUA com maior número de prisioneiros encarcerados por toda a vida. Do total de detentos, 75% são negros. Até há 10 anos, todos os guardas e funcionários eram “inteiramente brancos”.
As regras da prisão exigem que todos os prisioneiros fisicamente capazes trabalhem quarenta horas por semana, por não mais do que 20 centavos por hora. O trabalho agrícola predomina: “Os presos aram a terra, plantam, fazem a colheita e processam uma variedade de plantações a cada ano, produzindo quatro milhões de libras de legumes, como por exemplo, repolho, milho, cebola, morango e tomate.” Cultivam “trigo, milho, soja e algodão”. Os prisioneiros de Angola mantêm um rebanho de 2.000 bovinos e criam cavalos de tração para serem usados nas plantações e também para a venda. Além disso, os presos fabricam móveis de escritório, roupas de cama, roupas de metal e produtos de impressão.
Convertida em uma fazenda gigante de trabalho forçado, a prisão remonta a Angola sob a escravidão. Ironicamente, foi a 13ª Emenda à Constituição dos EUA que permitiu sua continuidade. Esse instrumento acabou com a escravidão e a servidão involuntária – “exceto como punição por um crime”.
Ansiosos por criminalizar os negros tanto pela repressão em si quanto para expropriar seu trabalho, as autoridades do Sul e os legisladores ressuscitaram da escravidão os chamados “códigos negros”. Estes tornaram-se a base para o envio de ex-escravos para a prisão por acusações como vadiagem, embriaguez pública e pequenos furtos.
As autoridades então alugavam prisioneiros para mineradoras, madeireiras e empresas agrícolas privadas. Samuel James estava fazendo uso do sistema de arrendamento de condenados quando possuía as plantações de Angola. (3) O sistema de preconceito racial de Jim Crow deu um impulso, ao assegurar condenações e sentenças longas.
A antiga história de Angola demonstra assim dois tipos de uma continuidade sombria. Negros foram forçados a trabalhar sob o comando de brancos e os produtos de seu trabalho foram confiscados. Há uma história pedindo explicações sobre como e por que isso aconteceu.
Aparentemente escravos e prisioneiros representam categorias diferentes, e muitas vezes isso acontece. Mas nos Estados Unidos podem estar na mesma categoria. Claro que ambos são mantidos presos contra a sua vontade. Além disso, no entanto, tanto os prisioneiros, quanto os escravos têm sido forçados a trabalhar, produzir artigos que serão vendidos e renunciar a qualquer ganho com seus trabalhos. A acumulação de riqueza nas costas de prisioneiros e escravos foi racionalizada com a noção de que alguns prisioneiros e todos os escravos são seres humanos inferiores e, portanto, elegíveis para a expropriação.
Recentemente, analistas da tradição marxista se concentraram na expropriação que, segundo eles, explica muito sobre a disseminação do capitalismo até os confins da terra. Angola é um desses lugares.
Nancy Fraser tem a palavra. “Defendo que as concepções do capitalismo centradas na exploração não podem explicar seu persistente envolvimento com a opressão racial. Em segundo lugar, sugiro uma concepção ampliada”. Ela explica: “Dois processos são essenciais para teorizar a dinâmica racial da sociedade capitalista. O primeiro é o papel crucial desempenhado na acumulação de capital pelo trabalho livre, dependente e não-empregado – o que me refiro ao trabalho que é expropriado, em oposição aos explorados … O segundo diz respeito ao papel das ordens políticas em conferir o status de indivíduos livres e cidadãos para ‘trabalhadores’, enquanto constituem outros como seres menores – por exemplo, escravos, servos contratados, súditos colonizados, ‘nativos’ de ‘nações dependentes’, domésticas, peões, criminosos e seres ‘dependentes’, como esposas e filhos”.
“A desapropriação funciona confiscando capacidades e recursos e os incluindo nos circuitos de expansão do capital. Os sujeitos expropriados podem ser comunidades rurais ou indígenas na periferia capitalista – ou podem ainda ser membros de grupos sujeitos ou subordinados ao núcleo capitalista. … Os bens confiscados podem ser mão de obra, terra, animais, ferramentas, depósitos minerais ou de energia – mas também seres humanos… A expropriação, nesse sentido, abrange uma multidão de violações, a maioria dos quais se correlaciona fortemente com a opressão racial”.
Os autores que escrevem para a Monthly Review consideram que: “Em meados do século 19, no auge da Revolução Industrial, o capitalismo se metamorfoseou em um modo de produção desenvolvido e centrado em relações de valores impessoais, com base na exploração sistemática do que Marx chamou ‘trabalho formalmente livre’. Em sua fase descendente de capitalismo monopolista no final do século 19 e durante o século 20 … o impulso geral do sistema capitalista tornou-se o lucro com a expropriação … Os lucros monopolistas tornaram-se predominantes, enquanto a expropriação imperialista do excedente, sob condições de desigualdade forçada, foi estendida a toda a periferia global”.
Recordamos as palavras de Edward Pollard, citadas acima. Em essência, ele descreveu a escravidão como um empreendimento capitalista. Certamente, esse foi o sistema em Angola, durante sua posse por Isaac Franklin e, desde então, o capitalismo permaneceu no comando da região. (4) Sabe-se que equivalentes à Angola, prisões ou não, existem em vários graus e formas nos Estados Unidos. O que se pode compreender é que para desfazer a supremacia branca, agora é a hora de confrontar e substituir o capitalismo global.
Notas
1 – Edward A Pollard, The Lost Cause; a New Southern History of the War of the Confederates, (E.B. Treat & Co., NY, 1868), p. 48
2 – Wendell H. Stephenson, Isaac Franklin, Slave Trader and Planter of the Old South, (Louisiana State University Press, Baton Rouge, 1938), p.93
3 – Essential reading on the convict-lease system is Douglas A. Blackmon’s Slavery by Another Name, (Random House, New York, 2008)
4 – Full disclosure: Franklin was the author’s 4th great uncle.
Fonte: ML Today, tradução de Maria Helena De Eugênio para o Resistência