Ángel Guerra Cabrera: Sobre “o fim do ciclo progressista” – Final

26/09/2015

A reunião em terras cubanas entre o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos e o comandante Timoleon Jimenez, chefe das Farc, é a melhor prova de que “a mudança de época”, como o chama Rafael Correa, não se esgotou e continua viva na América Latina e Caribe, pois o impulso que esse encontro deu ao processo de paz ajuda como poucas coisas o rumo de nossa América.

Por Ángel Guerra Cabrera *, no La Jornada

Igualmente o é a iniciativa do próprio presidente equatoriano e de seu par uruguaio, Tabaré Vazquez, de convocar seus homólogos Santos e Maduro para acordar e acompanhar medidas que conduzam à solução do conflito na fronteira colombiano-venezuelana, que já estão sendo implementadas com o regresso dos embaixadores da Venezuela e da Colômbia a Bogotá e Caracas e a reunião ministerial binacional realizada na quarta-feira (23). Ao promover este processo, Correa e Vazquez atuam como presidentes pro tempore da Celac e da Unasul respectivamente, organismos que nem sequer existiam antes do giro iniciado na região com a chegada de Hugo Chávez (1999) e, posteriormente outros líderes, ao governo de seus países, na crista da grande onda de lutas populares latino-americanas e caribenhas contra o neoliberalismo.

A Organização de Estados Americanos (OEA), símbolo e instrumento da época anterior em que predominava o monroísmo (doutrina Monroe), carece de autoridade e da confiança dos governos, necessária para iniciar processos dessa envergadura, e ficou como uma relíquia do servilismo ante Washington.

A inédita eleição de um pontífice latino-americano próximo aos anseios dos povos de nossa América, como é o papa Francisco, e sua frutífera visita a Cuba, não pode estar desligada das profundas mudanças ocorridas na América Latina e Caribe desde 1999. Esse é o contexto histórico da censura do chefe da igreja Católica ao atual sistema de exploração, ligada à sua concepção integral sobre a defesa da natureza e dos seres vivos da extinção com que os ameaçam o culto ao deus dinheiro, o consumismo e o desperdício. Também o apoio resoluto que reiterou à negociação de paz na Colômbia, que desde 2012 se realiza em Havana e sua decidida intercessão para conseguir e desenvolver as relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos. São fatos que confirmam a declaração de que a América Latina e o Caribe são uma região de paz, proclamada na Cúpula da Celac, também realizada na capital de Cuba.

Sintetizo ideias de alguns dos já numerosos autores que rechaçaram o vaticínio falacioso do “fim do ciclo progressista”. Emir Sader nos diz que a mesma ultra-esquerda que qualificava os governos de Chávez, Lula, Kirchner, da Frente Ampla do Uruguai, de Evo e Correa, como continuadores dos governos conservadores anteriores, agora “descobre” aflita o fim do ciclo progressista. Argumenta que o que chegou ao fim nesses países foi o ciclo neoliberal, embora tenham que enfrentar dificuldades relacionadas com a crise do capitalismo e, pontua, também outras que, como a reprimarização ou a desindustrialização, são herança direta das políticas neoliberais; ou inclusive, a hegemonia que conservam o capital especulativo e o neoliberalismo na economia capitalista mundial. Sader só vê duas alternativas possíveis nas sociedades “pós-neoliberais”: um regresso ao neoliberalismo ou avançar para uma sociedade pós-capitalista. Acrescenta outras dificuldades que alguns desses governos não souberam superar até agora, como o peso dos monopólios privados dos meios de comunicação, o papel do dinheiro nas campanhas eleitorais e o estilo de vida e de consumo norte-americanos. Afirma que o que finaliza é uma primeira etapa do ciclo “pós-neoliberal” e sugere tarefas da próxima etapa. Além de aliar-se com a direita – diz -, a ultra-esquerda não tem realizações nem projeto.

Por sua parte, Aaron Aaronian qualifica de “diagnosticadores da capitulação” os porta-vozes do fim do ciclo progressista e afirma que desde a direita e setores da esquerda pretendem impor esta ideia no imaginário coletivo aproveitando os obstáculos que tanto ele, como Sader, o autor destas linhas e outros, temos enumerado em trabalhos recentes. A direita – acrescenta -, que alguns pensaram derrotada e outros adormecida, começou a construir um discurso que busca deslegitimar a década conquistada pelas maiorias sociais e populares, com a construção de novas democracias – cada país com seu modelo próprio –, muitíssimo mais equitativas, justas, onde o cidadão passou a ser sujeito de políticas e não mero objeto das mesmas. Assinala que em vários setores da chamada esquerda se vem construindo a tese do fim do ciclo que tende a complementar o discurso da direita contra os governos de esquerda, progressistas e nacional-populares.

Alfredo Serrano Mancilla afirma que o que se vislumbra é o intento desesperado de alguns setores de acabar com aquilo que se iniciara com o século 21 em toda a região. Acrescenta que com grande vontade estes atores se empenham em ir reduzindo paulatinamente o universo das esperanças e ilusões forjadas precisamente nesta mudança de época. A estratégia (da direita e do imperialismo) – afirma – não está em discutir o passado. O fato, por mais que não gostem, inquestionável, é o resultado objetivo e subjetivo a favor das maiorias. Trata-se, então, de acabar com a ideia de que ainda há muito a conquistar, a melhorar. Em torno desse propósito, reside hoje em dia o verdadeiro cabo de guerra da geopolítica latino-americana. A nova direita regional, aquela que já é maior de idade, aprendeu que não se pode ganhar com manchetes de imprensa afastadas da realidade que vive atualmente a maioria latino-americana, muito mais incluída, com mais direitos sociais, com níveis de consumo mais democratizados.

Katu Arkonada propõe sete teses para abordar o que Sader e Serrano consideram nova etapa dos processos de mudança: 1) a crise do capitalismo veio para ficar e é necessário avançar para um novo modelo produtivo que derrote a pobreza, seja amável com a mãe natureza e se esforce para alcançar uma nova matriz energética, deixando progressivamente para trás o extrativismo; 2) o mundo multipolar já está aqui e é necessário reforçar nossa participação nele; 3) é uma necessidade imperiosa aprofundar a integração latino-americana e caribenha e 4) desativar os instrumentos para sua desintegração; 5) enfrentar a direita recarregada ou a “nova direita” e elaborar um projeto político que seduza os jovens; 6) ante a necessidade transitória de lideranças brilhantes e históricas, é indispensável formar novos quadros que nutrirão as direções eminentemente coletivas do futuro; 7) é preciso ganhar as batalhas eleitorais como condição da irreversibilidade dos processos de mudança e isso requer estilos de trabalho e métodos novos de educação popular.

Recentes trabalhos de Roger Landa e do intelectual quechua Itzamná Ollantay, também refutam os agoureiros do fim do ciclo progressista. Ainda voltarei ao tema. Creio que, entre outros conceitos, é necessário esclarecer com mais precisão o significado, o alcance e a maneira de encarar os fluxos e os refluxos nos processos sociais.

*Jornalista cubano residente no México e colunista do diário La Jornada.

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