Honduras
Aliança opositora desafia hegemonia da extrema-direita em Honduras
No fim de maio, Salvador Nasralla apresentava normalmente o programa dominical mais famoso da TV de Honduras pouco depois da convenção que o confirmou como candidato presidencial da Aliança contra a Ditadura.
Por Murilo Matias
Formada pelo Partido Anticorrupção (PAC) e pelo Liberdade e Refundação (Libre), a coalização representa a maior ameaça à tentativa de reeleição do presidente Juan Orlando, do Partido Nacional, que aposta em uma polêmica emenda constitucional para driblar a proibição de buscar um segundo mandato.
Honduras vai às urnas em novembro em um pleito que poderia ajudar o país a deixar para trás a história do golpe ocorrido em 2009 contra o ex-presidente Manuel Zelaya.
Na eleição de 2013, a oposição ao regime se dividiu. Além de Nasralla, teve como candidata Xiomara Castro, esposa de Zelaya. Se tivessem concorridos juntos, Xiomara e Nasralla somariam 1,3 milhões de votos e superariam a votação obtida pelos nacionalistas.
Baseado nesse retrospecto, a união dos progressistas do Libre e da centro-direita representada pelo PAC pretende derrotar a hegemonia do Partido Nacional, o maior da América Central, com mais de um milhão de apoiadores.
O fato de a eleição ser disputada em turno único precipita coligações como a formatada pelas maiores forças opositoras. “Não temos unidade ideológica, mas se estivermos desunidos seremos derrotados pela fraude dos nacionalistas. Tenho um milhão de votos e com mais um milhão do Libre venceremos a eleição. Honduras é um produtor de pobres e isso vai acabar”, afirmou Nasralla.
A postura de Xiomara Castro foi decisiva para a formação da aliança. Segunda mais votada na última disputa presidencial com quase 900 mil votos, a líder do Libre teve sua imagem projetada pela Frente de Resistência ao golpe contra Zelaya. Ele entregou a Nasralla a cabeça de chapa. Dois motivos pesaram – o machismo, que limita a presença das mulheres na política (no Congresso elas são apenas 10%, como no Brasil), e a rejeição dos que carimbam o Libre como uma organização comunista.
“Há uma cultura patriarcal difícil de romper. Salvador tem a vantagem de ser popular e não ter o rechaço de setores, mas não possui envergadura partidária. O Libre tem estrutura para fiscalizar as urnas e pela nossa disciplina podemos convocar o voto em Nasralla”, diz Beatriz Valle (Libre), congressista mais votada da oposição, com 140 mil votos.
A terceira via é representada pelo Partido Liberal, que aposta no engenheiro Luis Zelaya. Antes hegemônico em seus confrontos com os nacionalistas, a sigla tem uma atuação vacilante no papel de oposição. “Queremos recuperar representatividade, mas não estou seguro de que nossos candidatos consigam sensibilizar os eleitores, ainda que o governo seja ditatorial e que os comunistas do Libre ameacem a propriedade privada, algo inaceitável para um país agarrado à Bíblia como o nosso”, diz a reportagem Gustavo Simon, concorrente a deputado pelos liberais.
Coordenador do Conselho de Organizações Populares e Indígenas, Assunción Martínez expressa descrédito diante da conjuntura. “Não confiamos nos partidos, mantemos nossa luta enquanto somos criminalizados por governantes que violam direitos e servem ao imperialismo norte-americano”, afirma. “Defendemos uma Constituição elaborada pelos índios, campesinos, mulheres, pobres, para que haja uma refundação nacional”, afirma.
O domínio dos nacionalistas
Além de ferir a lei que não permite recondução ao cargo, a candidatura de Juan Orlando contrasta com a deterioração das garantias sociais, sintetizada na cesta básica mais cara da América Latina, junto da sensação de que o país transformou-se em um narcoestado. A acusação de envolvimento do ex-presidente nacionalista Porfírio Lobo com traficantes é um dos episódios que coloca dúvida sobre a postura do Estado frente à situação, ao passo que a morte de civis e policiais está entre os fatos comuns veiculados pela imprensa.
Além da violência, que obriga a presença de segurança privada em cada pequeno comércio, o alto custo de vida da nação mais desigual da região, de acordo com o Banco Mundial, exige que a maioria da massa trabalhadora mantenha-se com um salário mínimo de cinco mil lempiras (cerca de 300 dólares), mesmo valor estipulado para a cesta básica.
A desigualdade social urbana está na divisão de espaços que oferecem shoppings center elitizados, frequentados pela burguesia ou regiões marcadas por submoradias nos morros e periferias. Estima-se que 40% dos oito milhões de hondurenhos vivem a partir de subempregos ou encontram-se desempregados, ainda que se registre um crescimento econômico de 5%, de acordo com o Banco Central, no primeiro trimestre.
Na ilha de Amapala, um dos pontos turísticos mais visitados, a maioria dos funcionários dos estabelecimentos trabalha sem regularização legal, enquanto na zona rural a importante produção e exportação de alimentos e matérias-primas não impede a pobreza dos campesinos. Esse contingente, assim como a maioria dos trabalhadores, foi afetada pela lei que adia para 65 anos a idade para a aposentadoria, diante de uma expectativa de vida de 74 anos.
É sob essa realidade que impõe-se a supremacia nacionalista. Considerado de extrema-direita pelos opositores, o governo domina o Congresso e o Judiciário e, apoiado na crescente militarização, sobretudo entre os mais jovens, controla também as ruas, balizado pela lei que classifica como terroristas as manifestações públicas.
“Somos uma sociedade conservadora e nós professores temos culpa ao não formar massas críticas. Se protestamos somos chamados de terroristas e praticamente não podemos mais nos aposentar. Nos tempos de Zelaya promoveram-se históricas greves e ele aparecia para saber o que queríamos, garantia bônus, investia em educação”, compara a professora Maria Hernandez.
A repressão aos movimentos reivindicatórios de professores e grupos sociais é repetida no campo, onde a violência teve um de seus ápices com o assassinato da ativista por direitos dos indígenas e das mulheres Berta Cáceres. A cooptação dos principais meios de comunicação pelo governo, por seu turno, silencia temas que possam trazer prejuízo ao oficialismo.
As deformidades se estendem a outros setores estratégicos, diz Beatriz Valle do Libre.”Em nossa gestão haviam 600 mil famílias em programas sociais, restaurantes solidários, levava-se tecnologia ao campo, investia-se em subsídio para os transportes e energia”, afirma. “A partir do golpe e do retorno nacionalista temos o fechamento de escolas noturnas, aumento exponencial em gastos militares, crescimento da violência, vulnerabilidade aos trabalhadores e descaso com a saúde com 45 hospitais entregues a ONGs. Tudo feito com falta de transparência e autoritarismo”, diz.
Do outro lado, os governistas buscam emplacar o discurso de uma administração sólida que merece a reeleição pelas obras estruturais realizadas e pela inserção no mercado internacional e atração de investimentos. A capacidade discursiva de Juan Orlando é um dos trunfos para destacar projetos como o crédito solidário, que oferece financiamento para pequenos negócios, as reformas viárias em Tegucigalpa, a capital, a qualificação de estradas e portos e o acesso a recursos estrangeiros.
No país recordista em número de feminicídios, com uma vítima a cada 16 horas, a construção da primeira Cidade da Mulher busca replicar o exitoso modelo concebido em El Salvador no qual uma sede oportuniza às mulheres atendimento médico, aprimoramento profissional e empoderamento de gênero. A tentativa de atrair o voto feminino esbarra na estagnação em pautas como a liberação do aborto, que segue proibido inclusive em casos de estupro e é combatido pelas majoritárias igrejas católicas e evangélicas.
“Temos muitos programas e o que ilustra a imagem humana do governo é o Vida Melhor, orientado a erradicar a pobreza ao melhorar as condições habitacionais, distribuir cestas básicas e até mesmo casas”, pontua o coordenador da campanha nacionalista, deputado Rodolfo Navas. Ele projeta a eleição da metade dos 128 membros do Congresso e de 50% das 298 prefeituras, incluindo as duas maiores cidades, Tegucigalpa e San Pedro Sula.
Para fatia importante do eleitorado as ações não são suficientes para apostar em tamanha continuidade. Honduras segue com mais de 60% de sua população em situação de pobreza. Na saúde, o país apresenta a segunda menor quantidade de leitos públicos da América Latina, enquanto o analfabetismo atinge 12% da população, cuja escolaridade média é de nove anos.
São essas algumas das complexas realidades que serão confrontadas nas urnas ao final do ano. Enquanto isso, as palavras de Berta Cáceres continuarão como expressão da vivência e esperança do povo hondurenho. “O mais importante é que temos uma força que vem dos nossos ancestrais, herança de milhares de anos e da qual estamos orgulhosos. Esse é nosso alimento e nossa convicção na hora de lutar”.
Fonte: Carta Capital via Portal Vermelho