Opinião

A lógica do poder contra a lógica do viver

31/10/2016

A crise do sistema capitalista, que é traduzida em termos financeiros com estrondosas falências de bancos e denúncias de corrupção sem limites, tem despertado em todo o planeta a atenção para outras crises que estão no DNA do sistema: a crise dos princípios éticos e da capacidade humanitária de respeitar a igualdade dos cidadãos, a crise de pudor dos que exibem a desonestidade como esperteza, a crise do desrespeito pelos direitos humanos e de cidadania, a crise moral dos que manipulam a formação cultural através da mídia.

Por Zillah Branco

Conclui-se, diante dos abusos de poder, dos golpes contra a democracia, das invasões e guerras que destroem civilizações, da promoção de grupos terroristas que chacinam inocentes, dos desvios do patrimônio nacional para favorecer negócios escusos e privar o povo dos recursos sociais, que o raciocínio capitalista parte de uma lógica do poder contrária a lógica do viver que rege uma política socialista.

A ambição da elite está centrada na acumulação de capital, os altos salários, a promoção da supremacia pessoal, mesmo que escondendo incompetências, ilegalidades, mentiras e falsidades de todo tipo. O comportamento da Câmara Federal na teatral sessão de aprovação do impeachment contra Dilma; as declarações boçais de deputados que falam em “golpe democrático” e demonstram total ignorância da função que exercem; o comportamento irresponsável de senadores, ministros, magistrados, que se protegem da lei com falsas “delações premiadas” e a imunidade devido ao cargo que ocupam; as visíveis irregularidades de um sistema político que mantém um terceiro poder, o judicial, fora do controle democrático eleitoral e com benefícios financeiros e de estatuto profissional acima do estabelecido para o Estado como perversa corrupção e poder sem submissão ao próprio sistema político; indiciam uma crise de valores incompatível com o nível civilizatório que as sociedades já alcançaram. Será devido à lógica que orienta o capitalismo ou uma crise de QI (quociente de inteligência)?

Um professor universitário chinês, em entrevista televisionada, criticou os EUA por dar vistos a qualquer profissional que quer fazer altos estudos científicos nas suas instituições universitárias, porque lá deixa o seu now how enriquecendo o país. Aquele país que se considera democrático mantém uma elite cada vez mais distanciada da grande massa populacional que é formada pela mídia divulgando uma cultura de baixa qualidade para (de)formar “populações burras” facilmente controladas por temas em quadradinhos, shows ridículos com som elevado, movimentos rápidos e luzes intermitentes para provocar as reações cerebrais descontroladas como de “comportamento com coleira”. O que dizem os médicos e especialistas em psicologia? Estarão também inertes pelas condições privilegiadas que auferem?

Mas não só no Brasil a crise de QI ou de responsabilidade profissional revela a falência do sistema capitalista. Em Portugal, um renomado economista-filósofo, que navega por altos cargos nos bancos, desconhece aritmética ao dizer que “ha 50 anos o povo português sofria a mesma austeridade que hoje. A diferença é que agora os pobres têm ambições de consumismo”. Deixa a culpa para os que são formados pela imbecilizante mídia que promove as vendas de um mercado para enriquecer seus empresários. A sua filosofia também passou ao largo da ética e do humanismo que ensina a respeitar direitos sociais de seres humanos pobres, e da história nacional que revela há 50 anos um Portugal sob uma ditadura fascista. Custa-me dar o nome deste renomado profissional que escorrega nas suas explicações não por ter precária inteligência, mas por ser um repetidor da lógica do capital que lhe garante altos salários.

Mas, é indiscutível que o poder capitalista domina o planeta e os seus líderes foram formados para juntar dinheiro e não para resolver problemas sociais. Preferem matar (ou deixar morrer) os idosos que, como diz a diretora do FMI, constituem um problema insolúvel por não produzirem mais e necessitarem recursos que fazem falta a outros. Também não se pode pensar que a senhora Lagarde está com carências do QI, o mais certo é que estupidificou com o uso continuado da lógica capitalista e perdeu a perspectiva de ser humano normal.

Não é por acaso que uma juventude saudável, ainda na escola secundária, tem desenvolvido manifestações surpreendentes em defesa do ensino no Brasil contra o malfadado PEC 241 produzido pelo retrógrado Temer e sua equipe (especialistas na lógica do capitalismo). Esta juventude nasceu no período de limpeza mental introduzida pelas medidas democráticas trazidas por Lula ao Brasil. Será difícil colocar a “coleira da estupidez” em quem não se deixou escravizar pela mídia e conheceu tantas alternativas socialistas de apoio aos mais pobres que escrevem a história mundial.

Crianças pensam com liberdade e ficam com a inteligência lúcida. Uma conversa com garotinha de 6 anos que explica aos adultos o filme que viu: “No Egito antigo, faraós “folgados” faziam pirâmides sem trabalhar, os escravos sofriam para carregar aquelas pedras enormes e morriam de fome e esforço no lugar deles, que iam para caixões cheios de ouro e joias!”. Outra, de 7 anos, vai ajudar alegremente o tio a lavar e secar a louça acumulada: ele termina a sua parte e vai deitar-se no sofá enquanto ela continua sozinha a trabalhar murmurando “assim é uma escravidão!”. Não têm a lógica do sistema em crise e tanto aprendem a ser solidárias e ver no trabalho coletivo um prazer como sabem defender-se da falta de correspondência no adulto que pediu ajuda e “explorou” a sua boa vontade.

Uma jovem de 16 anos, Ana Júlia Ribeiro, deu uma aula de cidadania ao discursar dia 26/10/16 na Assembleia Legislativa do Paraná para demonstrar a legalidade e a legitimidade do movimento de ocupação (de mais de 1200 das escolas) que se alastrou pelo Brasil. Disse da formação que este processo de participação política da juventude contra o PEC 241, que os obriga a discutir as informaçōes da mídia e os insultos divulgados, melhor que estarem enfileirados em uma aula padrão. Responsabilizou os representantes do Estado pela morte de um jovem combatente pela causa da educação e os ferimentos de muitos nos confrontos com a Polícia.

Vivemos um momento de grandes mudanças neste confronto entre o mundo capitalista em crise e uma parte da sociedade, em todo o planeta, que despertou para caminhos alternativos a serem criados a partir das experiências que revolucionaram os conceitos fixos e autoritários com que os “donos do poder”, em cada momento histórico, tentaram embrutecer os cidadãos para que cumprissem ordens sem discutir, aceitando como fatalidade a existência de uma elite soberana.

A nível internacional as análises que referem com indignação o golpe temeroso e covarde no Brasil são mais que muitas. Refiro algumas:

. Max Neef, economista norte-americano, diz que o neo-liberalismo mata mais que as guerras, com produções de objetos inúteis e formando consumistas desvairados.

. Em 21/10/16, no Bundestag, Parlamento da Alemanha, o partido Esquerda pediu o repúdio ao governo de Temer e a CDU, partido de Angela Merkel, ressaltou a crise econômica que agora prejudica o Brasil ( parceiro da Alemanha). No final da discussão, o Parlamento concluiu que o Supremo Tribunal Federal (brasileiro) é que deveria resolver o problema do seu país.

. 19/10/16 Geoffrey Robertson australiano formado advogado renomado Oxford, fez uma brilhante carreira na Inglaterra sobre Direitos Humanos e apresentou defesa de Lula à ONU acusando o  sistema jurídico brasileiro, formado por Portugal em 1820 ainda sob inspiração no sistema inquisitorial católico do sec XVII. (é visível para qualquer democrata que o “terceiro poder” existe como se fosse uma antiga monarquia)

. O discurso do Presidente da Russia, em Sochi dia 24/10/16 demonstra que os Estados Unidos tem liderado um processo imperialista que se recusa a ouvir os povos que estão lutando pela paz e sendo destroçados por guerras provocadas pela insanidade de grupos terroristas mercenários que recebem armas e dinheiro dos que ambicionam o petróleo e as riquezas dos países árabes.

São muitas e variadas as vozes que hoje começam a levantar-se mundialmente propondo mudanças na maneira de pensar e agir, ou seja na aplicação de uma lógica adequada à defesa da humanidade e da natureza do planeta e não das instituições financeiras como quer a elite imperialista que ocupa o poder mundial.

Se o sistema faliu e a sua estrutura mostra-se incompetente ou inerte para salvar os países, temos o dever de buscar uma alternativa a partir de outra lógica. E esta alternativa está na mente e na ação das novas gerações.

 

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