Geopolítica

A Índia de Modi se rende ao imperialismo

30/04/2016

Artigo assinado por CP Bhambhri, publicado no jornal do Partido Comunista da Índia (Marxista), explica como o atual governo indiano de direita, chefiado por Narendra Modi, combina a política de aproximação com o imperialismo estadunidense com as ambições de “grande potência” que estão na base da ideologia nacionalista e agressiva da direita reacionária e integralista que tomou em suas mãos as rédeas dos destinos do grande país asiático. O artigo foi traduzido para o italiano pela redação do sítio Marx 21 http://www.marx21.it/index.phpdo Partido dos Comunistas Italianos, do qual fazemos a versão em português.

Leia a íntegra.

Narendra Modi, primeiro-ministro e “pracharak RSS” (dirigente da RSS, Rashtriya Swayamsevak Sangh, organização ligada ao BJP, partido da direita reacionária no governo da Índia, N do T), criou-se na escola de formação ideológica “Sangh Parivar” como filo-americano e filo-imperialista; o último exemplo foi dado pelo governo Modi em 12 de abril último quando declarou seu empenho em enfrentar a crescente potência marítima chinesa anunciando a decisão de assinar o Memorando do Acordo sobre Intercâmbio Logístico com os EUA, “para fornecer equipamento e combustível a ambas as forças armadas”. Este acordo logístico com consequências de longo alcance foi assinado pelo ministro indiano da Defesa, Manohar Parikar, e o secretário da Defesa dos EUA, Ashton Carter.

O significado de tal acordo é que, pela primeira vez na história da Índia depois da independência, com a declaração pública do governo de 12 de abril último, afirma-se que o país está “em campo” com os Estados Unidos contra a China. Igualmente, esta declaração conjunta estabelece que a Índia “continuará a trabalhar para chegar a outros acordos com a finalidade de melhorar a cooperação militar e para a transferência de tecnologia” entre os EUA e a Índia. O diálogo bilateral para a segurança marítima entre os dois países será institucionalizado visando ao “melhoramento das discussões em curso entre as duas marinhas sobre as questões relativas ao armamento”.

O secretário da Defesa dos EUA, Carter, exprimindo grande satisfação pelo acordo naval com a Índia, observou que “garante a segurança da rede” na região. Este acordo representa um ponto de viragem porque a Índia nunca mais se posicionou publicamente como anti-China, aceitando em particular uma aliança de tal natureza com os Estados Unidos, que estão reforçando a sua presença na Ásia-Pacífico, no Mar do Sul da China e no Oceano Índico, confrontando-se diretamente com a China.

Os UPA I e II (os dois governos anteriores dirigidos pelo Partido do Congresso, N do T) de 2004 a 2014, não tinham aceitado a proposta americana de intercâmbio logístico, porque o governo de Manmohan Singh tinha seguido conscienciosamente uma política externa não  antagonista em relação à China, especialmente de público, e a Índia fez todo o esforço para que a China fosse envolvida nas negociações sobre as divergências entre os dois países. O bilateralismo Índia-China foi a nota característica dos governos dirigidos pelo Partido do Congresso entre 2004 e 2014 e qualquer associação aberta e pública com as ambições navais e marítimas americanas por parte da Índia teria enviado à China o sinal direto de que a Índia estava prestes a abandonar o “bilateralismo”, a favor de uma aliança anti-China com os Estados Unidos. Modi anunciou claramente e sem ambiguidades que, diferentemente do anterior governo UPA, o seu governo se prepara para competir com a China e confrontá-la, entrando com a sua potência marítima em parceria com os Estados Unidos. O acordo sobre logística de 12 de abril é um grande passo adiante por parte do governo Modi, que optou abertamente por anunciar a cooperação Índia-USA sobre defesa, precisamente para mandar uma mensagem à China.

O objetivo do acordo é o “fornecimento recíproco de apoio logístico, equipamento, e serviços às forças militares de uma parte à outra, mediante pagamento em dinheiro ou prestação recíproca de fornecimento de apoio logístico, equipamento e serviços”. O verdadeiro significado da aproximação de Narendra Modi é que ele violou completamente as tradições da política externa de não alinhamento da Índia e de manutenção da distância de segurança de toda aliança política com os imperialistas, como demonstra o acordo logístico de 12 de abril. Modi é um ideólogo do RSS e como primeiro-ministro da Índia está empenhado em promover e perseguir os objetivos do poder estatal, conforme está indicado na filosofia de “Sangh Parivar”.

Alguns fatos indicam que a capitulação de Modi ao imperialismo estadunidense e a estratégia seguida por seu governo a partir de 2014 são motivadas pela ideia da grande “Bahrat Mata” (Grande Índia, N do T) que seja militarmente bem equipada para enfrentar seus adversários, como o Paquistão e a China. Um Estado hindu altamente militarizado e modernizado estaria em condições de enfrentar os desafios, reais ou imaginários, dos seus concorrentes. Em primeiro lugar, o governo Modi abriu a produção do setor da defesa aos monopólios capitalistas da Índia e às corporações monopolistas estrangeiras multinacionais qualificando essa abertura como sistema de parceria público-privada.

Em segundo lugar, VD Savarkar, ideólogo do  nacionalismo hindu, tinha claramente estabelecido que era necessário “hinduizar a Índia, militarizar os hindus”. Não é sem razão que KP Hedgewar, o fundador da RSS em 1925, exaltou o  “treinamento físico dos jovens hindus”, porque os “hindus fracos” não seriam capazes de enfrentar os inimigos externos. Eis por que a RSS promove a ideia do “hindu fisicamente forte”, o que, traduzido corretamente, significa que se a RSS conquista o poder do Estado tornará o Estado hindu uma superpotência militar. A realização da superpotência militar hindu é o compromisso ideológico fundamental do “pracharak RSS” primeiro-ministro Narendra Modi.

Em terceiro lugar, Narendra Modi abandonou completamente a bem consolidada tradição do “controle e da supremacia civil sobre as forças armadas”, “exaltando” abertamente e sem ambiguidade o exército indiano e nomeando simbolicamente o general VK Singh, um controverso chefe reformado do exército, como ministro em seu governo. E não somente isso. A trágica morte de alguns soldados na geleira de Siachen em janeiro de 2016 (em enfrentamentos na fronteira com o Paquistão, N do T) foi celebrada publicamente como a mais significativa demonstração de “patriotismo” para demonstrar às pessoas comuns que todo sacrifício como o dos soldados pela causa da defesa da Índia representa a mais preciosa manifestação de amor à pátria e de patriotismo. A glorificação dos sacrifícios feitos pelos soldados enquanto defendiam a pátria pode tornar-se perigosa porque os homens na defesa tendem a considerar-se como “superpatriotas especiais”.

O patriotismo não pode ser apresentado como “especial” apenas para alguns, porque todos os cidadãos da Índia são igualmente patriotas. O governo Modi pela primeira vez criou uma hierarquia dos patriotas com o anúncio de que as despesas para a defesa do governo indiano terão a máxima prioridade, muito acima das previstas para o bem-estar social, para a educação, a saúde e o sistema nacional de garantias para os pobres. Os fatos mencionados mostram claramente que o governo Modi é ideologicamente dirigido em particular pelo princípio segundo o qual a Índia hindu precisa mostrar uma possante musculatura militar e que os custos financeiros e políticos da militarização da Índia são fatores irrelevantes se se pretende perseguir o objetivo de tornar a Mãe Índia uma superpotência militar.

A rendição completa do governo Modi aos Estados Unidos só pode ser compreendida se se toma em consideração o projeto mais amplo da Índia hindu, porque no esquema da grandeza da “Mãe”, a China é percebida como a principal ameaça, que só pode ser enfrentada entrando no mesmo campo dos EUA. Modi não se preocupa nem um pouco com o fato elementar de que os EUA estão determinados a perseguir os próprios interesses nacionais e que ao mesmo tempo que a Índia se encontra ao seu lado, fornecem todo tipo de armamento ao Paquistão, considerado pelos indianos como um “país hostil”. Enquanto Modi segue cegamente a linha de ação estadunidense na Ásia, Robert Blackwill, ex-embaixador dos EUA na Índia, observava em 12 de abril que a venda de F16 por parte dos Estados Unidos ao Paquistão é um “exemplo dramático da falência da política externa dos EUA”.

A Índia protestou contra a política norte-americana de “militarização do Paquistão” sem conseguir provocar qualquer impacto sobre os responsáveis políticos norte-americanos, porque estes sabem que é a própria Índia que quer ser muito “próxima” dos Estados Unidos. Os norte-americanos não levam em conta a oposição do governo Modi à venda dos F16 ao Paquistão, porque sabem que a Índia de Modi sempre baterá às suas portas pela cooperação militar que permita atingir o seu insensato e irrealizável objetivo de se tornar uma superpotência militar na região sul asiática.

De tal exposição emerge claramente que Modi cedeu aos norte-americanos e que o último exemplo do intercâmbio de logística entre os dois países não é o fim do caminho a percorrer, desde o momento em que os norte-americanos descobriram que a Índia de Modi está sempre disposta a aprofundar os seus laços com os EUA na esperança espasmódica de emergir como super Estado militar hindu com abastecimento norte-americano, e que Modi está pronto a pagar qualquer preço aos norte-americanos para atingir o seu objetivo da militarização da Índia hindu. Modi é totalmente imprudente ao anunciar publicamente  que identifica especificamente na China o adversário da Índia e aceitar o guarda-chuva dos Estados Unidos para enfrentar a China.

http://www.marx21.it/; traduzido do italiano por José Reinaldo Carvalho para Resistência

 

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