Brasil
A hora da Resistência e da Frente pela Democracia
Por José Reinaldo Carvalho (*)
Jair Bolsonaro não obteve os votos senão de um terço do eleitorado brasileiro. Seu triunfo eleitoral foi alcançado no quadro de eleições politicamente fraudadas, nos marcos de um regime golpista, à custa de mentiras, manipulações e de uma inaudita guerra midiática e política, conjugada com uma cruel perseguição judicial inédita no Brasil – e quiçá também alhures – contra um partido político, como a que foi feita contra o Partido dos Trabalhadores e seu líder máximo, o presidente Lula.
Mas quem quer seguir o curso da História e sobre ele exercer protagonismo transformador, precisa reconhecer que a verdade está nos fatos, como dizia um sábio chinês. Mesmo que temporariamente, a direita venceu, Jair Bolsonaro foi eleito e governará o Brasil a partir de primeiro de janeiro do ano vindouro. Reconhecer este fato elementar é a premissa para seguir a marcha, longa e pedregosa, na nova luta que se inicia pela democracia e os direitos sociais no Brasil.
O triunfo do ex-capitão nas urnas, a formação de uma maioria conservadora no Congresso Nacional, a eleição de governadores ultradireitistas nos mais importantes centros políticos e socioeconômicos do país, além das manifestações nas ruas de populares insuflados pela mídia comemorando a vitória da direita, são indicadores expressivos da força com que este setor político arrebatou o poder.
Isto implicará um retrocesso de anos-luz na dinâmica do desenvolvimento político do país. Afinal, de 2003 a 2016 o Brasil experimentou uma etapa inédita em sua história de democracia, protagonismo das forças de esquerda, luta e progresso social e soberania nacional.
As denúncias ao ex-capitão não podem ter sido retórica de campanha, mas a expressão de uma consciência arraigada de que ele é portador de uma mensagem e um programa voltados para a instauração no Brasil de um poder reacionário, antidemocrático, antissocial e entreguista, sob uma roupagem moralista e culturalmente retrógrada, expressa por meio de histriônico fundamentalismo neopentecostalista.
Contudo, pretenderam iludir a opinião pública e prosseguir a operação de engodo ao povo, com discursos e editoriais alusivos ao “rodízio de forças politicas no governo”, ao “respeito à Constituição”, à “preservação das liberdades políticas”, ao “resguardo da soberania nacional”. Mas tudo soa falso na boca do ex-capitão e nas peças jornalísticas dos grandes veículos da mídia. Patriotismo, constitucionalismo e democracia de fancaria.
Ninguém se engane. Chegou ao poder um grupo político ávido, disposto a tudo para exercer o poder e dele desfrutar, inclusive como prebenda familiar. Sob o pretexto de tirar o país da crise fiscal, econômica, financeira, social, moral e política, juram “enterrar o modelo econômico social-democrata”, o que significa promover um colossal corte de direitos. A partir de primeiro de janeiro de 2019, enquanto estiver iludindo a população com medidas de “combate” à corrupção e à criminalidade, o governo a ser investido jogará toda a força adquirida nas urnas para executar em ritmo acelerado reformas regressivas que jamais ocorreram em período algum da vida nacional. O designado ministro da economia propõe desde já privatizações em massa do patrimônio público e a submissão ao capital financeiro. O próprio presidente eleito assegura que haverá um giro na política externa, menoscaba o Mercosul, faz juras de alinhamento aos EUA e a Israel, ofende países amigos, ameaça vizinhos. Sinaliza com a instabilidade, semeia perigos. No plano político, sem cerimônia, anuncia que ninguém menos que o condutor da Operação Lava Jato, esta nódoa na vida jurídica do país, especialista em ações persecutórias contra inocentes, poderá ser indicado para a Corte Suprema ou o Ministério da Justiça. No rol das medidas antidemocráticas, entra na agenda uma chamada reforma política que pode implicar o alijamento da esquerda da vida institucional. Nesse mesmo sentido, é colocada na ordem do dia a criminalização do MST e MTST, acusados de terroristas pelo presidente eleito.
Na propaganda oficial e nos editoriais da mídia servil, Bolsonaro será “presidente de todos os brasileiros”. Essencialmente, porém, é um servidor do que há de mais retrógrado no país, um preposto do capital financeiro, um eleito de Trump e dos potentados internacionais a serviço dos interesses geopolíticos estadunidenses. Os sinais e as ameaças já foram explicitados por ele mesmo e por seus mais próximos auxiliares.
As primeiras etapas do plano de destruição nacional foram cumpridas: o golpe que destituiu a presidenta Dilma e a eleição do último domingo. O que virá doravante será o mero desdobramento da instauração do novo regime de direita.
A esquerda, por seu turno, sai de pé desta batalha. Tendo lutado com denodo, pode transformar a derrota imediata em triunfo estratégico, se souber ampliar suas forças e acumular capacidades e condições de resistir e lutar. Desafortunadamente, não faltam aqueles que, no interior das suas próprias fileiras, a desqualifiquem como estreita e sectária porque fez as opções corretas ao não ceder a primazia da candidatura presidencial a forças que ao fim e ao cabo se revelaram eleitoralmente insignificantes e politicamente omissas e inconsequentes. A esquerda fincou-se no território das trincheiras da resistência abertas com 47 milhões de votos. Para muito servirá este capital político conquistado pela chapa Haddad-Manuela, expressão de uma frente democrática e popular nucleada pelo PT e o PCdoB, apoiada pela pluralidade do eleitorado progressista. Igualmente são trincheiras da resistência os governos conquistados nos estados nordestinos e as bancadas eleitas para o Congresso Nacional. Esta é a base da qual a esquerda consequente não deve arredar, a unidade que em nenhuma hipótese deve ser desfeita.
Para a esquerda o momento é propício à reflexão serena, prudente e lúcida, à discussão no interior de cada força política e em conjunto, ao reencontro e reforço do nível de unidade alcançado. Os 47 milhões de votos são um apelo à resistência e à luta consequente, que se reinicia pelo empenho em se opor decididamente à ofensiva do regime de direita e em construir a Frente pela Democracia, tarefa que se sobrepõe a debates menores sobre quem mais apareceu em fotos e vídeos de campanha e a formação de blocos parlamentares.
Nada deveria sobrepor-se à construção da Frente pela Democracia.
Nesta Frente pela Democracia será indispensável desenvolver e aprofundar as relações constituídas pelas forças de esquerda durante a última campanha eleitoral. Qualquer desvio deste caminho facilitará a ação do regime de direita liderado por Bolsonaro.
Não há atalhos na luta contra regimes assim e nenhuma serventia têm nem terão as ilusões com os aliados não declarados mas funcionais da direita.
(*) Jornalista, editor do Resistência e diretor do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz