Conjuntura nacional

A direita formata seu poder

04/02/2019

Por José Reinaldo Carvalho (*)

Com o término da eleição para as mesas do Congresso, completa-se, por ora, o processo de formatação dos órgãos de poder.

Ocorre em meio a uma situação política volátil. As crises sempre têm o condão de fazer com que tudo o que é sólido desmanche no ar, como diria um velho filósofo. A crise que vivemos é de amplas dimensões e grande profundidade. A eleição presidencial não resolveu problema algum, a das mesas do Congresso muito menos, o retorno do Judiciário das férias nada traz de progressivo.

O Brasil vai em marcha batida para o abismo. É falsa a opinião de Rodrigo Maia, que vê na Câmara atual um fator de esperança como jamais se viu desde 1986. Estamos em presença da pior Câmara desde sempre, pior, muito pior do que a eleita em 2014!

O regime está assim configurado: na Presidência da República, um titular de extrema-direita; na Câmara dos Deputados e no Senado sob comando do vetusto DEM, partido de sempre das classes dominantes, da ditadura, do neoliberalismo, de tudo o que há de nefasto na vida republicana brasileira. Se agregamos a isto o Judiciário e o Ministério Público, ressalvadas algumas performances individuais, temos um poder reacionário, de direita, autoritário.

Não há como negar: os triunfos nas duas casas congressuais reforçam enormemente o poder do DEM. Não à toa o neto de ACM se movimenta com toda a desenvoltura e cacifa-se no governo Bolsonaro. Com o DEM, compõem-se penduricalhos da velha e nova direita, com suas afinidades e diferenças: o PSL e partidos da mal chamada centro-direita e do famigerado “centrão”.

Bolsonaro pode falar o que quiser sobre mudar o modelo do “presidencialismo de coalizão” e deblaterar o quanto possa sobre não depender dos partidos políticos. No estrito âmbito congressual, sua base de apoio tem por núcleo os direitistas PSL e DEM. Terá que contar com estes, não só com as bancadas transversais da bala, da Bíblia, do boi e da lama. E, ninguém duvide, para aprovar as “reformas”, será obrigado a lançar pontes com potenciais adversários como o magoado senador Renan.

Por certo, o poder de Bolsonaro e aliados não é monolítico, mas marcado por espinhosas contradições. A complexidade da situação do país e a dureza das medidas que tramitarão no Congresso sugerem que serão muitos os conflitos e que no próprio campo da direita/extrema-direita haverá tensões a abrandar, para além de que, composta e dirigida por profissionais, a maioria de ambas as casas barganhará e, como sempre, venderá seu alinhamento (votos) a preço de ouro.

O presidente da Câmara e os mentores do novo presidente do Senado são escolados nessas artes, além de atuarem para fazer prevalecer suas ambições de evolução na carreira. Maia, em particular, experiente e com mais campo de atuação, quando fala de diálogo e defesa da independência da instituição parlamentar, dá claros recados ao Executivo, ao mesmo tempo que se prepara para jogar o papel de mediador e conciliador entre forças antípodas. Poderá vender dificuldades ao governo Bolsonaro (ainda que, em essência, alinhado), para colher benefícios. E não deixará de ocupar parte de seu tempo em fazer acenos à esquerda, oferecendo cerejas no bolo envenenado das “reformas”.

Há outros conflitos políticos, já em curso e em profusão no interior do próprio Palácio do Planalto, em torno de temas nevrálgicos e com potencial explosivo: as “reformas”, a política externa e a distribuição de cotas de poder, com a já indisfarçável desavença entre o clã do presidente, setores das Forças Armadas e representantes do mundo empresarial.

O estranho episódio da “retomada” de funções do presidente desde um leito hospitalar após uma complicada cirurgia de mais de sete horas de duração, é revelador do pânico que assalta Bolsonaro e seu entorno familiar. O comportamento histriônico de alguns, incluindo mentores, gurus e seguidores mais extremados é o sintoma mais exacerbado disso. Neste exato momento, a fonte maior de preocupação para estes é o general Hamilton Mourão, desenvolto vice-presidente da República, em intensa atividade nos meios políticos, na imprensa, entre diplomatas estrangeiros, lideranças empresariais e, por óbvio, nas Forças Armadas. Opiniático e hábil, Mourão vai ocupando seu espaço, mostrando a que veio e, principalmente, contrastando com a incompetência e o despreparo do vencedor da eleição de 28 de outubro passado.

A oposição há de levar em conta esse conjunto de contradições, sem pertencer nem se subordinar, porém, a nenhuma das facções que se digladiam.

O foco principal da ação oposicionista é a luta pela restauração da democracia e do Estado de direito, a garantia dos direitos do povo e a defesa da soberania nacional. Para isso, urge recompor a unidade do campo democrático-popular, reforçar os laços com as massas populares, retomar o ativismo militante, a denúncia das mazelas sociais e arbitrariedades, a mobilização de forças para uma luta cada vez mais enérgica contra a ação antidemocrática do governo.

O trabalho político e organizativo para a constituição de uma frente ampla com caráter democrático, popular e patriótico é ação de longo fôlego, não se confunde com o pragmatismo dos acordos por prebendas nos planos parlamentar e governativo.

É o que temos por ora. O resto são discussões abstrusas sobre um modelo de frente, que só o tempo dirá que formato terá. Entre uma ação e outra, é sempre bom revisitar a dialética e a História.

(*)  Jornalista, editor do Resistência, integra o projeto Jornalistas pela Democracia

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