História
A descomemoração do golpe não anula a necessidade de condená-lo para sempre
A descomemoração oficial do golpe militar de 1964 é uma vitória democrática do povo brasileiro
Por José Reinaldo Carvalho (*)
É um fato auspicioso que o aniversário do golpe militar de 1964 não seja mais comemorado nos quartéis nem tema de laudatórias ordens do dia assinadas pelo Alto Comando. O golpe militar de instaurou o pior regime político de toda a história brasileira, um regime fascista, dirigido por generais facínoras, que não se detiveram na perpetração de crimes de lesa-humanidade e lesa-pátria, como instrumento subalterno e abjeto do imperialismo estadunidense no quadro da guerra fria . Quando julgou necessário, o regime recorreu a métodos fascistas de governo, entre estes uma feroz e degradante repressão policial-militar, cujo consagrado método foi a tortura e o assassínio de opositores.
O golpe militar de 1964 correspondeu à reação das classes dominantes reacionárias brasileiras à maré montante do movimento democrático, popular e trabalhista por reformas de fundo na carcomida estrutura social do país. Objetivamente, a sociedade brasileira não tinha outro caminho para avançar no sentido do desenvolvimento nacional e do progresso social que não fosse a ruptura com tais estruturas. Foi também a reação do imperialismo estadunidense à ascensão do movimento por independência nacional que se somava a outros processos de luta na região latino-americana e caribenha. Os Estados Unidos temiam que os países da região se transformassem em forças de peso na luta anti-imperialista e a superpotência do Norte visse ameaçado o seu domínio, o que tornaria mais difícil o enfrentamento à União Soviética. Por isso, os Estados Unidos intervieram diretamente no desenvolvimento da situação política brasileira e tornaram-se o fator decisivo do golpe, em conluio com as classes dominantes, políticos civis ambiciosos pelo poder e as Forças Armadas. É preciso ressaltar que a “ameaça comunista” do movimento popular brasileiro pelas reformas de base de João Goulart não passava de uma visão conspirativa dos generais reacionários para ter um pretexto que justificasse sua ação antidemocrática. do ponto de vista das forças progressistas nacionais, o movimento popular prévio ao golpe de 1964
A descomemoração neste ano do golpe militar de 1964 – depois de quatro anos de exaltação promovida pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro – é uma vitória democrática do povo brasileiro, fruto da eleição do presidente Lula. No âmbito dessa vitória, processa-se lentamente na cúpula das Forças Armadas uma mudança de atitude, transitando no sentido de uma ação legalista. O tempo dirá se esse legalismo permanecerá ou se se trata apenas de uma manobra para escapar à condenação de oficiais comprometidos com os crimes de Bolsonaro e sua gestão destruidora do país.
Infelizmente, o Comando que promove o legalismo, não dá nenhum aceno no sentido de alteração do caráter antidemocrático das Forças e de desistência das estratégias e táticas políticas de intervencionismo na vida nacional. Muito menos no sentido de fazer na prática uma retificação profunda de todos os métodos empregados na repressão aos patriotas e democratas. Seria necessário proceder a uma condenação séria do golpe militar para as Forças se reconciliarem com a Nação.
Por isso, é necessário que a cada 31 de março e 1º de abril, as forças democráticas, patrióticas e progressistas do país reavivem a memória dos brasileiros sobre o que foi o regime militar. De todos os regimes e formas de governo a que as classes dominantes recorreram no período republicano para assegurar o poder político, a ditadura dos generais foi o mais danoso à democracia, aos direitos humanos, aos direitos sociais e à soberania nacional. Sua essência foi o caráter antipopular e antinacional. Foi um regime que causou irreversíveis danos ao país, abrindo feridas ainda hoje não cicatrizadas.
Com a aproximação do 60º aniversário do golpe militar, o povo brasileiro tem o direito de denunciar o regime que daí resultou e de condenar suas ações atrabiliárias e crimes. Não por revanchismo, mas para que não se repitam jamais.
(*) Jornalista, editor do Resistência. Membro do Comitê Central e da Comissão Politica Nacional do Partido Comunista do Brasil e secretário-geral do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz