Cuba
O legado de Fidel e a mirada entre amigos
Decorrido o primeiro ano de seu desaparecimento físico, um fato é incontestável: esteja onde estiver, com quem estiver, Fidel está ali para ganhar amigos. De José Martí, seu autor de cabeceira, o comandante herdou o ideário: “Para todas las penas, la amistad es remedio seguro”.
Por Maria do Carmo Luiz Caldas Leite*
Homem de profundas amizades, Fidel nutria convívios com devoção pela palavra e com poder de sedução. Evo Morales, Rafael Correa, Lula, Cristina Kirchner, Daniel Ortega, Nicolás Maduro buscaram em Cuba novas formas de construção da trincheira de ideias, de que falava Martí. Ao longo das décadas de relação amistosa com o revolucionário, Gabriel García Márquez não escondia sua admiração e seu deslumbramento: “Un hombre de costumbres austeros e ilusiones insaciables”.
Sua mais rara virtude de político foi a faculdade de vislumbrar a evolução dos acontecimentos até as consequências mais remotas. Seu raciocínio agudo favoreceu, em momentos difíceis, aos amigos. “Fidel é, para mim, um pai, um companheiro, um mestre da estratégia perfeita”, declarou Chávez em 2005. A lealdade foi incondicional e as palavras de despedida do comandante da revolução cubana ao líder venezuelano traduziram o valor de um afeto recíproco: “hasta la victória siempre, inesquecíble amigo”.
Aos que falavam em invasão cubana a Angola, na Conferencia de Solidaridad Cubana-Sudafricana de 1995, Mandela afirmou: “los cubanos vinieron a nuestra región como doctores, maestros, soldados, expertos agrícolas, pero nunca como colonizadores. Compartieron las mismas trincheras en la lucha contra el colonialismo, subdesarrollo y el “apartheid”. Jamás olvidaremos este incomparable ejemplo de desinteresado internacionalismo”.
Sobre os acontecimentos de setembro de 1973, no Chile, Fidel declarou: “Salvador Allende demostró más dignidad, más honor, más valor y más heroísmo que todos los militares fascistas juntos. Los fascistas han sacado a relucir el fusil con que combatió Allende, el fusil automático que nosotros le obsequiamos, tratando de hacer propaganda burda y ridícula con eso.(…). ¡Y si cada trabajador y cada campesino hubiesen tenido un fusil como ése en sus manos, no habría habido golpe fascista! Esa es la gran lección que se desprende para los revolucionarios de los acontecimientos chilenos”.
Sempre com termos cautelosos e tênues, incapaz de conceber uma só ideia, que não fosse descomunal, a essência do legado de Fidel está fundamentada em seu trabalho junto às massas e ao tempo que dedicou aos indivíduos. Suas palavras, comprometidas de forma indissolúvel com a ação, desprovidas de retórica banal, começavam com um som quase inaudível e, pouco a pouco, despertavam um estado de graça irresistível, que apenas poderão negar os que não tiveram a glória de escutá-lo.
*Maria do Carmo Luiz Caldas Leite é professora de Física e doutoranda em Educação, diretora de relações internacionais da Associação José Martí da Baixada Santista e membro do Partido Comunista do Brasil do núcleo da Fundação Maurício Grabois de Santos e Região.