GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O colonialismo português e o genocídio em Gaza

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O pensador Frantz Fanon ajuda a explicar por que Portugal, ex-potência colonial, na prática auxilia Israel em seu genocídio em Gaza

Por Stefani Costa, no Opera Mundi (*) – O jornal Público revelou que Portugal impediu a inclusão de uma referência à crise alimentar em Gaza na declaração final da XV Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada na última sexta-feira (18/07). O sociólogo Miguel de Barros afirmou ao jornal que o embaixador português na Guiné-Bissau, Miguel Cruz Silvestre, controlou de forma rígida o conteúdo do documento.

Entre os pontos excluídos estava a condenação de ações que dificultam o acesso à comida, com menção específica ao bloqueio de ajuda humanitária por Israel na Faixa de Gaza. A referência seria incluída como parte da defesa do direito humano à alimentação. A atitude gerou críticas por suprimir o contexto de violência imposto pelo exército israelense que agrava a insegurança alimentar do povo palestino, principalmente entre as crianças.

Mas o que a herança colonial portuguesa tem a ver com este assunto? O filósofo francês e revolucionário Frantz Fanon nos ajuda a compreender. 

Através de sua extensa obra, Fanon nos lembra que o colonialismo europeu não terminou com a independência das colônias, apenas mudou de forma. Ainda hoje, está presente nas escolhas políticas dos países do bloco e também em suas relações sociais.

No caso português, o saudosismo lusotropicalista e a ideia de que Portugal foi um “bom colonizador” persistem até hoje. A recusa em reconhecer os crimes coloniais reflete o “colonialismo psicológico e cultural” presente na teoria de Frantz Fanon, algo visível não somente na política anti-imigração do atual governo, mas também sobre o posicionamento do Estado em relação ao genocídio em curso na Palestina.

Ao associar a imigração no país com o aumento da criminalidade – uma relação já desmentida pela própria Polícia Judiciária – a administração do primeiro-ministro Luis Montenegro continua alinhada às posições da extrema direita. No Parlamento, o líder do partido de extrema direita Chega, André Ventura, insiste na falsa alegação de uma “invasão islâmica” em Portugal.

Enquanto isso, dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que 40% das nacionalidades concedidas em Portugal no ano de 2023 foram para cidadãos israelenses. Essa porcentagem supera até mesmo os 23,5% atribuídos aos brasileiros, que atualmente representam a maior comunidade estrangeira no país.

Negar o genocído é herança colonial

Lembremos que Portugal é um dos países da União Europeia que não reconhece o Estado da Palestina. Mesmo após a morte de mais de 50 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças, líderes políticos e autoridades continuam insistindo na “narrativa” de que as ações de Israel são uma resposta aos ataques do Hamas em 7 de Outubro. Ou seja: outra falácia.

Além, claro, da conivência da grande imprensa, que continua oferecendo espaço em horário nobre para que comentaristas e jornalistas permaneçam defendendo as barbáries cometidas pelas forças armadas israelenses, muitas vezes com a  justificativa de que crianças também são “terroristas” e devem ser combatidas pelo “bem do povo judeu”.

Por isso, neste momento, insisto na importância de revisitar a obra Frantz Fanon, que defendia que a descolonização exige ruptura radical nas estruturas sociais, políticas e psicológicas. De acordo com o pensador, a desumanização não decorre de um processo natural, mas é fruto direto de uma construção social e política. Para ele, essa condição emerge da relação desigual de poder entre colonizadores e colonizados.

Fanon sustenta ainda que a violência colonial vai além de um mero instrumento de controle – ela opera como um mecanismo sistemático de desumanização, projetado para manter a estrutura de dominação e perpetuar a desigualdade. Sendo assim, o que assistimos na Palestina é colonialismo em sua essência.

Infelizmente, os esforços de algumas camadas da sociedade portuguesa para condenar o passado colonial não têm sido suficientes no combate ao racismo, à xenofobia e ao pensamento colonial no país. 

Além disso, esses esforços não têm protegido a dignidade do próprio povo português ou dos trabalhadores que jamais se beneficiaram da pilhagem e exploração das ex-colônias. Como imigrante brasileira que vive em Lisboa, posso afirmar isso com propriedade.

Apesar da Revolução dos Cravos e da significativa importância desse movimento na história de Portugal, o país não conseguiu, de fato, concluir o processo de ruptura social, política e econômica defendido por pensadores como Fanon, permanecendo, mais uma vez, fechado em si mesmo e do lado errado da história.

(*) Radicada em Lisboa, Stefani Costa é jornalista correspondente do Opera Mundi e escreve em veículos como Jacobin Brasil, Jornal Expresso e Rádio TSF Portugal. Atuou em redações como Revista Brasil Já e Sapo Mag, além de contribuir para diversos meios, entre eles Brasil de Fato, ICL Notícias, Brasil 247, DCM, Correio Braziliense e Rádio Bandeirantes. Cobriu conflitos como as guerras da Ucrânia e do Líbano, as eleições presidenciais na Rússia, as eleições judiciais no México e a Cúpula do Brics, em Kazan e no Rio. Seus principais focos são guerras, conflitos, direitos humanos, migrações, habitação, política e cultura.

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