GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

G20 em Joanesburgo: Multilateralismo avança com a saída dos EUA

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Por Global Times – De 22 a 23 de novembro, Joanesburgo sediou a 20ª Cúpula de Líderes do G20, sob o tema “solidariedade, igualdade e sustentabilidade”. Logo no primeiro dia, os líderes adotaram a Declaração dos Líderes da Cúpula do G20 na África do Sul por amplo consenso.

Na abertura da cúpula, o presidente sul-africano e presidente do G20, Cyril Ramaphosa, ressaltou o valor e a necessidade do multilateralismo. “A adoção da Declaração da Cúpula envia um sinal importante ao mundo de que o multilateralismo pode e consegue alcançar resultados”, afirmou. Esse sinal foi ainda mais impactante por ter sido enviado apesar da oposição declarada de Washington.

Em uma nota diplomática enviada antes da reunião, os EUA informaram ao governo anfitrião que não participariam e se opunham à publicação de qualquer documento final da cúpula do G20 sob a premissa de uma posição consensual do G20 sem o acordo dos EUA, segundo um documento consultado pela Bloomberg.

Como o primeiro país africano a presidir o G20, a África do Sul insistiu que a cúpula de líderes prosseguisse conforme planejado, que a declaração fosse adotada dentro do prazo e rejeitou a tentativa de Washington de enviar apenas um encarregado de negócios à cerimônia de transição para a próxima presidência do G20, citando normas diplomáticas básicas. Essa postura refletiu mais do que uma questão processual; revelou uma confiança diplomática discreta, porém firme.

Em Joanesburgo, a não participação dos EUA não desestabilizou a agenda. Pelo contrário: impulsionado pela grande maioria dos membros, o consenso sobre a declaração foi alcançado mais cedo e de forma mais tranquila do que em muitas rodadas anteriores. O cenário apontava para uma mudança mais profunda: os mecanismos multilaterais atuais estão gradualmente se libertando de uma lógica unipolar e caminhando em direção a estruturas mais inclusivas que reflitam melhor os diversos interesses.

As questões centrais destacadas na declaração estão enraizadas em preocupações imediatas e tangíveis e em um senso de justiça. Elas incluem o combate às mudanças climáticas, o apoio às energias renováveis, o alívio do endividamento dos países em desenvolvimento e a reforma da governança financeira global. Essas prioridades não são uma lista aleatória; Elas refletem as demandas cotidianas mais urgentes de muitas economias em desenvolvimento.

Da África ao Sul da Ásia, e da América Latina ao Sudeste Asiático, países do Sul Global lutam contra o endividamento excessivo, a vulnerabilidade climática e a transição industrial. O que buscam do sistema internacional não é caridade, mas um ambiente mais equitativo para se desenvolverem.

A declaração, portanto, se apresenta como uma voz coletiva do mundo em desenvolvimento. Ela enfatiza a cooperação em vez da coerção, a estabilidade em vez do confronto e a inclusão em vez da exclusão. Ao fazer isso, desafia implicitamente uma agenda política ocidental há muito dominante, que tende a ser “centrada na segurança” e “motivada por sanções”.

A experiência já demonstrou que a busca por consenso global não pode mais girar em torno da vontade de uma única potência hegemônica. A decisão de Washington de “boicotar” a cúpula é melhor compreendida como uma forte reação ao seu crescente desconforto com essa realidade. Em um ambiente cada vez mais multipolar, onde mais atores esperam ser ouvidos, recusar-se a participar não preserva a influência; pelo contrário, isola quem se recusa.

Durante grande parte do período pós-guerra, a política internacional girou em torno de um único centro de gravidade. O cenário atual é muito mais complexo. Estados em diferentes estágios de desenvolvimento, em diversas regiões e sistemas políticos, participam da definição da agenda em virtude de seu peso econômico, capacidades tecnológicas, escala demográfica e recursos naturais.

O sistema global encontra-se agora numa encruzilhada entre uma ordem envelhecida e uma emergente. De um lado, os EUA e seus aliados ainda detêm vantagens substanciais em finanças, tecnologia e arquitetura de segurança. Do outro, a vontade política, o dinamismo econômico e as redes de cooperação do Sul Global estão se expandindo a uma velocidade notável. Nesse contexto, o G20 — como o principal fórum que reúne economias avançadas e emergentes — deve servir como um espaço de coordenação, não de fragmentação.

A cúpula deste ano, portanto, carrega um peso simbólico que vai além de sua declaração específica. Ela ilustra uma tendência mais ampla na política global: enquanto a inércia da velha ordem persiste, a lógica de uma nova ordem torna-se irreversível. O mundo está mudando. Se os EUA continuarem a responder com as demonstrações de descontentamento já conhecidas — boicotes, abandonos de sessão, tentativas de bloquear o consenso —, poderão eventualmente descobrir que cada vez menos países se sentem obrigados a convencê-los a voltar à mesa de negociações.

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