As medidas do governo norte-americano contra Cuba começaram logo no mesmo ano de 1959
Por Vladimir Falcón (*) – Antes de 1959, os EUA eram o principal parceiro econômico e comercial e investidor na economia cubana. 75% das importações da ilha provinham do vizinho do norte e para lá iam 66% das exportações cubanas. A ilha era o terceiro país da América Latina que mais recebia investimentos americanos, depois do Brasil e da Venezuela. Cuba tinha uma estrutura econômica totalmente dependente dos EUA, situação que havia sido projetada desde os primeiros anos do século XX como componente fundamental do sistema de dominação imposto por Washington a Havana. A economia cubana baseava-se na produção de açúcar, que contribuía com 30% do PIB e 80% das exportações, enquanto os bens de consumo, combustível, produtos intermediários e tecnologia vinham dos EUA.
Tal situação tornava Cuba vulnerável em suas relações com os EUA, o que foi utilizado por este último como instrumento de pressão para tentar destruir a Revolução triunfante em 1º de janeiro de 1959, cuja existência constituía uma brecha no sistema de dominação norte-americana na região e o fim do controle econômico das riquezas cubanas por empresas norte-americanas.As medidas do governo norte-americano contra Cuba começaram logo no mesmo ano de 1959, como evidenciam os seguintes fatos a seguir:
29 de junho de 1960: As empresas norte-americanas Texaco, Esso e Shell interromperam o fornecimento de petróleo a Cuba e se recusaram a processar o petróleo bruto adquirido na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
20 de outubro de 1960: O Departamento de Comércio dos EUA impôs controles rígidos e totais que estabeleceram a proibição das exportações para Cuba, exceto para certos alimentos não subsidiários, medicamentos e suprimentos médicos especificados.
16 de dezembro de 1960: O presidente dos Estados Unidos emitiu a proclamação presidencial 3383, que reduziu a zero a cota de açúcar cubana para o primeiro trimestre de 1961.
3 de janeiro de 1961: Os EUA anunciaram o rompimento de suas relações diplomáticas e consulares com o governo de Cuba.
4 de setembro de 1961: O Congresso dos EUA aprovou a Lei de Ajuda Externa de 1961, que proibia qualquer tipo de assistência ao governo de Cuba e autorizava o presidente a manter um bloqueio total sobre o comércio bilateral.
3 de fevereiro de 1962: O presidente John F. Kennedy assinou a ordem executiva 3447, que oficializou o bloqueio econômico, comercial e financeiro contra Cuba.
O objetivo do bloqueio foi definido desde muito cedo pelo governo dos EUA, diante da realidade de um país em que a Revolução avançava no resgate das riquezas nacionais, na elevação do nível de vida de sua população e na garantia dos direitos fundamentais ao seu povo.
Em 6 de abril de 1960, Lester D. Mallory, subsecretário adjunto de Estado para Assuntos Interamericanos, definiu em um memorando secreto do Departamento de Estado a filosofia do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto meses depois de forma unilateral contra Cuba:
“A maioria dos cubanos apoia Castro… a única maneira previsível de diminuir o apoio interno é por meio do desencanto e da insatisfação decorrentes do mal-estar econômico e das dificuldades materiais… é preciso empregar rapidamente todos os meios possíveis para enfraquecer a vida econômica de Cuba… uma linha de ação que, sendo a mais hábil e discreta possível, consiga os maiores avanços na privação de dinheiro e suprimentos a Cuba, para reduzir seus recursos financeiros e os salários reais, provocar fome, desespero e a derrubada do governo”.
Desde então, a estratégia tem consistido em gerar dificuldades econômicas às famílias cubanas, ao mesmo tempo em que se constrói a narrativa que a causa da situação econômica da ilha se deve supostamente à gestão do governo cubano.
Nas três primeiras décadas da Revolução cubana, as relações da ilha com o bloco socialista, sobretudo com a URSS, permitiram contornar o bloqueio e alcançar um desenvolvimento econômico e social significativo. Cuba tinha nesses países um mercado para suas exportações, a preços justos, acesso a créditos, tecnologia, ao mesmo tempo em que importava combustíveis, derivados, produtos intermediários e bens de capital.
No início da década de 90, após a dissolução da URSS e o colapso do bloqueio socialista, Cuba perdeu 85% de suas relações comerciais com esses países, o que provocou uma queda de 35% no PIB. Foi nesse momento que o governo dos EUA decidiu intensificar o bloqueio.
Em 1992, foi aprovada a Lei Torricelli, que proibia as relações com Cuba às subsidiárias de empresas americanas em países terceiros e a entrada em portos americanos por 6 meses a navios de qualquer bandeira que entrassem em portos cubanos. Em 1996, foi aprovada a Lei Helms-Burton, que deu caráter de lei ao bloqueio e o internacionalizou ainda mais, com medidas como a negação de créditos e ajuda financeira a países e organizações que favorecessem a cooperação com Cuba.
O governo do presidente Barack Obama (2009-2017), embora tenha reconhecido a ineficácia do bloqueio e restabelecido as relações diplomáticas com Cuba e o diálogo bilateral sobre temas de interesse comum, manteve a perseguição às transações financeiras e comerciais de Cuba no exterior.
Em contraste com seu antecessor, Donald Trump, em seu primeiro mandato (2016-2020), adotou mais de 240 medidas contra Cuba, 55 delas em tempos de pandemia, com o objetivo de asfixiar economicamente o país, desestabilizar a ordem interna e derrubar a Revolução cubana.
O governo de Joseph Biden (2021-2024) manteve a maioria das medidas contra Cuba adotadas por seu antecessor e, somente no final de seu mandato, excluiu Cuba da lista de Estados que supostamente patrocinam o terrorismo.
O retorno de Trump à Casa Branca em janeiro de 2025 significou o retorno à política de máxima pressão contra Cuba, agora com a marca adicional do secretário de Estado de origem cubana, Marco Rubio, peça-chave da direita reacionária anticubana do sul da Flórida.
Esta situação foi denunciada pelo governo cubano, entre outros por Johana Tablada, subdiretora geral para os EUA no Ministério das Relações Exteriores de Cuba, que publicou recentemente uma lista das medidas contra Cuba adotadas pela atual administração norte-americana. Estas medidas não deixam dúvidas de que o bloqueio existe e é a principal causa das dificuldades econômicas que o povo cubano enfrenta, apesar de todas as mentiras que os EUA propagam para convencer o mundo do contrário.
1. Reincorporação de Cuba à Lista de Estados Patrocinadores do Terrorismo (agrava os efeitos do bloqueio, sobretudo no âmbito financeiro, aumenta o risco-país, desincentiva o turismo europeu e asiático). (20 de janeiro)
2. Reativação do Memorando Presidencial nº 5 de Donald Trump de 2017 (afirma abertamente os objetivos de mudança de regime, restringir o turismo, apoiar programas de interferência e subversão e aplicar o bloqueio por meio da Lei Helms-Burton). (20 de janeiro).3. Encerramento do programa de parole humanitária para cubanos, haitianos, venezuelanos e nicaraguenses e da aplicação CBP One, para solicitar a entrada por 8 portos de entrada nos EUA. (20 de janeiro)
4. Reativação do Título III da Lei Helms-Burton, para dissuadir investidores e empresários de outros países com negócios em Cuba. Pela primeira vez (o que é contrário à lei), é permitido apresentar ações judiciais nos tribunais dos EUA contra entidades que investem em propriedades nacionalizadas em Cuba ao triunfo da Revolução, incluindo aquelas que pertenceram a cidadãos cubanos posteriormente naturalizados americanos. (31 de janeiro)
5. Restabelecimento da lista de entidades cubanas restritas, com as quais as entidades e pessoas nos EUA estão proibidas de realizar qualquer transação (tem, além disso, alcance extraterritorial). (6 de fevereiro)
6. Inclusão da empresa cubana de remessas Orbit S.A. na lista de entidades cubanas restritas (por isso a Western Union decidiu suspender suas atividades com Cuba). (6 de fevereiro)
7. Trump incluiu Cuba, juntamente com o governo de Nicolás Maduro na Venezuela, Irã, Coreia do Norte, Rússia e China, que considera “adversários estrangeiros”, na ordem executiva que limita o acesso à tecnologia americana, especialmente no âmbito das plataformas de inteligência artificial disponíveis a todos os países. Trata-se de uma medida que se soma às mais de 300 aplicações indisponíveis e que discrimina mais uma vez os nossos estudantes, investigadores e população em geral (21 de fevereiro)
8. Suspensão da concessão de vistos a cubanos para intercâmbios culturais, esportivos, acadêmicos, científicos, etc. (21 de fevereiro)
9. Restrição de vistos de entrada nos EUA a cidadãos cubanos e estrangeiros, e seus familiares, vinculados a programas de cooperação internacional de Cuba, em particular os de saúde, mas também em outras áreas. (25 de fevereiro)
10. Inclusão de Cuba na Lista de Países que não mantêm medidas antiterroristas eficazes em seus portos. A medida autoriza a Guarda Costeira dos EUA a impor requisitos para a entrada nos Estados Unidos de embarcações provenientes do território cubano, devido à consideração de Cuba como um Estado patrocinador do terrorismo. (21 de março)
11. Proibição de acesso ao repositório de dados de acesso controlado e dados associados dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA por instituições localizadas em Cuba ou outros “países de interesse” (2 de abril)
12. Suspensão das conversações migratórias correspondentes a abril de 2025. (17 de abril)
13. Imposição de um regime de notificações à Embaixada de Cuba em Washington, antes de qualquer intercâmbio ou visita a representantes de governos locais, estaduais, instituições educacionais e centros de pesquisa, incluindo instalações agrícolas e laboratórios nacionais. (18 de abril)
14. Suspensão dos pagamentos e exigência de abertura de contas no exterior para anfitriões cubanos, por parte da plataforma de hospedagem Airbnb. (5 de maio)
15. Proibição de entrada nos Estados Unidos de uma promotora e três juízes do tribunal provincial de Havana e seus familiares, pelo Departamento de Estado, por sua suposta implicação no processo judicial de um indivíduo participante do 11 de julho. (21 de maio)
16. Restrição de vistos para entrada nos EUA a funcionários de governos centro-americanos e seus familiares que tenham vínculo com os programas de cooperação médica cubana. (3 de junho)
17. Suspensão, por meio de proclamação presidencial, da entrada nos Estados Unidos de imigrantes e não imigrantes cubanos nas categorias de visto B-1 (negócios), B-2 (turismo), B-1/B-2 (turismo ou negócios), F (estudantes/acadêmicos), M (estudantes/acadêmicos) e J (médicos/visita de intercâmbio). (4 de junho)
18. Recusa de vistos aos 16 membros da equipe feminina de voleibol de Cuba, incluindo atletas e treinadores, que participariam da Final Four NORCECA sediada em Porto Rico. (26 de junho)
19. Reemissão e alterações ao Memorando Presidencial de Segurança Nacional 5 sobre o Fortalecimento da Política dos Estados Unidos em relação a Cuba, que ratificam a política de pressão máxima e ampliam as restrições comerciais. (30 de junho)
20. Inclusão na Lista de Entidades Restritas e na Lista de Alojamentos Proibidos de Cuba de 8 novos hotéis entre ambas as listas. (11 de julho)
21. Restrição de vistos ao presidente cubano Miguel Díaz Canel Bermúdez, ao ministro das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) Álvaro López Miera e ao ministro do Interior Lázaro Alberto Álvarez Casas e seus familiares. (11 de julho)
22. Recusa de vistos aos sete membros da equipe técnica do time de beisebol do município de Pinar del Rio, La Palma, o que impediu sua viagem para o torneio classificatório da Série Mundial de Ligas Pequenas de Softbol, categoria feminina, faixa etária de 9 a 10 anos. (13 de julho)
23. Revogação de vistos e autorizações do Departamento de Estado a funcionários dos governos cubano e brasileiro, ex-funcionários da Organização Pan-Americana da Saúde (OPS) e seus familiares, por participarem do programa de colaboração médica cubano “Mais Médicos”. (13 de agosto)
24. Restrição de vistos, pelo Departamento de Estado, a funcionários dos governos africano, cubano e granadino, e seus familiares, por participarem dos programas de missões médicas de Cuba. Isso incluiu a recusa à vice-ministra da Saúde Pública de Cuba, Tania Margarita Cruz, e sua delegação para que pudessem participar do Conselho Geral da Organização Pan-Americana da Saúde em Washington DC, onde fica sua sede principal.
25. Em 25 de setembro, foi anunciado um novo aumento dos fundos para operações de desinformação comunicacional. De acordo com o anúncio, o governo do presidente Donald Trump destinará US$ 400 milhões para apoiar atividades destinadas a contrariar a influência no hemisfério ocidental dos regimes “marxistas e antiamericanos” de Cuba, Venezuela e Nicarágua. Isso se soma aos milhões já empregados e reforçados com a redução de fundos para vacinas e ajuda externa àqueles que mais precisam no mundo.
Recentemente, o Bureau para Assuntos do Hemisfério Ocidental, do Departamento de Estado dos EUA, publicou várias mensagens em sua conta no X, nas quais apela abertamente aos governos para que não apoiem a Resolução contra o bloqueio, que Cuba apresentará no próximo dia 29 de outubro, na Assembleia Geral da ONU. Apesar das tentativas de manipulação e engano, essa resolução tem contado historicamente com o apoio majoritário da comunidade internacional, que se pronunciou de forma honesta e justa contra a guerra econômica imposta pelo governo dos Estados Unidos há mais de 60 anos à família cubana.
Ao longo das últimas décadas, o povo cubano demonstrou amplamente, nas áreas da saúde, ciência, educação e esporte, sua grande capacidade de resistência e dignidade, tudo isso diante do tremendo obstáculo ao desenvolvimento e bem-estar que constitui o bloqueio econômico, financeiro e comercial.
(1)https://www.radiocubana.cu/la-opinion/cuba-y-su-subordinacion-a-ee-uu-antes-de-1959/
(2) https://www.fao.org/4/53556S/53556S02.htm
(3) https://archivo.prensa-latina.cu/2022/02/01/bloqueo-de-eeuu-contra-cuba-cronologia-de-una–injusticia
(4) idem
(5) https://x.com/WHAAsstSecty/status/1982130031162782036
(*) Engenheiro em Automática formado pela Universidad Tecnológica de La Habana “José Antonio Echeverria” em 2001. Mestre em Relações Internacionais no Instituto Superior de Relações Internacionais “Raúl Roa García” de Havana em 2004
